Contos de Grimm

Os Contos de Fadas dos Irmãos Grimm, originalmente compilados por Jacob e Wilhelm Grimm, são uma coleção de contos populares atemporais que encantam leitores há séculos. Estes contos são um verdadeiro tesouro de folclore, apresentando histórias de coragem, magia e moralidade que ressoam através das gerações. Desde clássicos como ”Cinderela”, ”Branca de Neve” e ”João e Maria”, até joias menos conhecidas como ”O Pescador e sua Mulher” e ”Rumpelstiltskin”, cada história oferece um vislumbre do rico tecido da tradição oral europeia. Os Contos de Fadas dos Grimm são caracterizados por seus personagens vívidos, lições morais e frequentemente tons sombrios, refletindo as duras realidades e os elementos fantásticos de seus contextos históricos. Seu apelo duradouro reside em sua capacidade de entreter, ensinar e inspirar maravilha, tornando-os um alicerce da literatura infantil e uma fonte de fascínio para estudiosos do folclore e da narrativa.

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O camponesinho

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Existiu, uma vez, uma aldeia cujos aldeões eram todos ricos, exceto um a quem chamavam o camponesinho. O pobre não possuía de seu nem sequer uma vaca e muito menos dinheiro para comprá-la, embora ele e a mulher a desejassem muito. Certo dia, disse ele à sua mulher:- Escuta, tenho uma boa ideia: nosso compadre o marceneiro, poderia fazer um bezerrinho de madeira e envernizá-lo de marrom, de maneira que ficasse parecido com os outros; com o tempo ele cresceria e se tornaria uma vaca.A mulher, também, achou a ideai excelente e o compadre marceneiro desbastou e aplainou o bezerro, envernizou-o como devia; fê-lo mexer a cabeça como se estivesse comendo.No dia seguinte, à hora de levar o gado a pastar, o camponesinho chamou o pastor e lhe disse:- Escuta aqui, eu tenho um bezerrinho, mas é ainda muito pequenino e precisa ser carregado nos braços.- Está bem! - disse o pastor. Pegou o bezerrinho, carregou-o nos braços e deixou-o sobre a grama.O bezerrinho ficou lá parado o tempo todo, como um dois de paus e parecia estar comendo sem parar; o pastor então disse:- Esse aí crescerá depressa! Veja só como come!À tarde, na hora de reconduzir a manada de volta, o pastor disse ao bezerro:- Já que pudeste ficar aqui enchendo o papo, acho que podes também andar com tuas pernas; eu não tenho vontade alguma de carregar-te nos braços até casa.O camponesinho estava na porta, esperando o bezerrinho, vendo o pastor reconduzindo o gado sem o bezerrinho, perguntou onde o havia deixado. O pastor respondeu.- Está ainda lá comendo; não quis deixar de comer para vir comigo.O camponesinho então disse:- Qual o que, eu quero o meu bezerrinho de volta.Foram juntos ao pasto, mas alguém havia roubado o bezerrinho.Com certeza se perdeu por aí, - disse o pastor.Não engulo isso! - respondeu o camponesinho.E levou o pastor perante o Alcaide; este condenou-o pela sua negligência e obrigou-o a dar uma vaca ao camponesinho em troca do bezerro perdido.Finalmente, o camponesinho e sua mulher possuíam e tão desejada vaca; regozijaram-se de todo o coração mas, como não tinham forragem e não podiam alimentá-la tiveram de matá-la.A carne foi salgada e guardada e o camponesinho levou o couro para vender na cidade; com o produto da venda queria comprar outro bezerro. Andou, andou, andou e foi dar a um moinho e lá encontrou um corvo caído, com as asas partidas; ficou com dó dele, apanhou-o e embrulhou-o bem no couro. Mas o tempo estava tão ameaçador, com forte vento e tempestade, que ele não teve coragem de prosseguir e voltou ao moinho pedindo pouso para aquela noite. A moleira estava sozinha em casa e disse ao camponesinho:- Deita-te aí na palha, - depois, deu-lhe uma fatia de pão com queijo.Depois de comer pão com queijo, o camponesinho deitou-se com a pele de vaca ao lado e a moleira pensou:- Esse aí está cansado e dorme tranquilamente.Nisso chegou o carvoeiro, que foi muito bem acolhido pela moleira.- Meu marido não está, - disse ela; - hoje quero tratar-me bem.O camponesinho fez-se todo ouvidos e, ouvindo falar em bom tratamento, zangou-se por o tratarem simplesmente a pão e queijo. Aí a mulher pôs a mesa e trouxe o melhor que podia: assado, salada, broa e vinho.Tinham apenas sentado à mesa, quando bateram à porta. A mulher exclamou:- Ah, meu Deus! é meu marido!Correu a esconder muito depressa o assado dentro do forno, o vinho debaixo do travesseiro, a salada dentro da cama, a broa debaixo da cama e o carvoeiro dentro do armário na sala.Depois abriu a porta ao marido, dizendo:- Graças a Deus que já voltaste! Com um furacão desses, até parece que o mundo vai desabar!O moleiro viu o camponesinho deitado na palha e perguntou:- Que está fazendo esse fulano aí?- Oh, - disse a mulher, - o pobre diabo apareceu aqui em meio dessa tempestade e pediu abrigo; então dei-lhe uma fatia de pão com queijo e mandei que se deitasse aí na palha.- Não tenho nada contra isso; mas traze depressa algo para comer que estou com muita fome; - disse o homem.A mulher respondeu:- Não tenho nada a não ser pão e queijo.- Contento-me com qualquer coisa, - disse o homem; - que seja pão e queijo então.Olhou para o camponesinho e gritou:- O tu, vem fazer-me companhia!O camponesinho não esperou que o dissesse duas vezes; levantou-se e foi comer com ele. Vendo o couro da vaca no chão, no qual estava embrulhado o corvo, perguntou:- Que tens aí?- Aí dentro tenho um adivinho, - respondeu o camponês.- E pode adivinhar também para mim? - perguntou o moleiro.- Por quê não? - disse o camponesinho. - Só que ele diz apenas quatro coisas, a quinta guarda-a para si.O moleiro, cheio de curiosidade, disse:- Manda que adivinhe.O camponesinho, então, apertou a cabeço do corvo que grasnou: Crr, crr.- Que disse ele? - perguntou o moleiro.O camponesinho respondeu:- Primeiro: disse que há vinho debaixo do travesseiro.- Deve ser coisa do Capeta! - exclamou o moleiro; foi ver e achou o vinho.- Continue, - disse ao camponesinho.O camponesinho apertou segunda vez a cabeça do corvo e ele grasnou: Crr, crr.- Segundo: disse que há um assado dentro do forno.- Deve ser coisa do Capeta! - exclamou o moleiro; foi ver e achou a salada.O camponesinho apertou outra vez a cabeça do corvo, estimulando-o a vaticinar e disse:- Terceiro: disse que há salada dentro da cama.- Deve ser coisa do Capeta! - exclamou o moleiro; foi ver e achou a salada.Por fim, o camponesinho apertou mais uma vez a cabeça do corvo fazendo-o resmungar.- Quarto: disse que há broa debaixo da cama.Os dois, então, sentaram-se à mesa para comer. A moleira, que estava suando frio, pegou todas as chaves e foi para a cama. O moleiro estava curioso por saber também a quinta coisa, mas o camponesinho disse:- Antes, porém, vamos comer as quatro primeiras coisas, pois a quinta é um caso complicado.Depois de comer, negociaram entro si a fim de saber quanto o moleiro devia pagar pela quinta adivinhação, e combinaram que pagaria trezentas moedas. Aí o camponesinho apertou com força a cabeça do corvo, fazendo-o berrar. O moleiro perguntou:- Que disse ele?O camponesinho respondeu:- Disse que dentro do armário da sala, está escondido o diabo.O moleiro, então, exclamou:- O diabo tem de ir-se embora daqui.A mulher teve de entregar-lhe a chave; ele abriu a porta e o carvoreiro fugiu o mais depressa possível. Então, o moleiro disse:- Eu vi com meus próprios olhos aquele tipo todo negro; era tudo certo.Na manhã seguinte, era ainda escuro quando o camponesinho tratou de escapulir do minho com as trezentas moedas.Na aldeia, pouco a pouco, o camponesinho foi melhorando de vida; construiu uma bela casinha e os aldeões, intrigados, diziam:- Com certeza ele esteve onde cai neve de ouro, onde as moedas são recolhidas com a pá dentro de casa.Então, foi intimado a comparecer perante o Juiz para dizer de onde lhe vinha toda a riqueza. Ele disse:- Vendi na cidade o couro da minha vaca por trezentas moedas.Ao ouvir isso, os aldeões quiseram, também beneficiar-se com tal lucro; correram para casa, mataram e esfolaram todas as vacas a fim de vender os couros na cidade com aquele lucro. O Juiz, porém, disse:- Em primeiro lugar, irá a minha criada.Quando ela foi à cidade para vender o couro ao negociante, não obteve mais do que três moedas e, quando foram os outros, o negociante pagou-lhes ainda menos, dizendo:- Que vou fazer com todo esse couro?Diante disso, os aldeões ficaram furiosos porque o camponesinho os havia logrado e, para vingar-se dele, denunciaram-no ao Juiz como trapaceiro. O inocente camponesinho foi condenado à morte por unanimidade, devendo ser jogado na água dentro de um barril furado. Aí levaram-no para fora e arranjaram-lhe um padre para que lhe rezasse o ofício dos mortos.Os outros todos tiveram de afastar-se, e quando o camponesinho viu o padre disse-lhe: Vós tendes de praticar uma boa obra e salvar-me agora do barril.Justamente, nesse momento, passava por perto o pastor com um rebanho de ovelhas; o camponesinho, sabendo que de há muito ele sonhava em tornar-se Juiz, gritou com toda a força:- Não, não; isso eu não faço! Mesmo que todo mundo o exigisse, não quero fazer.Ouvindo-o, o pastor aproximou-se e perguntou-lhe:- Que tens? O que é que não queres fazer?O camponesinho respondeu:- Querem fazer-me Juiz se entrar naquele barril, mas eu não quero ser Juiz.O pastor então disse:- É só isso? Para me tornar Juiz entrarei já no barril.O camponesinho disse:- Se entrares, ficarás logo Juiz.O pastor não hesitou, entrou dentro do barril e, bem rapidamente, o camponesinho pregou a tampa; depois foi- se embora conduzindo o rebanho. O padre foi à municipalidade e disse que já havia terminado o ofício fúnebre. Os conselheiros pegaram e rolaram o barril dentro do rio. Quando o barril estava rolando, o pastor ainda gritou:- Estou bem satisfeito de tornar-me Juiz.Os outros, pensando que fosse o camponesinho, disseram:- Assim o cremos nós também, mas antes dá uma espiadinha lá embaixo.E jogaram o barril dentro do rio.Depois os aldeões voltaram para casa e, ao chegarem à aldeia, viram o camponesinho conduzindo tranquilamente o rebando de ovelhas, muito satisfeito. Os aldeões, admirados, disseram:- De onde vens, camponesinho? Vens do fundo do rio?- Naturalmente, - respondeu ele; - eu desci bem, bem, bem no fundo, com um pontapé desmantelei o barril e escapuli; havia lá prados belíssimos com muitas ovelhas pastando; então, trouxe este rebanho comigo.Os aldeões perguntaram:- Há ainda muitos rebanhos lá?- Oh, sim, - respondeu o camponesinho, - mais do que o necessário.Então, os aldeões combinaram ir todos buscar ovelhas, um rebanho para cada um. Mas o Juiz disse:- Eu vou primeiro.Foram todos juntos até ao rio; no céu azul passeavam aquelas nuvenzinhas que, justamente, são chamadas carneirinhos, as quais se refletiam na água, e os aldeões gritaram:- Já vemos daqui os carneiros no fundo do rio.O Juiz adiantou-se e disse:- Eu descerei primeiro para dar uma olhada; se tudo lá estiver bem, vos chamarei.Deu um mergulho e a água fez "plump!." Os outros pensaram que ele havia gritado: Bom! e, todos juntos, se precipitaram dentro do rio, empurrando-se e acotovelando-se.Assim a aldeia ficou despovoada e o camponesinho, único herdeiro geral, tornou-se imensamente rico.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Os dois irmãos

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico era ourives, e malvado até não poder mais. O pobre ganhava a vida fabricando vassouras, e era bom e honesto. O pobre tinha dois filhos, dois gêmeos iguaizinhos como duas gotas d'água. De vez em quando, eles iam até à casa do rico e, às vezes, ganhavam umas sobras de comida.Um dia, o fabricante de vassouras foi até o bosque apanhar uns gravetos de bétula e viu um pássaro todo dourado, mais bonito do que qualquer outra ave que ele jamais tivesse visto. Pegou uma pedra, jogou nele, e atingiu o pássaro, mas de raspão. Uma pena caiu no chão e o animal voou e foi embora. O homem pegou a pena e a levou até o irmão, que olhou para ela e disse: - Mas é ouro puro! E deu muito dinheiro por ela.No dia seguinte, o fabricante de vassouras subiu numa bétula, para arrancar alguns galhos. De repente, viu o mesmo pássaro sair voando da árvore. Olhou em volta e acabou encontrando um ninho com um ovo dentro, um ovo de ouro. Ele pegou o ovo, levou para casa e o mostrou ao irmão, que mais uma vez disse: - É ouro puro! E deu a ele tudo o que o ovo valia. Finalmente, o ourives disse: - Gostaria de ter esse pássaro.Pela terceira vez, o fabricante de vassouras foi até o bosque. Novamente, viu o pássaro dourado, desta vez pousado num galho, e jogou uma pedra nele, que caiu. Levou o pássaro para o irmão, que lhe deu um dinheirão.Agora vou poder dar um jeito em minha vida - pensou o fabricante de vassouras. E foi para casa.Acontece que o ourives era esperto e sabia uma porção de coisas. Sabia que tipo de pássaro era aquele. Chamou a mulher e disse: - Quero que você asse este pássaro com todo cuidado e não deixe se perder nem um pedacinho dele. Quero comer ele todo, sozinho.Fique sabendo que esse pássaro não era como os outros. Tinha uma coisa maravilhosa: quem comesse o coração e o fígado dele passaria a achar, todas as manhãs, uma moeda de ouro debaixo do travesseiro.A mulher limpou o pássaro e o pôs num espeto para assar. Enquanto ele estava assando, ela teve que sair da cozinha por causa de algum outro trabalho, e bem nessa hora os filhos do fabricante de vassouras entraram correndo. Pararam do lado do fogo, rodaram o espeto algumas vezes e, quando dois pedacinhos pequenos caíram na panela, um dos dois meninos disse: - Vamos comer esses pedacinhos? Estou com tanta fome e ninguém vai reparar.E puseram os dois pedacinhos na boca. Quando a mulher voltou, viu que eles tinham comido alguma coisa e perguntou: - O que é que vocês andaram comendo?- Uns pedacinhos que caíram dessa ave - disseram eles.- Eram o coração e o fígado! - gritou a mulher, aflita.Como ela não queria que o marido desse falta e ficasse zangado, rapidamente matou um frango, tirou o coração e o fígado e os pôs dentro do pássaro dourado. Quando a ave ficou pronta, ela a serviu ao ourives, que comeu tudo sozinho. Mas na manhã seguinte, quando ele pôs a mão debaixo do travesseiro, esperando encontrar uma moeda de ouro, não havia nada diferente de todos os outros dias.Os dois meninos nem desconfiavam de sua boa fortuna. Quando se levantaram no dia seguinte, alguma coisa caiu no chão, tilitando. Quando olharam, viram que eram duas moedas de ouro. Mostraram ao pai, que ficou muito espantado: - Que será isso? - perguntou. Mas, no dia seguinte, quando acharam mais duas, e mais duas na outra manhã, e assim por diante, ele resolveu ir procurar o irmão e contar aquele caso estranho.Imediatamente, o ourives descobriu que as crianças tinham comido o fígado e o coração do pássaro dourado. Mas ele era um homem invejoso e sem piedade e, para se vingar, disse ao pai dos meninos: - Seus filhos fizeram um pacto com o diabo. Não fique com esse ouro, nem deixe que ele fique guardado em sua casa, porque o diabo já se apossou de seus filhos e, se você deixar, vai acabar destruindo você também.O pai tinha muito medo do diabo. Por mais que odiasse fazer uma coisa dessas, levou os gêmeos para a floresta e lá, com o coração apertado, largou os dois.As crianças andaram e andaram, procurando o caminho de casa, mas não conseguiram achar. Quanto mais andavam, mais se perdiam. Finalmente, encontraram um caçador, que perguntou: - Quem são vocês? De onde vocês vêm?- Somos os filhos do pobre fabricante de vassouras - responderam.E contaram a ele que o pai não podia mais ficar com eles em casa, porque todas as manhãs apareciam duas moedas de ouro debaixo dos travesseiros deles.- Não há nada de mal nisso - disse o caçador - desde que vocês continuem sendo bons e honestos e não comecem a ficar preguiçosos.O bom homem gostou das crianças. Como não tinha filhos, resolveu tomar conta dos meninos e disse: - Eu vou ser pai de vocês e criá-los.E fez isso mesmo: criou os dois e os ensinou a caçar. Eles continuaram a achar moedas de ouro todas as manhãs, mas o caçador as guardava com cuidado, para o caso de algum dia eles precisarem.Um dia, quando eles já tinham crescido e estavam uns homens feitos, o pai de criação os levou à floresta e disse: - Hoje eu vou testar a perícia de vocês como atiradores. Se passarem no teste, deixarão de ser aprendizes e eu vou declará-los mestres-caçadores.Foram todos para o esconderijo de caça e ficaram um tempão à espera, de tocaia, mas não apareceu nenhum animal. Depois, o caçador viu que vinha no céu um bando de gansos selvagens, voando numa formação em triângulo, e disse a um dos rapazes: - Abata um em cada ponta. O rapaz acertou e passou no teste.Daí a pouco, outro bando veio chegando, desta vez voando na forma do número dois.O caçador disse ao outro irmão que acertasse um ganso em cada canto, e ele também passou no teste. Diante disso, o pai de criação exclamou: - Muito bem! Vocês agora são mestres-caçadores.Então os dois irmãos foram juntos para a floresta, pensaram, conversaram muito e combinaram um plano. De noite, disseram ao pai de criação: - Resolvemos que não vamos tocar em um único bocado da comida enquanto o senhor não nos fizer um favor.- E qual é esse favor? - perguntou ele.- Já aprendemos bem nosso ofício - replicaram. - Agora devemos nos por à prova, nós mesmos. Queremos sair para correr mundo.O velho ficou feliz e respondeu: - Vocês falam como caçadores de verdade. Era isso mesmo o que eu esperava. Podem ir. Tenho certeza de que vão se dar muito bem.E então eles comeram e beberam juntos, muito alegres.Quando chegou o dia em que tinham resolvido partir, o pai de criação deu a cada um uma boa arma e um cachorro, e disse que eles levassem consigo todas as moedas de ouro que quisessem, daquelas que estavam guardadas. Seguiu com eles por uma parte do caminho e, na despedida, deu aos dois uma faca com a lâmina muito brilhante.- Se algum dia vocês se separarem - recomendou -, enfiem esta faca numa árvore na encruzilhada. Dessa maneira, se um de vocês voltar, vai poder saber como está passando o irmão ausente, porque o lado da lâmina que estiver na direção em que ele foi vai enferrujar se ele morrer. Mas, enquanto ele estiver vivo, continuará brilhante.Os dois irmãos continuaram, indo cada vez mais para longe, e chegaram a uma floresta tão grande que não foi possível atravessá-la em um único dia. Pararam para passar a noite e comeram o que tinham em suas sacolas de caça. Depois, caminharam o outro dia inteiro, mas ainda não conseguiram chegar ao fim da floresta. Não tinham mais nada para comer e um dos irmãos disse: - Vamos ter que abater alguma caça ou ficar com fome.Carregou a arma e olhou em volta. Quando uma velha lebre apareceu, ele fez pontaria, mas a lebre gritou: - Bom caçador, deixe eu viver, dou dois pequenos para você.Saiu correndo para dentro de uma moita e voltou com dois filhotes de lebre. As lebrinhas brincavam tão alegres e eram tão engraçadinhas que os caçadores não tiveram coragem de matá-las. Então, resolveram poupá-las e elas começaram a segui-los.Daí a pouco, apareceu uma raposa. Eles iam atirar, mas a raposa gritou: - Bom caçador, deixe eu viver, dou dois pequenos para você.É claro que, em seguida, trouxe duas raposinhas. De novo, os caçadores não tiveram coragem de matá-las e disseram que elas podiam fazer companhia às lebres.Não tinha se passado muito tempo e um lobo saiu do mato. Os caçadores apontaram a arma, mas o lobo gritou: - Bom caçador, deixe eu viver, dou dois pequenos para você.Os caçadores puseram os dois filhotes de lobo com os outros bichos e todos foram andando atrás deles.Depois apareceu um urso, que queria continuar a viver e gritou: - Bom caçador, deixe eu viver, dou dois pequenos para você.Os dois ursinhos foram levados para junto dos outros animais, e agora já eram oito. E quem veio no fim de todos? Apareceu um leão, sacudindo a juba. Mas não assustou os caçadores. Eles fizeram pontaria e, bem como os outros tinham feito, o leão disse: - Bom caçador, deixe eu viver, dou dois pequenos para você.Também trouxe os dois filhotes dele e agora os caçadores tinham dois leões, dois ursos, dois lobos, duas raposas e duas lebres que iam atrás deles e os serviam. Só que isso não matava a fome. Então eles disseram às raposas: - Todo mundo sabe que vocês são espertas e sabidas. Pois então, tratem de nos arranjar comida.Elas responderam: - Perto daqui tem uma aldeia onde já nos servimos de galinhas, uma ou duas vezes. Vamos mostrar o caminho a vocês.Assim, eles foram até a aldeia, compraram alguma coisa para comer, deram comida também aos animais e continuaram a viagem. As raposas conheciam bem a região, porque já tinham andado vigiando todos os galinheiros por ali. Por isso, sempre sabiam mostrar o caminho aos caçadores.Andaram a esmo durante algum tempo, mas os caçadores não conseguiram encontrar nenhum emprego que permitisse que todos ficassem juntos. No fim, disseram: - Não tem jeito. Vamos ter que nos separar.Dividiram os animais, de modo que cada um ficou com um leão, um urso, um lobo, uma raposa e uma lebre. Depois, se despediram, prometeram se amar como bons irmãos até a morte, e enfiaram numa árvore a faca que o pai de criação tinha dado a eles. Depois, um foi para leste, outro foi para oeste.Seguido por seus animais, um dos irmãos chegou a uma cidade que estava cheia de faixas de crepe preto dependuradas por toda parte. Foi até uma estalagem e perguntou onde podia deixar os animais. O estalajadeiro os botou num celeiro que tinha um buraco na parede. A lebre se esgueirou pelo buraco e acabou conseguindo um repolho. A raposa pegou uma galinha e, depois de comer, acabou pegando também um galo. O lobo, o urso e o leão eram grandes demais para passar pelo buraco, por isso o estalajadeiro teve que leva-los até um lugar onde havia uma vaca deitada no pasto, e eles comeram até se fartar. Finalmente, quando todos os animais já estavam alimentados e abrigados, o caçador perguntou ao estalajadeiro porque toda a cidade estava de luto. O estalajadeiro respondeu: - Porque a filha única do nosso rei vai ter que morrer amanhã.- Ela está tão doente assim? - perguntou o caçador.- Não - disse o estalajadeiro. - Ela tem ótima saúde, mas, de qualquer jeito, vai morrer.- Como pode ser uma coisa dessas? - quis saber o caçador.- Não muito longe da cidade, existe uma montanha. Nessa montanha vive um dragão e todos os anos ele precisa ter uma donzela imaculada. Se não, ele devasta todo o país. Todas as donzelas já foram dadas ao dragão, agora só resta a filha do rei. Por isso, filha do rei ou não, ela não pode ser poupada. Amanhã, ela vai ser entregue ao dragão.- Mas por que ninguém mata esse dragão? - perguntou o caçador.- É uma história muito triste - disse o estalajadeiro. - Muitos cavaleiros já tentaram, mas todos perderam a vida. O rei prometeu a mão de sua filha em casamento para quem matar o dragão e, além disso, o reino todo de herança quando o velho rei morrer.O caçador não disse mais nada. Porém, no dia seguinte, saiu com os animais e escalou a montanha do dragão. Lá no alto, havia uma igreja e no altar havia três taças, cheias até a borda, e ao lado havia uma inscrição que dizia: "Quem esvaziar estas taças será o homem mais forte da terra e poderá brandir a espada que está enterrada do lado de fora da porta."O caçador não bebeu. Saiu e achou a espada enterrada, mas não conseguiu arredá-la do lugar. Voltou e esvaziou as taças. Aí ficou bem forte, conseguiu tirar a espada do chão e manejá-la à vontade.Quando chegou a hora de entregar a donzela ao dragão, vieram com ela o rei, o marechal e toda a corte. De longe, ela avistou o caçador na montanha do dragão e achou que era o dragão esperando por ela. Não queria subir, mas isso ia ser a desgraça de toda a cidade. Finalmente, ela acabou se conformando e começando sua amarga subida. Chorando, o rei e os cortesãos voltaram para casa, mas o marechal ficou, pois tinha instruções de acompanhar tudo à distância.No momento em que a filha do rei alcançou o alto da montanha, viu que quem estava lá esperando por ela não era o dragão, mas o jovem caçador, que a consolou e prometeu salvá-la.Para começar, ele a levou para a igreja e a trancou lá dentro. Daí a pouco, o dragão de sete cabeças arremeteu com um poderoso rugido. Quando viu o caçador, ficou surpreso e perguntou: - O que é que você está fazendo na minha colina? O caçador respondeu: - Vim para combater você. O dragão disse:- Alguns cavaleiros já morreram aqui em cima, e num instante eu vou dar cabo de você também.Dizendo isso, cuspiu chamas pelas suas setes goelas. A idéia dele era incendiar o capim seco por ali, de modo que o caçador morresse sufocado no calor e na fumaça, mas os animais vieram correndo e pisotearam o fogo até apagar.Em seguida, o dragão atacou, mas o caçador brandiu a espada com tanta agilidade e rapidez que ela cantou no ar e cortou três cabeças do monstro.Aí o dragão ficou zangado de verdade. Levantou-se no ar, lançando chamas ferozes, e se abateu sobre o caçador bem no instante em que ele brandiu outra vez a espada e cortou mais três cabeças. O dragão caiu no chão. Mas, apesar de toda a fraqueza que sentia, atacou de novo. Reunindo suas últimas forças, o caçador conseguiu cortar fora a cauda do monstro, mas depois disso não podia lutar mais. Então, chamou os animais, que fizeram o dragão em pedaços.Depois que a batalha terminou, o caçador abriu a porta da igreja. A filha do rei jazia no chão, porque tinha desmaiado de medo durante a luta. Ele a levou para fora e, quando ela voltou a si e abriu os olhos, ele mostrou a ela os pedaços do dragão e lhe disse que estava salva. Ela ficou muito feliz e disse: - Então você vai ser meu marido muito querido, porque meu pai prometeu minha mão ao homem que matasse o dragão.Para recompensar os animais, ela tirou do pescoço o colar de coral e o dividiu entre eles. O leão ficou com o fecho de ouro. Ao caçador, ela deu um lenço, com o nome dela bordado. O caçador cortou as sete línguas do dragão, enrolou-as no lenço e as guardou com cuidado.Depois disso, como ele estava exausto do incêndio e da luta, disse à filha do rei: - Nós dois estamos caindo de cansaço. Vamos dormir um pouco. Ela concordou, eles se deitaram no chão e o caçador disse ao leão: - Fique de guarda. Não deixe ninguém nos atacar enquanto estivermos dormindo.E os dois adormeceram. O leão deitou ao lado deles para montar guarda, mas, como também estava muito cansado da luta, chamou o urso e disse: - Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde.O urso deitou ao lado dele, mas também estava muito cansado. Por isso, chamou o lobo e disse: - Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde.O lobo deitou ao lado dele, mas também estava muito cansado. Por isso, chamou a raposa e disse: - Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde.A raposa deitou ao lado dele, mas também estava muito cansada. Por isso, chamou a lebre e disse: - Deite ao meu lado. Preciso dormir um pouco. Se acontecer alguma coisa, me acorde.A lebre se sentou ao lado dela, mas, coitadinha, também estava muito cansada e não tinha ninguém para quem pudesse passar adiante a guarda. Mas, mesmo assim, acabou dormindo também. E foi assim que, em pouco tempo, o caçador, a filha do rei, o leão, o urso, o lobo, a raposa e a lebre, todos estavam dormindo a sono solto.Quando o marechal, que fora instruído para acompanhar tudo à distância, não viu o dragão sair voando com a filha do rei e achou que tudo estava tranquilo na montanha, tomou coragem e foi até lá. Então viu o dragão estraçalhado e, ali por perto, a filha do rei e um caçador com todos os seus animais, todos dormindo profundamente. Como ele era um homem mau e ímpio, tirou a espada, cortou fora a cabeça do caçador, pegou a filha do rei no colo e desceu a montanha com ela. Quando chegaram lá embaixo, ela acordou sobressaltada e o marechal disse: - Você está em meu poder. Tem que dizer que fui eu quem matou o dragão.- Não posso dizer uma coisa dessas - respondeu ela. - Foi um caçador com seus animais.Ouvindo isso, ele puxou a espada e ameaçou matá-la se ela não prometesse confirmar a história dele. Depois, a levou até o rei, que achava que o dragão tinha despedaçado sua filha adorada e não coube em si de alegria ao vê-la viva.O marechal disse: - Matei o dragão, salvei sua filha e todo o reino. Agora ela tem que casar comigo, como o senhor prometeu.O rei perguntou à filha: - É verdade?- É - disse ela deve ser... Mas o casamento não pode ser celebrado antes de um ano e um dia.Sabe, ela achava que durante esse tempo devia ter alguma notícia de seu amado caçador.Na montanha do dragão, os animais ainda estavam dormindo ao lado do corpo do seu dono morto. Aí veio uma abelha e pousou no focinho da lebre, mas a lebre a espantou com a pata e continuou dormindo. Ela veio outra vez, e mais uma vez a lebre a espantou e continuou a dormir. Mas quando a abelha veio pela terceira vez e picou o focinho da lebre, ela acordou. E no instante que a lebre acordou, acordou a raposa, e a raposa acordou o lobo, e o lobo acordou o urso, e o urso acordou o leão. E quando o leão acordou e viu que a filha do rei tinha sumido e seu dono estava morto, deu um rugido que parecia um trovão e perguntou: - Quem fez isto? Urso, por que você não me acordou? O urso perguntou ao lobo: - Por que você não me acordou? O lobo perguntou à raposa: - Por que você não me acordou? A raposa perguntou à lebre: - Por que você não me acordou?E como a coitadinha da lebre não podia jogar a culpa em cima de ninguém, ficou sendo a única culpada. Iam todos avançar em cima dela, mas ela pediu: - Não me matem. Eu posso devolver a vida ao nosso dono. Sei de uma montanha onde cresce uma raiz e, se a gente puser essa raiz na boca de um ferido, ele fica inteiramente curado de qualquer doença ou ferimento. Mas essa montanha fica a duzentas horas daqui.O leão disse: - Você tem vinte e quatro horas para ir e voltar com essa tal raiz.A lebre saiu à toda, feito uma flecha, e em vinte e quatro horas estava de volta com a raiz. O leão pôs a cabeça do caçador no lugar, a lebre pôs a raiz na boca do morto e no mesmo instante as partes se costuraram e ficaram juntas outra vez, o coração começou a bater e a vida voltou.Quando o caçador acordou, ficou tristíssimo de ver que a donzela tinha ido embora.- Na certa ela quis se livrar de mim - disse ele. - Aproveitou que eu estava dormindo e foi embora.O leão tinha estado com tanta pressa na hora de consertar o dono, que pôs a cabeça dele ao contrário, de trás para frente. Mas o caçador estava tão ocupado com seus pensamentos tristes sobre a filha do rei, que nem reparou. Lá pelo meio-dia, quando ele foi comer, notou que a cabeça estava de frente para a direção errada. Ficou muito intrigado com isso e perguntou aos animais o que é que tinha acontecido enquanto ele estava dormindo. Então o leão contou a ele que todos estavam tão cansados que acabaram dormindo e que, quando acordaram, descobriram que ele estava morto, com a cabeça cortada, e que a lebre tinha ido buscar a raiz da vida e que ele, leão, tinha colado a cabeça na posição errada porque estava com pressa demais, mas agora ia corrigir o erro. Assim, ele arrancou a cabeça do caçador outra vez, virou-a direito, e a lebre colou e tratou da ferida com a raiz.A partir desse dia, o caçador, sempre muito triste, passou a andar de um lado para o outro com seus animais, fazendo-os dançar para as pessoas. Quando tinha passado exatamente um ano, ele chegou à mesma cidade onde tinha salvo do dragão a filha do rei. Desta vez, o lugar estava todo enfeitado com faixas vermelhas.- Que quer dizer isso? - perguntou ao estalajadeiro. Há um ano, a cidade estava toda pendurada com faixas de luto. Agora, está toda de vermelho. Por quê?O estalajadeiro replicou: - Há um ano, a filha de nosso rei ia ser entregue ao dragão, mas nosso marechal lutou com o dragão e o matou, e amanhã eles se casam. Por isso é que a cidade estava de preto, de luto, e agora está de vermelho, de alegria.Ao meio-dia do dia do casamento, o caçador disse ao estalajadeiro: - O senhor acredita que eu vou comer pão da mesa do rei, bem aqui na sua casa, antes que o dia termine?O estalajadeiro respondeu: - Aposto cem moedas de ouro como não vai.O caçador topou a aposta e pôs em cima da mesa uma bolsa que tinha exatamente as cem moedas de ouro. Depois, chamou a lebre e disse: - Minha querida Pé-Leve, traga-me um pouco do pão que o rei come.A lebre era o menor dos animais, não podia passar a ordem adiante para nenhum outro, e disse para si mesma: - Se eu for correndo pelas ruas sozinha, todos os cachorros carniceiros vão sair me perseguindo.E foi isso mesmo: os cachorros foram correndo atrás dela, com evidentes intenções de encher sua pele de buracos. Mas ela deu um pulo assim - você não viu? - e se meteu dentro da guarita do sentinela. O soldado nem viu que ela estava lá.Os cachorros chegaram e tentaram tirá-la dali, mas o soldado não gostou nada daquilo e saiu atrás deles batendo com a coronha da espingarda até que eles fugiram uivando e latindo. Quando a lebre viu que o caminho estava livre, correu para dentro do palácio, foi direto aonde estava a filha do rei, sentou debaixo da cadeira e começou a coçar o pé dela.A moça achou que era seu cachorro e disse: - Passa fora! A lebre coçou o pé dela mais uma vez e de novo ela disse: - Passa fora!Mas a lebre não desanimou. Quando coçou o pé da filha do rei pela terceira vez, a moça olhou para baixo e a reconheceu pelo coral no pescoço. Pegou o bichinho no colo, levou-o até seu quarto e disse: - Minha lebre querida, que é que eu posso fazer por você? Ela respondeu: Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pão, dos que o rei come.Quando ouviu isso, a moça ficou contentíssima. Chamou o padeiro e mandou que ele lhe trouxesse um pão, dos que o rei comia.- Mas - disse a lebre - o padeiro precisa também entregar o pão, em meu lugar. Se não, os cachorros carniceiros acabam comigo.O padeiro levou o pão até a porta da estalagem.Lá chegando, a lebre ficou de pé em suas patas traseiras, pegou o pão nas patas da frente e o levou ao seu dono. Então o caçador disse ao estalajadeiro: - Como vê, as cem moedas de ouro são minhas. O estalajadeiro ficou muito espantado, mas o caçador continuou: - Sim, senhor! Tenho pão, mas agora quero um pouco da carne que o rei come. O estalajadeiro disse: - Eis uma coisa que eu queria ver... Mas dessa vez não propôs nenhuma aposta. O caçador chamou a raposa e disse: - Raposinha, traga-me um pouco da carne assada que o rei come.A raposa sabia todos os truques, esgueirou-se ao longo de muros, passou por buracos de cercas, os cachorros nem a viram. Quando chegou ao palácio, sentou-se embaixo da cadeira da filha do rei e coçou o pé dela. A moça olhou, reconheceu a raposa por causa do coral no pescoço, e disse: - Minha raposa querida, que é que eu posso fazer por você? Ela respondeu: - Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco da carne assada que o rei come.Então a moça mandou chamar o cozinheiro e disse que ele preparasse um assado como o rei comia e o levasse até a porta da estalagem. Depois, a raposa pegou a bandeja, abanou bem a cauda para espantar as moscas que vinham atrás do assado, e o levou até seu dono.Aí, o caçador disse ao estalajadeiro: - Como vê, senhor, tenho o pão e tenho a carne, mas agora quero a guarnição do prato, bem como o rei come.Chamou o lobo e disse: - Caro lobo, traga-me um pouco da guarnição que acompanha esse assado que o rei come.O lobo foi direto ao palácio, porque não tinha medo de ninguém. Quando chegou junto da filha do rei, deu um puxão no vestido dela, pelas costas. Ela teve que se virar e olhar para ele, e logo o reconheceu, por causa do coral no pescoço. Levou-o até seu quarto e perguntou: - Meu lobo querido, que é que eu posso fazer por você? O lobo respondeu:- Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco da guarnição que acompanha o assado, bem como o rei come.Então a moça mandou chamar o cozinheiro, que teve que preparar a guarnição, bem como o rei comia, e levar até a porta da estalagem, onde o lobo tirou a travessa da mão dele e a levou a seu dono.Aí, o caçador disse ao estalajadeiro: - Como vê, agora eu tenho pão, carne e acompanhamento, mas também quero uma sobremesa, das que o rei come.Chamou o urso e disse: - Caro urso, você gosta de doces. Traga-me um pouco da sobremesa que o rei come.O urso saiu trotando para o palácio e todo mundo saía da frente dele. Mas quando chegou ao portão, os sentinelas o ameaçaram com seus mosquetes e não queriam deixar que ele passasse. Ele ficou de pé nas patas traseiras e bateu nas orelhas deles com as patas, para a direita e para a esquerda, e todos os sentinelas caíram. Então ele foi direto para onde estava a filha do rei, ficou bem atrás dela e deu uma rosadinha suave. Ela olhou para trás, reconheceu o urso, pediu-lhe que a seguisse até seu quarto e disse: - Meu urso querido, que é que eu posso fazer por você? Ele respondeu: - Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco da sobremesa que o rei come.Ela mandou chamar o confeiteiro e ordenou que ele preparasse uns doces como o rei comia de sobremesa e levasse até a porta. Primeiro, o urso lambeu umas ameixas açucaradas que enfeitavam os doces e tinham rolado de cima deles, depois se levantou nas patas de trás, pegou a travessa e a levou até o dono.O caçador então disse ao estalajadeiro: - Como vê, agora tenho pão, carne, acompanhamentos e sobremesa, mas ainda quero um pouco de vinho que o rei toma.Chamou o leão e disse: - Caro leão, você gosta de beber de vez em quando. Traga-me então um pouco de vinho, do que o rei toma.O leão saiu passando pela rua e as pessoas correram para tudo quanto era lado.Quando chegou ao palácio, os guardas tentaram lhe barrar a entrada, mas ele deu um rugido e eles saíram correndo. Aí ele foi até os aposentos reais e bateu na porta com o rabo. A filha do rei abriu e levou um susto quando viu o leão, mas logo o reconheceu pelo fecho de ouro de seu colar de coral. Pediu que ele fosse com ela até o quarto e perguntou: - Meu leão querido, que é que eu posso fazer por você? Ele respondeu: - Meu dono, que matou o dragão, está aqui. Mandou que eu lhe pedisse um pouco do vinho que o rei toma.Então ela mandou chamar o encarregado da adega e lhe ordenou que desse ao leão um pouco do vinho que o rei tomava. Mas o leão disse: - É melhor eu ir junto, para ter a certeza de que ele está pegando o vinho certo.Foi com o encarregado até a adega e, quando chegaram lá, o funcionário queria pegar um pouco de vinho comum, do que os criados tomavam, mas o leão disse: - Espere aí! Vou provar esse vinho. O encarregado deu meio litro ao leão e ele bebeu tudo de um gole. Depois disse: - Não. Este não é o vinho certo.O encarregado da adega olhou para ele espantado e foi então até outro barril, que tinha o vinho reservado para o marechal do rei. O leão disse: - Primeiro, vou provar esse vinho. Tirou meio litro, bebeu e disse: - Este é melhor, mas ainda não é o vinho certo. Isso deixou o encarregado da adega furioso. Tão furioso que disse: - Como é que um animal estúpido desses pode querer entender alguma coisa de vinho!O leão deu uma patada tão forte atrás da orelha dele, que ele caiu sentado no chão, fazendo um barulhão. Quando se levantou, não disse nada, mas levou o leão até uma pequena adega separada, onde se guardava o vinho especial do rei, que ninguém jamais tocava. O leão tirou meio litro e provou. Depois, disse: - Ah, este sim pode ser o vinho certo.Então, disse ao encarregado da adega que enchesse meia dúzia de garrafas, e depois subiram novamente as escadas. Quando chegaram lá fora, o leão estava ligeiramente alegre, e balançava de um lado para outro. O encarregado da adega teve que carregar o vinho até a porta, onde o leão segurou a alça da cesta nos dentes e levou o vinho até seu dono.O caçador disse então ao estalajadeiro: - Como vê, agora tenho pão, carne, acompanhamentos, sobremesa e vinho, como o rei, e agora vou jantar com meus animais.Sentou-se, comeu e bebeu, dividindo a comida e a bebida com a lebre, a raposa, o lobo, o urso e o leão. Estava feliz, porque via que a filha do rei ainda o amava. Quando acabou a refeição, disse para o estalajadeiro: - Como vê, senhor, comi e bebi como o rei come e bebe. Agora, vou até o palácio do rei casar com a filha dele.O estalajadeiro se espantou: - Como é que pode? Ela está noiva, vai se casar hoje mesmo.O caçador tirou do bolso o lenço que a filha do rei tinha dado a ele lá na montanha do dragão, e as sete línguas do monstro ainda estavam embrulhadas nele.- Vou conseguir isso - disse ele - com a ajuda do que tenho aqui na mão. O estalajadeiro olhou para o lenço e duvidou: - Estou disposto a acreditar em qualquer coisa, menos nisso. Aposto a minha estalagem.O caçador tirou da cintura uma bolsinha com mil moedas de ouro, colocou-a sobre a mesa e disse: - Aposto isto aqui contra a sua estalagem. Enquanto isso, o rei e sua filha estavam sentados à mesa real.- O que é que todos aqueles animais que ficaram entrando e saindo do palácio queriam com você? - perguntou ele.Ela respondeu: - Estou proibida de dizer, mas o senhor faria muito bem se mandasse buscar o dono desses animais.O rei mandou um criado ir até a estalagem convidar o estranho para vir até o palácio. O criado chegou assim que o caçador tinha acabado de fazer sua aposta com o estalajadeiro.O caçador disse ao estalajadeiro: - Como vê, o rei mandou seu criado me buscar, mas eu não vou assim. E respondeu ao criado: - Por gentileza, peça ao rei que me mande trajes reais e uma carruagem com seis cavalos e criados que me sirvam.Quando o rei ouviu a resposta, perguntou à filha: - Que é que eu faço agora?- O senhor faria bem se mandasse buscá-lo, como ele diz respondeu.Então o rei mandou os trajes reais, a carruagem com seis cavalos e criados para servilo. Quando o caçador os viu chegar, disse ao estalajadeiro: - Como vê, mandaram me buscar, como eu pedi.Vestiu os trajes reais, apanhou o lenço com as línguas do dragão e foi para o palácio. Quando o rei o viu chegar, perguntou à filha: - Como devo recebê-lo?- O senhor faria bem se andasse ao seu encontro - respondeu ela.O rei se adiantou, foi ao encontro do caçador e o convidou a entrar. Os animais foram atrás. O rei mandou que ele se sentasse a seu lado, perto de sua filha. Do outro lado estava sentado o marechal, porque era o noivo, mas não reconheceu o caçador. Então trouxeram as sete cabeças do dragão para mostrar a todos, e o rei disse: - O marechal cortou estas sete cabeças do dragão. Portanto, estou dando a ele a mão de minha filha em casamento.Ouvindo isso, o caçador se levantou, abriu as sete bocas e perguntou: - O que aconteceu com as sete línguas do dragão?O marechal ficou pálido de susto e não conseguia pensar em nenhuma resposta para dar. Finalmente, aterrorizado, acabou dizendo: - Dragões não têm línguas. O caçador disse: - Seria muito melhor se quem não tivesse língua fossem os mentirosos. As línguas de um dragão são a presa do matador do dragão.Abriu o lenço e lá estavam, as sete. Aí ele pôs cada uma das línguas na boca em que ela se encaixava, e todas se ajustaram perfeitamente. Depois, ele pegou o lenço que tinha o nome da filha do rei bordado, mostrou a ela e lhe perguntou a quem ela o tinha dado.Ela respondeu: - Ao homem que matou o dragão.Em seguida, ele chamou os animais, pegou os cordões de coral e o fecho de ouro do leão, mostrou tudo à filha do rei e lhe perguntou a quem pertenciam. Ela respondeu: - O colar e o fecho de ouro eram meus. Eu os dividi entre os animais que ajudaram a matar o dragão.- Quando eu estava exausto e me deitei para descansar depois do combate, o marechal veio e cortou minha cabeça enquanto eu dormia. Depois, carregou a filha do rei e disse que quem tinha matado o dragão era ele: Isso é mentira, como eu já provei, com as línguas, o lenço e o colar.Em seguida, contou sua história. Contou como os animais o tinham salvo com uma raiz milagrosa, como ele tinha andado a esmo durante um ano até voltar à mesma cidade e como, então, tinha ficado sabendo pelo estalajadeiro que o marechal estava enganando todo mundo. O rei então perguntou à filha: - É verdade que quem matou o dragão foi este jovem?- É, sim - respondeu ela. - Agora posso falar sobre o crime do marechal, pois todos ficaram sabendo sem que eu dissesse nada. Ele me tinha feito prometer guardar segredo. Por isso é que eu insisti para que o casamento não se celebrasse antes de um ano e um dia.O rei mandou reunir seus doze conselheiros e lhes pediu que julgassem o marechal. A sentença o condenou a ser esquartejado por quatro bois. Dessa forma, o marechal foi executado e o rei deu a mão da filha ao caçador, que também foi nomeado regente de todo o reino. O casamento foi celebrado com muitos festejos e o jovem rei mandou chamar o pai verdadeiro e o pai adotivo e os cobriu de presentes. Também não se esqueceu do estalajadeiro, mas mandou buscá-lo e disse: - Como vê, senhor, casei-me com a filha do rei. Agora, sua estalagem é minha.- De direito, é mesmo - concordou o estalajadeiro.Mas o jovem rei disse: - A misericórdia é mais importante que o direito. Pode ficar com sua estalagem. E também vou lhe dar as mil moedas de ouro, de presente.Aí tudo ficou bem com o jovem rei e a jovem rainha, que viveram felizes juntos. Ele ia sempre caçar, porque gostava muito, e seus fiéis animais sempre iam com ele.Ora, acontece que havia uma floresta, não muito distante do palácio, que tinha fama de ser encantada. O que se contava é que quem entrava lá custava muito a sair. Mas o jovem rei queria muito ir caçar lá, e não deixou o velho rei em paz enquanto não obteve a permissão para ir. E então, partiu, com um grande séquito.Quando chegou à floresta, viu uma corça branca e disse a seus homens: - Fiquem aqui até que eu volte. Vou caçar aquela bela corça.Entrou na floresta e apenas seus animais o seguiram. Os homens esperaram até cair a noite. Como ele não voltava, eles foram para casa e disseram à jovem rainha: - O jovem rei foi perseguir uma corça branca na floresta encantada e não voltou mais.Quando ela ouviu isso, ficou muito preocupada. Enquanto isso, ele perseguia a corça branca, mas não conseguia alcançá-la. Ela parecia estar ao alcance de um tiro às vezes, mas quando ele fazia pontaria e ia atirar, de repente a via dando saltos mais adiante, cada vez mais distante, até que acabou por desaparecer por completo.Vendo que estava na floresta profunda, muito longe, ele pegou sua trompa de caça e tocou. Mas não houve resposta, pois seus homens não o ouviram. Quando caiu a noite, ele compreendeu que não ia poder voltar naquele dia. Então, apeou do cavalo, acendeu uma fogueira debaixo de uma árvore e se preparou para passar a noite.Quando estava sentado com os animais à beira do fogo, achou que ouviu de repente uma voz humana. Procurou, mas não conseguiu ver nada. Depois, ouviu um gemido que parecia vir do alto. Olhou e viu uma velha sentada na árvore: - Ai, ai! - chorava ela. - Estou com tanto frio!- Pois desça e venha se esquentar - chamou ele.- Não - disse ela. - Seus animais iam me morder.- Não se preocupe, vovó - disse ele. - Eles são mansos, não vão lhe fazer nada, pode descer.Mas a velha era uma bruxa e disse: - Vou quebrar uma varinha e jogar aí embaixo. Bata nas costas deles, que assim não me machucam.Ela jogou a varinha e ele bateu nos animais que, num instante, ficaram imóveis, transformados em pedra. Sem os animais para atrapalhar, ela num instante pulou lá de cima e tocou também o caçador com a varinha. No mesmo momento, ele virou pedra. Aí, dando uma gargalhada horrível, ela o arrastou, e aos animais, para um barranco onde já havia uma porção daquelas pedras.Quando o jovem rei não voltou, a preocupação e o medo da jovem rainha foram ficando cada vez maiores. Ora, acontece que, nessa mesma ocasião, o outro irmão, que tinha ido para o leste quando se separaram, estava chegando a esse reino. Depois de procurar emprego sem encontrar, resolveu ir de vila em vila com os animais, que dançavam para distrair as pessoas. Depois de algum tempo, ele se lembrou da faca que eles tinham enfiado no tronco da árvore quando se separaram, e resolveu ir até lá para saber como estava o irmão. Quando chegou lá, viu que o lado da lâmina que correspondia ao irmão estava metade enferrujado e metade brilhante.Isso é mau - pensou -, algo deve ter acontecido a meu irmão, mas talvez eu ainda possa salvá-lo, porque metade da lâmina está brilhante.Saiu caminhando para oeste com os animais e, quando chegou aos portões da cidade, um sentinela veio lhe perguntar se queria que mandasse anunciar sua chegada para a jovem rainha, sua esposa, porque ela estava muito preocupada, com medo de que ele tivesse morrido na floresta encantada. É que o jovem rei e o irmão eram tão parecidos que o sentinela os confundiu, ainda mais porque o irmão também tinha aquele bando de animais selvagens que o seguiam. Ele entendeu o erro do sentinela e pensou: é melhor eu fazer de conta que sou ele, assim fica mais fácil salvá-lo.Por isso, deixou que o sentinela o levasse ao palácio, onde foi recebido com muita alegria. Sua jovem esposa também achou que era o marido dela e perguntou porque ele tinha demorado tanto.- Eu me perdi na floresta e não consegui achar o caminho - respondeu ele.De noite, ele foi levado ao leito real, mas colocou uma espada de dois gumes entre ele e a jovem rainha. Ela não sabia porque, mas ficou com medo de perguntar.E assim se passaram alguns dias, em que ele tentou descobrir tudo o que podia sobre a floresta encantada. Depois disse: - Vou lá caçar novamente.O rei e a jovem rainha tentaram dissuadi-lo, mas ele insistiu e partiu com um grande séquito. Quando chegou à floresta, aconteceu com ele a mesma coisa que tinha acontecido ao irmão. Viu uma corça branca e disse a seus homens: - Fiquem aqui até eu voltar. Vou caçar essa bela corça branca. Cavalgou para dentro da floresta, seguido pelos animais.Mas não conseguiu alcançar a corça e acabou se embrenhando tão profundamente na mata que teve que passar a noite lá. Depois que acendeu a fogueira, ouviu alguém gemendo no alto: - Ai, ai! Estou com tanto frio! Ele olhou para cima, viu a bruxa na árvore e disse: - Pois desça e venha se esquentar!- Não - disse ela. - Seus animais iam me morder. Ele então respondeu: - Não se preocupe, vovó. Eles são mansos, não vão lhe fazer nada, pode descer. Então ela disse: - Vou quebrar uma varinha e jogar aí embaixo. Bata nas costas deles, que assim não me machucam.Quando ouviu isso, o caçador desconfiou da velha: - Não vou bater nos meus animais. Desça logo ou eu subo aí e pego você - disse ele.- Não me faça rir - respondeu a velha. - Você não pode me fazer nada.Ele então ameaçou: - Se você não descer, eu lhe dou um tiro. - Pois pode dar - desafiou ela. - Não tenho medo nenhum das suas balas.Ele mirou e atirou, mas a bruxa era à prova de balas. Ficou dando gargalhadas e gritando: - Você não vai conseguir me acertar!Mas o caçador era muito esperto. Arrancou três botões de prata do paletó e carregou a arma com eles, porque contra a prata não havia poder mágico. No momento em que ele puxou o gatilho, ela despencou aos berros. Ele pôs o pé em cima dela e disse: - Sua bruxa velha, se você não me disser imediatamente onde está o meu irmão, eu lhe pego com as duas mãos e jogo você no fogo, já, já!Ela ficou com tanto medo que pediu clemência e disse: - Ele e os animais estão caídos naquele barranco, viraram pedra. Ele fez a velha levá-lo até o lugar e a ameaçou: - Sua macaca velha! Devolve a vida imediatamente a meu irmão e a todas as criaturas que estão aí, ou então vai para o fogo!Ela pegou uma varinha e tocou as pedras. O irmão e os animais voltaram à vida. E muitos outros homens também, mercadores, artesãos, pastores. Todos se levantaram, agradeceram ao caçador por libertá-los e foram para casa. Os gêmeos se abraçaram e se beijaram, contentíssimos por se encontrarem novamente. Agarraram e amarraram a bruxa e a jogaram na fogueira. Quando ela acabou de queimar, a floresta se abriu sozinha e deu para ver o palácio real à distância, a mais ou menos quatro ou cinco milhas dali.Os dois irmãos voltaram juntos e, pelo caminho, foram contando o que tinha acontecido com cada um. Quando o mais jovem disse que era regente de todo o país, o outro disse: - Eu descobri, porque, quando eu cheguei ao palácio e me confundiram com você, me deram honras reais. A jovem rainha achou que eu era o marido dela, e tive que sentar ao lado dela na mesa e dormir na sua cama.Quando o jovem rei ouviu isso, ficou tão zangado e com tanto ciúme que puxou a espada e cortou fora a cabeça do irmão. Mas quando viu que ele estava caído, morto, e viu o sangue vermelho escorrendo, ficou transtornado de tristeza.- Meu irmão me salvou - gritava -, e foi assim que eu agradeci!Chorou e se lamentou, mas depois sua lebre se aproximou e se ofereceu para ir buscar um pouco da raiz da vida. Saiu a toda velocidade e chegou de volta em tempo. Deu para ressuscitar o irmão morto, e ele nem percebeu a cicatriz.Depois, continuaram andando e o irmão mais moço disse: - Você se parece comigo, está usando roupas reais, como eu, e os animais seguem você como me seguem. Vamos entrar por dois portões opostos e aparecer ao mesmo tempo diante do velho rei, vindo de direções diversas.Assim, eles se separaram e depois, dois sentinelas, um de cada portão, chegaram ao mesmo momento junto do velho rei para anunciar que o jovem rei e seus animais estavam voltando da caçada. O velho rei disse: - Impossível. Os dois portões ficam longe um do outro, é uma caminhada de uma hora.Mas nesse instante os dois irmãos entraram no pátio, vindos de duas direções opostas, e ambos subiram as escadas ao mesmo tempo. O rei disse à filha: - Diga-me qual dos dois é seu marido. São tão iguais que não sei.Ela não conseguia descobrir e estava muito espantada, mas depois se lembrou do colar que tinha dado aos animais. Olhou bem para eles e descobriu o fecho de ouro em um dos leões.- O meu marido é aquele que este leão seguir - disse, toda contente. O jovem rei riu e disse: - É, está certo.Sentaram-se juntos à mesa, comeram, beberam e se divertiram. Nessa noite, quando o jovem rei foi para a cama, a esposa perguntou: - Por que foi que você botou uma espada de dois fios na cama nestas últimas noites? Pensei que você ia me matar...Aí ele ficou sabendo como seu irmão lhe tinha sido fiel.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Frederico e Catarina

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um moço que se chamava Frederico e uma moça que se chamava Catarina; tinham-se casado e viviam a vidoca dos recém-casados. Um dia, disse Frederico;- Vou ao campo, querida Catarina, e, quando eu voltar, quero encontrar qualquer coisa bem quentinha em cima da mesa, para matar a fome; e cerveja bem fresquinha para matar a sede.- Está bem, querido Frederico, - respondeu a mulher; - podes ir sossegado, que arranjarei tudo direitinho.Ao se aproximar u hora do almoço, ela tirou uma salsicha do fumeiro, colocou-a nu frigideira, com manteiga, e levou-a ao fogo. Nilo demorou multo a salsicha começou a fritar fazendo espirrar gordura por todos os lados; enquanto isso, Catarina segurava o cabo da frigideira, muito pensativa. De repente, lembrou-se: "Enquanto a salsicha vai fritando, poderias ir buscar a cerveja na adega." Então arrumou direito a frigideira, pegou uma jarra e desceu à adega para tirar cerveja. Abriu a torneira, a cerveja começou a jorrar para a jarra e ela olhava pensativa; mas lembrou-se: "Oh, e se o cachorro na minha ausência entra na cozinha e rouba-me a salsicha da frigideira? Era só o que faltava!" Largou a jarra e disparou para a cozinha.Mas chegou tarde demais, o velhaco já estava com a salsicha na boca e ia arrastando-a para fora. Catarina saiu correndo atrás dele pelo meio do campo, mas o animal era mais esperto e mais ligeiro das pernas do que ela; não largou a salsicha e meteu-se no meio do mato.- Pois que vá! - exclamou Catarina voltando pelo caminho, cansada e afogueada de tanto correr. Assim, muito calmamente entrou em casa enxugando o suor do rosto.Enquanto isso, a cerveja ficou escorrendo do barril, porque ela se tinha esquecido de fechar a torneira. Enchendo a jarra, a cerveja passou a escorrer pelo chão, espalhando-se pela adega inteira. Quando chegou no alto da escada que ia dar à adega, Catarina viu aquele desastre e exclamou:- Deus meu! Que hei de fazer agora para que Frederico não veja esse estrago?Depois de refletir um pouco, lembrou-se de que ainda sobrara da última quermesse um saco de farinha de trigo. Foi buscá-lo no canto onde estava e espalhou-o por cima da cerveja esparramada.- Muito bem, - disse ela - quem sabe guardar sempre encontra no momento preciso. Mas, arrastando o saco com muita pressa, esbarrou desastradamente na jarra cheia, entornando-a, e a cerveja ajudou, também a lavar a adega.- Bem, - disse ela, - aonde vai um deve ir o outro também.E espalhou bem a farinha por toda a adega; depois disse, muito satisfeita com o trabalho:- Agora sim! Vejam como está tudo limpo e bonito!À hora do almoço, Frederico voltou para casa.- Então, mulher, que me preparaste de bom?- Ah, querido Fred! - respondeu ela, - eu quis fritar uma salsicha para ti, mas, enquanto fui buscar a cerveja na adega, o cachorro roubou a salsicha; enquanto fui correndo atrás do cachorro, a cerveja derramou-se, espalhando-se pela adega. Quando fui enxugar a cerveja com a farinha, entornei a jarra. Mas não te aborreças, a adega está toda limpinha e brilhante outra vez!- Ah, Catarina, - disse Fred. - Não devias ter feito isso. Deixas roubar a salsicha, esvazias a cerveja e ainda por cima espalhas, perdendo, toda a nossa melhor farinha!- É, Fred, eu não sabia, devias ter-me dito.O marido, então, se pôs a pensar: "Com uma mulher assim, é preciso precaver-se!" Ele tinha justamente economizado uma regular soma de moedas de prata; trocou- as em moedas de ouro e disse a Catarina:- Olha aqui, mulher, são tremoços loirinhos. Vou guardar dentro deste pote e enterrar no estábulo, sob a manjedoura da vaca. Mas não te metas com ele, pois do contrário te arrependerás.- Não, Fred, - disse ela, - não o farei, com toda a certeza.Mas assim que Fred saiu, chegaram à aldeia alguns vendedores ambulantes, levando potes e vasilhas de barro para vender. Chegando à casa de Catarina, perguntaram se desejava comprar alguma coisa.- Ah, boa gente, - disse ela, - não posso comprar nada. Dinheiro não tenho, só se quiserem tremoços bem loirinhos.- Tremoços loirinhos? Por quê não? Deixa-nos ver.- Ide procurar no estábulo por baixo da manjedoura da vaca, lá está enterrado um pote cheio deles. Eu não posso ir.Os patifes não perderam tempo, puseram-se a cavoucar e logo desenterraram o pote cheio de moedas de ouro. Meteram tudo nos bolsos e, mais que depressa, fugiram, deixando na casa a pobre mercadoria de barro.Catarina então pensou: já que ficara com todas essas vasilhas novas era preciso aproveitá-las. Como na cozinha não precisasse de nada, tirou os fundos dos potes e colocou-os como ornamento nas estacas da cerca em volta da casa. Quando Fred voltou e viu aquela decoração de um gênero diferente, perguntou:- Que significa isso, Catarina?- Comprei tudo com os tremoços enterrados debaixo da manjedoura. Não fui eu que os desenterrei; os vendedores tiveram que se arranjar sozinhos.- Ah, mulher, o que fizeste? Não eram tremoços, mas ouro puro. Era tudo o que possuíamos na vida! Não devias ter feito isso!- Oh, Fred - respondeu ela, - eu não sabia. Devias ter-me dito.E Catarina se pôs a refletir; depois de certo tempo disse:- Escuta, Fred, vamos reaver o nosso ouro. Vamos perseguir os ladrões.Fred respondeu:- Sim, vamos tentar. Mas leva um pouco de manteiga e queijo para termos o que comer durante o caminho.- Sim, Fred, levarei tudo.Puseram-se a caminho, mas como Fred andava mais depressa, Catarina foi ficando para trás. "Tanto melhor, - pensava ela, - pois quando voltarmos eu estarei na frente um bom pedaço."Daí a pouco chegaram a uma colina bastante íngreme, cuja estrada tinha sulcos profundos dos dois lados.- Oh, veja só como esta pobre terra está toda machucada e ferida! - disse ela; - nunca mais se curará!Profundamente penalizada, pegou a manteiga e untou as rachaduras de um lado e de outro para que não ficassem tão maltratadas pelas rodas. Mas quando se curvou para fazer o seu ato de misericórdia, um dos queijos caiu-lhe do bolso e desceu rolando pelo morro abaixo.- Já fiz a caminhada para cima uma vez, - murmurou ela, - não vou agora descer para tornar a subir. Que vá outro buscá-lo.Assim dizendo, pegou o outro queijo e jogou-o atrás do primeiro. Mas os queijos não voltavam e, então, ela pensou:- Talvez estejam esperando um companheiro, por não gostar de voltar sozinhos!E fez rolar para baixo um terceiro. E como os três não se resolviam a voltar, ela pensou:- Realmente, não sei o que quer dizer isto! É provável que o terceiro queijo tenha errado o caminho. Vou mandar um quarto buscá-los.Mas o quarto não se comportou melhor que os outros. Então Catarina irritou-se e atirou o quinto e depois o sexto queijo, que eram os últimos.Ficou um certo tempo esperando que voltassem, mas como nenhum voltasse, exclamou:- Lerdos e poltrões como sois, poderia mandar-vos chamar a morte! Se imaginam que vou esperar mais tempo, enganam-se! Eu vou seguindo o caminho; podeis correr e alcançar-me se quiserdes, pois tendes pernas mais fortes que as minhas.Catarina prosseguiu o caminho e alcançou Fred, que tinha parado para a esperar, pois estava com muita fome e desejava comer alguma coisa.- Bem, deixa-me ver o que trouxeste para comer.Catarina deu-lhe pão seco.- E a manteiga? E o queijo? Onde estão? - perguntou o marido.- Oh, Fred! - respondeu ela. - Passei a manteica nos sulcos da estrada; quanto aos queijos logo estarão aqui: um escapou do meu bolso e eu então mandei os outras atrás para que fossem buscá-lo.- Não devias ter feito isso, Catarina, - disse Fred, - untar a estrada com a manteiga e mandar os queijos rolando morro abaixo!- Oh, Fred, se me tivesses dito! - exclamou vexada.Tiveram, então, de comer pão seco; enquanto comiam, Fred perguntou:- Fechaste bem a casa, Catarina?- Não, Fred, devias ter-me dito antes.- Então volta para casa e tranca bem a porta, antes de irmos mais adiante; assim aproveitas para trazer o que comermos; eu te ficarei esperando aqui.Catarina voltou para casa, resmungando consigo mesma:- Fred quer alguma coisa para comer. Queijo e manteiga não lhe agradam. Levarei um saco de peras secas e uma garrafa de vinho.Tendo reunido essas coisas, fechou a parte de cima da porta com cadeado, arrancou a parte de baixo e carregou no ombro, imaginando que a casa ficaria melhor guardada se ela pessoalmente guardasse a porta. Pelo caminho, não se apressou, pensando com isso proporcionar um descanso mais prolongado a Fred. Quando chegou ao ponto onde ele a esperava, deu-lhe a porta da casa dizendo:- Aqui está a porta da casa, Fred. Assim podes guardar tu mesmo a casa.- Oh, Deus meu! - disse Fred, - como é inteligente a minha mulher! Trancou a parte de cima da porta e arrancou a parte debaixo, por onde qualquer pessoa pode entrar mais facilmente! Agora é tarde demais para voltar, mas, já que trouxeste a porta até aqui, tu a poderás continuar a carregar.- Carrego a porta de boa vontade, - respondeu Catarina, - mas as peras e o vinho pesam muito; vou pendurar o saco e a garrafa na porta para que ela os carregue.Pouco depois, chegaram a uma floresta e se puseram a procurar os ladrões, mas não os encontraram. Sendo já muito escuro, treparam os dois numa árvore, a fim de passar aí a noite. Nem bem tinham chegado lá em cima, surgiram os malandros que lhes tinham roubado as moedas e, por coincidência, sentaram-se justamente debaixo da árvore na qual os dois tinham subido; acenderam uma fogueira e se dispunham a repartir a presa.Fred cautelosamente desceu pelo outro lado da árvore, apanhou uma porção de pedras e tornou a subir, com a firme intenção de liquidar os ladrões a pedradas. Mas as pedras não os atingiram e os ladrões exclamaram:- Daqui a pouco vai clarear o dia, o vento já está sacudindo as pinhas.Durante o tempo todo, Catarina tinha ficado com a porta no ombro e como o peso era grande ela pensou que a culpa era das peras secas. Então disse:- Fred, preciso atirar fora estas peras.- Não, Catarina, - respondeu o marido, - não faças isso agora, poderia nos trair.- Ah, Fred, preciso atirá-las; estão pesadas demais.- Então atira e que o diabo te leve.As peras secas rolaram de cima da árvore, por entre os galhos, e os malandros disseram:- Veja só o que estão fazendo os passarinhos!Pouco depois, como a porta continuasse a pesar, Catarina disse:- Ah, Fred, preciso atirar fora o vinho.- Não, não! - respondeu Fred, - poderia nos trair.- Mas preciso atirá-lo, Fred! Está muito pesado.- Então atira e que o diabo te leve.Ela despejou o vinho em cima dos malandros e estes disseram:- Olha, já está caindo o orvalho.Daí a pouco, porém, Catarina refletiu: "Será que é a porta que está pesando tanto?" e disse:- Fred, tenho de jogar a porta.- Não faças isso, Catarina! Ela nos trairá.- Ah, Fred, preciso fazê-lo. Não aguento mais o peso.- Não, Catarina, aguenta mais um pouco.- Não, Fred, não posso... Já está escorregando!- Então jogue e que o diabo te leve, - respondeu irritado o marido.E a porta desceu, fazendo um barulhão enorme, por entre os galhos. Os malandros, assustados, disseram:- É o diabo que vem descendo da árvore!Então trataram de fugir a toda pressa, largando no chão o fruto da pilhagem. Quando amanheceu, Fred e a mulher desceram da árvore, encontraram no chão todo o dinheiro e voltaram para casa. Assim que chegaram, Fred disse:- Agora, porém, Catarina, tens de trabalhar duro e fazer tudo direito!- Sim, Fred, naturalmente, - respondeu ela. - Irei ao campo ceifar o trigo.Quando chegou ao campo, ela se pôs a pensar:- "Será melhor comer antes de ceifar, ou será melhor dormir primeiro? Bem, comerei primeiro."Depois de comer, ficou caindo de sono; começou a ceifar sem enxergar direito o que fazia, de tanto sono; assim cortou a roupa em dois pedaços, avental, saia e blusa. Despertando dessa longa sonolência, viu-se meio nua, então perguntou a si mesma:- Será que sou mesmo eu? Não, não pode ser! Não sou eu que estou aqui!Nisso a noite foi escurecendo; Catarina correu para casa e bateu na vidraça da sala onde eslava o marido e chamou:- Fred!- Que aconteceu? - perguntou o marido.- Quero saber se a Catarina está aí dentro.- Está, sim! Está lá dentro dormindo.- Nesse caso eu estou em casa - disse ela, e saiu correndo.Lá fora, Catarina viu alguns ladrões que queriam furtar. Aproximou-se deles e disse:- Quero ajudar-vos também.Os ladrões concordaram, julgando que ela conhecesse bem o lugar. Mas Catarina, colocando-se diante das casas, perguntava:- Minha boa gente, que tendes aí? Nós queremos roubar!Pensando que ela queria vingar-se deles, os ladrões trataram de se ver livres dela e disseram-lhe:- À entrada da aldeia, o pároco tem uma porção de nabos amontoados no campo; vai buscá-los para nós.Catarina foi até o campo e começou a apanhar os nabos, mas era tão preguiçosa que tardava a mover-se. Nesse momento, ia passando um homem que a viu e parou, julgando que ela fosse o Diabo que estivesse ali colhendo os nabos. Correu à casa do pároco e disse:- Reverendo, o diabo está no vosso campo, arrancando todos os nabos.- Pobre de mim! - respondeu o padre, - estou com um pó machucado e não posso ir lá exorcismá-lo!O homem, então, disse:- Isso não tem importância; eu vos carregarei nas costas!Quando chegaram ao campo, Catarina pôs-se de pé, espichando-se toda.- Ah, é o diabo, é o diabo! - exclamou apavorado o padre, e deitou a correr juntamente com o homem.Tão grande era o medo, que o pároco, com o pé machucado, corria mais depressa do que o outro que o carregara nas costas e que tinha os pés sãos.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O cão e o pardal

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um cão de pastor que tinha um dono muito mau, que não lhe dava comida suficiente e o obrigava a passar fome. Certo dia, não podendo mais suportar esse tratamento, o cão resolveu ir embora, apesar de sentir muita tristeza. Pelo caminho, encontrou um pardal, que lhe disse:- Por quê estás assim tão triste, meu irmão?- Estou com fome e não tenho o que comer, - respondeu o cão.- Se o mal é esse, vem comigo à cidade e eu te arranjarei o que comer, - disse o pardal.E assim foram os dois juntos para a cidade. Quando chegaram diante de um açougue, o pardal disse:- Espera aqui bem quietinho, enquanto vou bicar um pedaço de carne.Voando para dentro do açougue, pousou sobre o balcão; depois de se certificar de que ninguém o estava observando, o pardal foi puxando com o bico um pedaço de carne para o beirai, até que caiu ao chão. O cão agarrou rapidamente e foi devorá-lo num canto.- Agora vamos para outro açougue, - disse o pardal, vou tirar outro pedaço de carne para que fiques satisfeito.Nesse açougue repetiu-se a mesma coisa e, quando o cão devorou também o segundo pedaço, o pardal lhe perguntou:- Agora estás satisfeito, meu irmão?- Sim, - respondeu o cão, - de carne estou, mas ainda não provei pão.Foram até uma padaria e o pardal arrastou com o bico dois pães; como o companheiro lhe pedisse mais, levou-o a outra padaria, onde lhe derrubou mais dois pães. Quando acabou de comer, o pardal lhe perguntou:- Estás satisfeito, meu irmão?- Sim, agora estou, - respondeu o cão. - Vamos dar um passeio fora da cidade.E saíram os dois pela estrada a fora. Mas o calor era intenso, não tinham ainda ido muito longe quando, chegando a uma curva, o cão disse:- Estou cansado e gostaria de dormir um pouco.- Está bem, - disse o pardal, - dorme à vontade; enquanto isso ficarei pousado naquele galho.O cão deitou-se quase no meio da rua e forrou num sono profundo. Daí a pouco, chegava um carroceiro guiando uma carroça puxada por três cavalos A carroça ia carregada de barris do vinho. O pardal viu que o carroceiro não desviava do lugar onde estava o cão dormindo e ia passar-lhe por cima. Então gritou:- Carroceiro, não faças isso, do contrário te reduzirei à miséria.Mas o carroceiro resmungou consigo mesmo: "Ora, não serás tu que me levarás à miséria!" Estalou o chicote e dirigiu a carroça bem por cima do cão, matando-o. Então o pardal gritou:- Mataste meu irmão! Isto vai te custar a carroça e os cavalos.- Oh, sim! - disse o carroceiro, - a carroça e os cavalos; que mal podes me fazer tu, pequeno tonto?E continuou chicoteando os cavalos, sem se preocupar. O pardal então penetrou sob a lona que cobria a carroça e se pôs a bicar o batoque de um dos barris até que a rolha saltou fora e o vinho começou a escorrer sem que o carroceiro percebesse. Finalmente, olhando por acaso para trás, viu que a carroça estava pingando; desceu e foi examinar os barris, encontrando um deles já vazio.- Ai de mim! - exclamou desolado, - agora sou um homem pobre.- Sim mas não o suficiente, - respondeu o pardal; e voou para a cabeça de um cavalo e com algumas bicadas arrancou-lhe um olho.Vendo aquilo, o carroceiro brandiu a foice e procurou matar o pardal, mas este voou em tempo e o golpe atingiu o cavalo que caiu morto, com a cabeça partida.- Ai de mim! - exclamou o carroceiro, - agora sou um homem pobre.- Sim, mas não o suficiente, - respondeu o pardal.E, enquanto o carroceiro ia seguindo o caminho com os dois cavalos, voltou a introduzir-se debaixo da lona e, à força de bicadas, arrancou a rolha do outro barril. O vinho começou a escorrer pela estrada a fora. Quando o carroceiro percebeu, gritou de novo:- Ai de mim! Sou um pobre homem arruinado!- Sim, mas não o suficiente, - respondeu-lhe o pardal.E saltou para a cabeça do segundo cavalo, vazando- lhe os olhos. Cego de furor, o carroceiro brandiu novamente a foice procurando atingir o pardal, mas o golpe atingiu o cavalo, que caiu prostrado sem vida.- Ai de mim! - Como estou pobre! - gemia o carroceiro.- Sim, mas não o suficiente, - respondeu o pardal.Saltou para o terceiro cavalo e vazou-lhe os olhos. Tremendo de ódio, o carroceiro lançou a foice contra o pardal, mas também desta vez a foice acertou em cheio no cavalo, que teve a mesma sorte dos companheiros.- Ai de mim! Como estou pobre! - gritou o carroceiro.- Sim, mas não o suficiente, - disse o pássaro - agora eu te farei ficar ainda mais pobre em casa. - E saiu voando pelos ares.O carroceiro foi obrigado a abandonar a carroça na estrada e voltar para casa a pé, tremendo de ódio.- Que desgraça a minha! - disse à sua mulher. - O vinho foi todo derramado e os três cavalos estão mortos. Pobre de mim!A mulher, também, se lastimou:- Ah, homem, que pássaro malvado entrou aqui em casa! Trouxe consigo todos os passarinhos da redondeza e, como um dilúvio, caíram sobre o nosso trigal, destruindo todas as espigas.O homem saiu para ver e deparou com milhares e milhares de pássaros devorando todo o trigo; no meio deles estava o terrível pardal. Então o carroceiro gritou:- Ai de mim! Pobre, mais pobre que nunca!- Sim, mas não o suficiente! - Carroceiro, pagarás também com a vida, - respondeu-lhe o pardal e saiu voando.O carroceiro viu perdidos todos os seus bens. Foi para a cozinha, sentou-se atrás do fogão, resmungando e fervendo de ódio. Entretanto o pardal, pousando no peitoril da janela, do lado de fora, continuava dizendo:- Carroceiro, vai custar-te a vida!Exasperado, o carroceiro pegou a foice e lançou-a violentamente contra o pardal, mas acertou nos vidros, espatifando-os sem que o pardal sofresse o menor dano.Saltitando todo brejeiro, o pardal entrou para dentro da sala e foi pousar em cima do fogão, dizendo:- Carroceiro, vai custar-te a vida!Cego de raiva e de ódio, o homem pegou de novo a foice e saiu em perseguição do pardal, que saltava de um lugar para outro, sempre desviando os golpes do carroceiro. Este ia quebrando tudo o que encontrava na frente: o fogão, os bancos, a mesa, o espelho, até a parede, mas não conseguia atingir o pássaro. Por fim, depois de tanto correr e pular, conseguiu agarrar com a mão o pardal. Então a mulher perguntou-lhe:- Queres que o mate?- Não, - disse o marido, - isso seria pouco para ele! Quero que morra de morte atroz; vou comê-lo vivo.Dizendo isso, abocanhou e engoliu o pardal inteiro. Porém o demoninho continuou esvoaçando dentro do estômago e, em dado momento, voltou até a boca para dizer:- Carroceiro, vai custar-te a vida!O carroceiro passou depressa a foice à sua mulher e ordenou:- Mata-me esse pássaro mesmo dentro da boca.A mulher agarrou a foice e deu um golge fortíssimo mas, errando o alvo, acertou em cheio na cabeça do marido prostrando-o sem vida.O pardal, então, saiu voando e sumiu ao longe, nunca mais aparecendo por aquelas bandas.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O pássaro de ouro

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um rei que possuía, atrás do castelo, um belíssimo parque, no qual havia uma macieira que dava maçãs de ouro. Quando as maçãs ficaram maduras, contaram-nas todas mas, logo na manhã seguinte, faltava uma. Avisaram o rei e ele ordenou que todas as noites ficasse um guarda vigiando debaixo da macieira.O rei tinha três filhos: ao anoitecer, mandou o mais velho ficar no jardim, mas este, à meia-noite, não pôde resistir ao sono e, na manhã seguinte, faltou mais uma maçã. Na outra noite, foi a vez do segundo ficar de guarda, mas não teve melhor sorte: quando soou meia- noite, adormeceu e, pela manhã, faltava outra maçã. Chegara a vez do terceiro, mas o rei não confiava muito nele, pensando que faria ainda menos que os irmãos; contudo, acabou por consentir que ficasse vigiando. O jovem deitou-se sob a macieira e velou sem deixar-se vencer pelo sono. Quando bateu meia-noite, percebeu no ar um ruflar de asas e, à claridade da lua, viu chegar um pássaro voando, cujas penas cintilavam como ouro.O pássaro pousou na árvore e tinha apenas desprendido uma maçã com o bico, quando o jovem lhe atirou uma seta. O pássaro fugiu, mas a seta atingira-lhe as penas de ouro, deixando cair uma no chão. O jovem apanhou-a e, na manhã seguinte, foi levá-la ao rei, narrando-lhe tudo o que ocorrera durante a noite.O rei convocou o conselho, e os ministros todos afirmaram que uma pena dessas valia mais do que o reino todo.- Se esta pena é tão preciosa, - disse o rei, - de que vale possuir uma só? Eu quero o pássaro inteiro e hei de consegui-lo.O filho mais velho, pôs-se a caminho e, confiando na própria inteligência, ia com a certeza de encontrar o pássaro de ouro. Após ter caminhado bom trecho, avistou uma raposa à entrada da floresta; apontou sobre ele a espingarda para atirar, mas a raposa gritou:- Não atires, eu te darei um bom conselho. Sei que vais em busca do pássaro de ouro; hoje, à noite, chegarás a uma aldeia onde há duas estalagens, uma em frente da outra. Uma delas é bem iluminada e oferece ambiente alegre, mas não entres nela, vai para a outra, embora tenha aspecto feio e pouco acolhedor."Como pode, um animal tão estúpido, dar conselhos acertados!" pensou o príncipe, e atirou mas errou o alvo. A raposa esticou o rabo e correu para a floresta. Ele prosseguiu caminho e, à noite, chegou à aldeia onde estavam as duas estalagens; numa cantavam e dançavam; a outra tinha aspecto pobre e tristonho. "Eu seria um grande louco, - pensou ele, - se fosse para aquela estalagem miserável, em vez de ir para esta outra bem melhor." Assim, entrou na que se apresentava alegre e festiva e lá, todo entregue aos prazeres, esqueceu-se do pássaro, do rei e de todos os bons preceitos.Após certo tempo, vendo que o irmão mais velho não voltava, o segundo pôs-se a caminho à procura do pássaro de ouro. Tal como seu predecessor, encontrou a raposa, que lhe repetiu o bom conselho, mas ele não lhe deu atenção. Chegou ao local das duas estalagens e, daquela em festança, surgiu o irmão na janela chamando-o. Ele não pôde resistir, entrou e entregou-se aos divertimentos.Decorrido mais algum tempo, o menor dos três irmãos quis, por sua vez, tentar a sorte, mas o pai não queria permitir, dizendo aos que o cercavam:- É inútil. Se os irmãos não encontraram o pássaro de ouro, muito menos o encontrará este; além disso, se lhe acontecer alguma complicação, não saberá como sair-se dela; falta-lhe um "parafuso"!Mas, por fim, para que o filho o deixasse em paz, deixou-o partir. À entrada da floresta estava a raposa, a qual lhe suplicou que lhe poupasse a vida e deu-lhe um bom conselho. O jovem príncipe era generoso e respondeu:- Fica sossegada, raposinha, não te farei mal algum.- E não te arrependerás, - respondeu a raposa; - se queres chegar mais depressa, monta na minha cauda.Assim que o príncipe se instalou na cauda da raposa, ela deitou a correr desabaladamente, com os cabelos zunindo ao vento. Quando chegaram à aldeia, o jovem desmontou e seguiu o conselho dado; sem olhar para nenhum lado, entrou na estalagem indicada, onde pernoitou tranquilamente. Na manhã seguinte, quando chegou ao meio do campo, a raposa já estava lá e- Vou ensinar-te o que deves fazer. Anda sempre direito para a frente, chegarás finalmente a um castelo, na frente do qual encontrarás um batalhão de soldados. Mas não receies nada, porque estarão todos dormindo e roncando; passa no meio deles, entra diretamente no castelo e atravessa todas as salas, até chegar àquela onde está dependurada uma gaiola de madeira com o pássaro de ouro dentro. Aí perto, bem à mostra, encontrarás uma gaiola de ouro vazia; não queiras tirar o pássaro da gaiola feia para pô-lo na outra preciosa: poderia ser-te fatal.Tendo dito isso, a raposa esticou, novamente, a cauda e o príncipe montou nela; depois, com o vento zumbindo por entre os cabelos, desabalaram em carreira vertiginosa. Chegando ao castelo, o príncipe encontrou tudo, exatamente, como lhe havia dito a raposa. Entrou na sala onde estava o pássaro na sua gaiola de madeira, tendo ao lado a gaiola de ouro; viu as três maçãs de ouro espalhadas pelo chão. Então, achou que seria ridículo deixar aquele belo pássaro na gaiola tão feia; abriu a portinhola, pegou-o e colocou-o na outra de ouro. Imediatamente o pássaro soltou um berro agudo; os soldados acordaram, precipitaram-se dentro do castelo, prenderam o príncipe e o conduziram à prisão. Na manhã seguinte, foi julgado e, sendo réu confesso, condenado à morte.O rei disse-lhe que o libertaria, com a condição, porém, de trazer-lhe o cavalo de ouro, que era mais veloz que o vento, e lhe daria ainda, como recompensa, o pássaro de ouro.O príncipe saiu andando, suspirando tristemente: onde iria encontrar o cavalo de ouro? Nisso avistou a sua velha amiga raposa deitada na estrada.- Viste, - disse ela, o que te aconteceu por me desobedeceres? Mas não te amofines, eu te ajudarei e te ensinarei o que tens a fazer. Deves andar sempre direito para a frente até chegar a um castelo e ali, na estrebaria, encontrarás o cavalo de ouro. Diante da estrebaria estarão deitados os cavalariços, dormindo e roncando sossegadamente; assim não te será difícil tirar o cavalo de ouro. Mas presta bem atenção: poe-lhe a sela feia de madeira e couro, não aquela de ouro dependurada perto; se não tudo te correrá mal.Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e sairam em carreira desabalada, com os cabelos zumbindo ao vento. Tudo se processou conforme dissera a raposa: ele chegou à estrebaria onde estava o cavalo de ouro; mas, no momento de pôr-lhe a sela feia, pensou: "Um animal tão bonito faz uma figura ridícula se não lhe ponho a sela que lhe compete." Mal o tocou com a sela de ouro, o cavalo pôs-se a relinchar com toda a força. Os cavalariços acordaram, agarraram o jovem e o trancaram na prisão. Na manhã seguinte, o tribunal condenou-o à morte, mas o rei prometeu fazer-lhe mercê e dar-lhe, ainda por cima, o cavalo de ouro se conseguisse trazer-lhe a bela princesa do castelo de ouro.O jovem pôs-se a caminho com o coração anuviado; felizmente não tardou a encontrar a fiel amiga raposa, que lhe disse:- Eu deveria deixar-te na desventura, mas tenho pena de ti e, ainda desta vez, quero auxiliar-te. O caminho te conduzirá direto ao castelo de ouro, onde chegarás à tarde; durante a noite, quando tudo estiver silencioso, a bela princesa vai banhar-se no pavilhão. Quando ela entrar, agarra-a e dá-lhe um beijo: então ela te seguirá e poderás levá-la contigo. Mas não deixes que diga adeus aos pais, do contrário, tudo te correrá mal.Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e, em carreira desabalada, saíram, com os cabelos zumbindo ao vento. Quando chegou ao castelo de ouro, encontrou exatamente o que lhe dissera a raposa. Ele aguardou até meia-noite. Então, fez-se silêncio, tudo dormia, e a bela princesa entrou no pavilhão para banhar-se; ele, num gesto rápido, agarrou-a e deu-lhe um beijo. Ela disse que o seguiria de bom grado, mas suplicou, chorando, que a deixasse dizer adeus aos pais. No começo, ele se opôs às suas súplicas mas, como ela chorava cada vez mais, prostrando-se aos seus pés, acabou por consentir. Assim que a princesa se aproximou do leito do pai, este despertou ao mesmo tempo que despertavam todos os que dormiam no castelo; prenderam o jovem e trancaram-no na prisão.Na manhã seguinte, disse o rei:- Tu mereces a morte; mas serás absolvido se conseguires arrasar a montanha que há defronte da minha janela e que me impede ver longe; terás de fazer isso dentro de oito dias. Se o conseguires, terás minha filha como recompensa.O príncipe pôs-se a cavar, a cavar sem interrupção, mas, passados sete dias, vendo quão pouco havia feito e que todo o seu trabalho nada representava, abismou-se em profundo abatimento, perdendo todas as esperanças. Na noite do sétimo dia, porém, apareceu-lhe a raposa, dizendo:- Não mereces que me preocupe contigo, mas podes ir dormir, eu farei o trabalho.Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou e olhou para fora da janela, a montanha havia desaparecido. Louco de alegria foi correndo levar a notícia ao rei; então o rei, querendo ou não, foi obrigado a cumprir a promessa e dar-lhe a filha.Partiram os dois. A fiel raposa não tardou a alcançá-los e disse-lhe:- É verdade que possuis o melhor, mas à princesa do castelo de ouro pertence, também, o cavalo de ouro.- Que hei de fazer para obtê-lo? - perguntou o príncipe.- Digo-te já, - respondeu a raposa. - Primeiro leva a bela princesa ao rei que te enviou ao castelo de ouro. Ficarão todos extasiados e de boa vontade te darão o cavalo. Monta-o depressa e despede-te de todos, estendendo-lhes a mão; por fim estende a mão à bela princesa, agarra-a, monta-a rapidamente no cavalo e sai correndo à rédea solta. Ninguém conseguirá apanhar-te, pois o cavalo corre mais que o vento.Tudo correu perfeitamente bem e o príncipe levou consigo a bela princesa no cavalo de ouro, A raposa não se fez esperar muito e disse-lhe:Agora te ajudarei a capturar, também, o pássaro de ouro. Perto do castelo onde se encontra o pássaro, a princesa apeará e eu tomarei conta dela. Tu, no cavalo de ouro, entra no pátio; quando te virem ficarão todos felizes e te darão o pássaro. Assim que tiveres na mão a gaiola, volta voando a buscar a princesa.Tendo corrido tudo perfeitamente, o príncipe quis regressar a casa com todos os tesouros conseguidos, mas a raposa disse-lhe:- Agora tens que me recompensar por todo o auxílio que te prestei.- O que desejas? - perguntou o príncipe.- Quando estivermos na floresta, tens que matar-me e cortar-me a cabeça e as patas.- Que bela recompensa! - disse o príncipe; - não posso absolutamente atender ao teu pedido.- Se não queres fazê-lo, - disse a raposa, - terei de abandonar-te; mas, antes disso, quero dar-te ainda um bom conselho. Livra-te de duas coisas: comprar carne destinada à forca e sentar-te à beira de um poço. - Dizendo isto, fugiu para a floresta.O jovem pensou: "Que animal esquisito! Tem cada ideia extravagante! Quem jamais compraria carne destinada à forca? E vontade de sentar-me à beira de um poço também nunca tive." Continuou o caminho, levando a linda jovem. O caminho passava pela aldeia onde haviam ficado os irmãos; ao chegar lá, viu um grande aglomerado de gente e muita algazarra. Tendo perguntado o que se passava, responderam-lhe que iam enforcar dois facínoras. Aproximando-se do local, viu que eram seus dois irmãos, os quais, tendo cometido toda espécie de perversidade e tendo malbaratado todos os haveres, estavam condenados a morrer na forca. O jovem perguntou se não era possível libertá-los.- Sim, - responderam-lhe, - se estás disposto a gastar todo o teu dinheiro para resgatá-los!O jovem, sem hesitar, pagou tudo por eles; assim que ficaram livres viajaram em sua companhia.Chegaram à floresta onde, da primeira vez, tinham encontrado a raposa. O sol queimava como fogo e, como o lugar aí fosse ameno e fresco, os dois irmãos disseram:- Descansemos um pouco aí junto do poço e aproveitemos para comer e beber.O jovem concordou e, entretido na conversa, sentou-se distraidamente na beirada do poço. Então os irmãos o fizeram cair de costas e o empurraram para dentro do poço; depois apoderaram-se da princesa, do cavalo e do pássaro e voltaram para a casa do pai.- Não trazemos apenas o pássaro de ouro, - disseram, - conquistamos também o cavalo de ouro e a princesa do castelo de ouro.Todos estavam perfeitamente felizes, menos o cavalo, que não comia, o pássaro, que não cantava, e a princesa, que não parava de chorar.Mas o irmão menor não tinha morrido. Por felicidade, o poço estava seco e ele caiu sobre o musgo macio, sem sofrer o menor mal; não conseguia, porém, sair de lá. Também, nessa angustiosa emergência, a fiel raposa não o abandonou; pulou para junto dele e repreendeu-o, severamente, por ter-lhe esquecido o conselho.- Contudo, não posso deixar de restituir-te à luz do sol.Mandou que se agarrasse e segurasse bem na sua cauda e, assim, puxou-o para fora. Depois disse:- Ainda não estás livre de todos os perigos, teus irmãos mandaram sentinelas cercar a floresta, com ordens para te matar se te virem.O rapaz agradeceu e foi andando. Ao chegar a um atalho, viu um pobre maltrapilho sentado, muito triste, e pediu-lhe que trocassem as respectivas roupas; assim disfarçado, conseguiu chegar são e salvo ao castelo real. Ninguém o reconheceu, mas logo o pássaro se pôs a cantar, o cavalo a comer e a jovem parou de chorar. O rei muito admirado, perguntou:- Que significa isso?- Não sei explicar, - disse a jovem, - mas eu estava tão triste e eis que agora me sinto tão alegre! Como se tivesse chegado o meu verdadeiro noivo.E contou ao rei tudo o que ocorrera, muito embora a houvessem, os dois irmãos, ameaçado de morte se revelasse qualquer coisa. Ouvindo isso, o rei ordenou que se apresentasse diante dele toda a gente do castelo; o jovem também compareceu, disfarçado em pobres andrajos. A princesa, porém, reconheceu-o imediatamente e correu a lançar-se-lhe ao pescoço.Os perversos irmãos foram presos e condenados; enquanto que o menor casou com a bela princesa e foi nomeado herdeiro do trono.E a raposa, que fim levou?Muito tempo depois, o príncipe voltou à floresta e lá encontrou a raposa, que lhe disse:- Tu agora tens tudo o que desejar se possa, mas a minha infelicidade nunca tem fim; entretanto, está em teu poder libertar-me.E, novamente, suplicou-lhe que a matasse e lhe cortasse a cabeça e as garras. Ele obedeceu e, no mesmo instante, a raposa transformou-se num homem, o qual outro não era senão o irmão da bela princesa, libertado, finalmente, do encanto a que fora condenado.Assim nada mais faltou para que fossem todos felizes até o resto da vida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O querido Rolando

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, uma mulher que era uma autêntica bruxa e tinha duas filhas; uma feia e má, a quem muito amava, porque era a filha verdadeira; e uma bonita e boa, que detestava, porque era sua enteada. Certa vez, a enteada ganhou um avental muito bonito. que agradou particularmente à outra; cheia de inveja, esta disse à mãe que queria a todo custo o avental.- Fica sossegada, minha filha, que hás de tê-lo, - disse a velha. - Tua irmã merecia estar morta há muito tempo; esta noite, quando estiver dormindo, virei e lhe cortarei a cabeça. Tu, tem o cuidado de deitar-te bem para trás na cama, e empurrá-la para a frente.E a pobre moça estaria perdida se não tivesse ouvido tudo do canto em que se achava. Nesse dia, não lhe foi permitido sair de casa e, quando chegou a hora de dormir, teve de deixar a irmã dormir do lado da parede, que era o seu, e ficar ela do lado de fora. Mas, assim que a irmã adormeceu, puxou-a cuidadosamente para a beirada da cama e ela deitou-se no lugar junto à parede. Durante a noite, a velha entrou sorrateiramente no quarto; na mão direita trazia a machadinha, com a esquerda apalpou se havia alguém no lugar indicado, depois agarrou a machadinha com as duas mãos e, com um golpe violento, decepou a cabeça da própria filha.Assim que ela saiu do quarto, a enteada levantou-se, correu à casa do namorado, que se chamava Rolando, e bateu à porta. Quando ele saiu, disse-lhe:- Escuta, meu querido Rolando, temos de fugir depressa; minha madrasta queria matar-me, mas acertou na filha. Quando amanhecer e vir o que fez, nós estaremos perdidos.- Sim, mas aconselho-te que leves a varinha mágica, pois, se nos persegue, não poderemos salvar-nos.A moça furtou a varinha mágica; depois, pegando a cabeça da morta, deixou pingar três gotas de sangue no chão. Em seguida, fugiu com o namorado.Pela manhã, quando a bruxa levantou-se da cama, chamou a filha para entregar-lhe o avental, mas a filha não apareceu. Então gritou:- Onde estás?- Estou aqui varrendo a escada! - respondeu uma das gotas de sangue.A velha foi ver, mas não havia ninguém lá; então, gritou novamente:- Onde estás?- Estou aqui na cozinha, aquecendo-me ao fogo! - respondeu a segunda gota de sangue.A velha foi até à cozinha, mas não viu ninguém. Gritou pela terceira vez:- Onde estás?- Estou aqui na cama, dormindo. - Gritou a terceira gota de sangue.Ela entrou no quarto e aproximou-se da cama. E que foi que viu? A filha, à qual ela mesma havia cortado a cabeça, jazia lá mergulhada numa poça de sangue.A bruxa ficou furiosa; precipitou-se à janela e, tendo o dom de enxergar muito longe, viu a enteada fugindo, com o namorado.- Não adianta nada, - resmungou ela, - embora estejais bastante longe, não me escapareis.Calçou as botas de sete léguas, que lhe permitiam num passo fazer o caminho de uma hora, e daí a pouco alcançou-os. Mas a enteada, vendo-a chegar, com a varinha mágica transformou o amado num lago e ela mesma numa pata nadando no meio dele. A bruxa deteve- se a margem do lago, jogou migalhas de pão a fim de atrair a pata, mas a pata não se deixou seduzir e, ao entardecer, a velha teve de voltar para casa sem ter conseguido nada.A moça e o namorado retomaram o verdadeiro aspecto e foram andando. Andaram a noite toda até de madrugada. Então ela transformou-se numa linda flor, balançando-se entre um cerrado espinheiro e, seu amado Rolando num violinista. Pouco depois, chegou a velha apressada e disse ao violinista:- Meu bom violinista, posso colher aquela linda flor aí no meio do espinheiro? Oh sim - respondeu ele, - enquanto isso eutocarei para que o consigas.Quando a velha se meteu no meio do espinheiro para colher a flor, que ela bem sabia quem era, ele começou a tocar. Então a velha, querendo ou não, teve de dançar, porque aquela era música encantada que a isso obrigava. Quanto mais depressa ele tocava, mais furiosamente ela dançava; os espinhos arrancaram-lhe os farrapos do corpo, picando-a, arranhando-a e esfolando-a toda e, como ele não cessava de tocar, ela teve de dançar até cair morta.Uma vez livres dela, Rolando disse:- Agora irei à casa de meu pai a fim de preparar a festa de bodas.- Enquanto isso ficarei aqui à tua espera, - disse a moça, - e, para que ninguém me reconheça, transformar-me-ei numa pedra vermelha.Rolando despediu-se e foi-se embora; e, sob a forma de uma pedra vermelha, a moça ficou aí no campo, esperando-o. Mas, ao chegar em casa, Rolando caiu na rede de outra sereia e esqueceu a noiva. A pobrezinha esperou-o longamente e, vendo que ele nunca mais voltava, ficou desolada e transformou-se numa flor, pensando tristemente: "Alguém há de passar por aqui e me pisara!"Aconteceu, porém, que um pastor, ao levar o rebanho a pastar nesse campo, viu a flor e, como era muito bonita, colheu-a, levou-a para casa e guardou-a numa gaveta.A partir desse momento, em casa do pastor aconteciam fatos extraordinários. Pela manhã, ao levantar-se. encontrava sempre a casa toda arrumada; a sala varrida, a mesa e os bancos espanados, o fogo aceso e o balde cheio de água no seu lugar. Ao meio-dia, quando voltava do campo, encontrava a mesa posta com deliciosa comida. Ele não conseguia compreender como tudo isso sucedia, porquanto em casa nunca entrava ninguém e naquele pobre casebre não havia de esconder-se. Gostava, sem dúvida, de estar tão bem servido, mas a um certo momento sentiu receio e resolveu pedir conselho a uma adivinha. Ela disse-lhe:- Há alguma bruxaria nisso. Deves fazer o seguinte: de manhã, pela madrugada, espia bem para ver se qualquer coisa se mexe na sala; se vires algo, seja lá o que for, atira-lhe em cima um pano branco, assim se quebrará o encanto.O pastor seguiu o conselho e, na manhã seguinte, aí pela madrugada, viu abrir-se a gaveta e dela sair a flor. De um salto atirou-lhe em cima um pano branco. Imediatamente cessou o encanto: diante dele estava uma linda moça, a qual lhe confessou que era a flor e que lhe havia cuidado da casa durante todo o tempo desde que a colhera. Contou-lhe as desventuras todas, e ele gostou tanto dela que lhe pediu para ser sua mulher; mas ela respondeu:- Não, não posso, porque amo a Rolando. Apesar de ter-me ele esquecido, quero ser-lhe sempre fiel.Prometeu, porém, não ir-se embora e continuar a cuidar da casa dele.Enquanto isso, chegou o dia em que Rolando ia celebrar casamento com a outra; e, segundo o costume antigo daquela região, foram convidadas todas as moças para comparecer e cantarem em honra dos noivos. A fiel moça entristeceu-se profundamente, a ponto de sentir o coração despedaçar-se e não queria comparecer; mas as outras moças da região foram buscá-la e ela teve de ir. Quando chegou sua vez de cantar, ela que ficara para trás até que todas tivessem acabado, não pôde esquivar-se e cantou. Ao ouvi-la, Rolando deu um pulo e gritou:- Eu conheço essa voz! É essa a minha verdadeira noiva e não quero outra.Tudo o que havia esquecido e banido da mente, voltou-lhe como um relâmpago à memória e ao coração novamente. Então, a fiel namorada casou com o querido Rolando e o sofrimento terminou na mais completa alegria.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Rumpelstilzinho

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um moleiro que era muito pobre e tinha uma filha muito bonita. Certa vez, aconteceu-lhe falar com o rei e, para dar-se importância, disse-lhe:- Eu tenho uma filha capaz de fiar e transformar em ouro a simples palha.O rei, arregalando os olhos, pensou consigo mesmo: "Esse é um negócio excelente para mim!," pois ele era um poço de ambição o nada lhe chegava. Então, disse ao moleiro:- Se tua filha é na realidade tão engenhosa como dizes, traze-a amanhã ao palácio; quero submetê-la a uma prova.No dia seguinte, a moça foi apresentada ao rei, o qual a conduziu a uma sala cheia de palha até ao forro, tendo lá uma roca de fiar num canto.- Senta-te aí ao pé dessa roca de fiar, - disse o rei; - já que sabes transformar a palha em ouro, põe-te a trabalhar e, se até amanhã cedo não me tiveres produzido todo esse ouro, serás condenada à morte.Trancou a sala e foi-se embora sem mais uma palavra. A pobrezinha ficou só, na maior aflição deste mundo, pois nunca imaginara que se pudesse transformar palha em ouro e, sua aflição aumentando cada vez mais, pôs-se a chorar desconsoladamente. Nisso a porta rangeu e apareceu um gnomo muito lampeiro, dizendo:- Boa noite, linda moleira; por quê estás chorando assim?- Ai de mim, - soluçou ela; - o rei mandou-me transformar toda esta palha em ouro e eu não sei fazê-lo.- Hum! - disse o gnomo sorrindo brejeiro; - que me dás se eu fiar tudo como o rei deseja?- Oh, meu amiguinho, - respondeu ela; - dou-te o meu colar.O gnomo tomou o colar, examinou-o detidamente, guardou-o no bolso e, em seguida, sentou-se à roca: frr, frr, frr, fazia a roda, que girou três vezes, enchendo o fuso de fios de ouro. Fez girar mais três vezes: frr, frr, frr, e este outro fuso também logo ficou cheio; e assim trabalhou até que, pela madrugada, tinha desaparecido a palha, só ficando os fusos cheios de fios de ouro.Quando, ao nascer do sol, o rei foi à sala ver se suas ordens haviam sido cumpridas, ficou extasiado ao ver todo aquele ouro. Mas não se contentou, de coração ávido e ambicioso, desejou possuir ainda mais. Levou a moça para outra sala, ainda maior, que estava cheia de palha até ao teto e tornou a ordenar-lhe que fiasse aquilo tudo durante a noite, se tinha amor à vida.A pobre moça não sabia para que santo apelar e desatou outra vez num choro amargurado; mas eis que novamente a porta rangeu e o gnomo tornou a aparecer, perguntando:- Mais palha para fiar? Que me dás agora se eu fizer o mesmo trabalho de ontem?- Dou-te este anel que trago no dedo, - disse ela, apresentando-lhe o anel.O gnomo tomou o anel, examinou bem e depois recomeçou o zumbido da roda; ao raiar do dia, toda aquela palha estava transformada em fios de ouro puro e brilhante.O rei, muito cedo, foi ver o trabalho e exultou de alegria vendo aquela pilha de ouro. Sua ambição, porém, era desmedida; levou a moça para uma terceira sala, maior que as outras, tão cheia de palha que só ficara um cantinho para a roca de fiar.- Aí tens a palha que deves fiar durante esta noite; se o conseguires, casar-me-ei contigo. - "Embora seja filha de um simples moleiro, - pensava consigo mesmo o rei, - uma esposa mais rica não encontrarei no mundo todo!"Assim que ficou só, a moça esperou que aparecesse o gnomo; este não tardou.- Hum! Temos mais serviço hoje? O que me dás se eu te fiar toda esta palha?- Nada mais possuo, - disse ela tristemente; - já te dei tudo quanto tinha comigo.- Nesse caso, promete-me que me darás teu primeiro filho quando fores rainha.A moça pensou: "Quem sabe lá se me tornarei rainha algum dia!" E, para sair-se daquele apuro, prometeu ao gnomo tudo o que ele quis. No mesmo instante, o gnomo se pôs a fiar e, em pouco tempo, transformou toda a palha em ouro.Quando pela manhã bem cedo o rei chegou e viu tudo executado conforme seu desejo, ficou radiante de alegria e, cumprindo o que prometera, casou-se com a filha do moleiro, que assim se tornou rainha.Decorrido um ano, a rainha teve um filho lindo como os amores; estava tão feliz que já não se lembrava da promessa feita ao gnomo; mas este não se esquecera, entrou no quarto da rainha e disse-lhe:- Por três vezes ajudei-te! Agora dá-me o que me prometeste.A rainha ficou apavorada e ofereceu-lhe todas as riquezas do reino para que lhe deixasse aquele amor de criança; mas o gnomo, implacável disse:,- Não, não. Prefiro uma criaturinha viva a todos os tesouros do mundo.Então a rainha desatou a chorar e a lastimar-se de causar dó. O gnomo, condoído de sua grande dor, disse-lhe:- Está bem! Concedo-te três dias de prazo; se antes de vencer este prazo conseguires adivinhar meu nome, poderás ficar com a criança.A rainha encheu-se de esperança; passou a noite inteira pensando em todos os nomes que conhecia ou que ouvira mencionar; além disso, expediu vários mensageiros que percorressem o reino todo e perguntassem os nomes de quantos existiam.No dia seguinte, o gnomo apareceu e ela foi dizendo os nomes que sabia, a começar por Gaspar, Melchior, Baltazar, Benjamim, Jeremias e todos os que lhe ocorria no momento, mas a cada um, o gnomo exclamava:- Não. Não é esse o meu nome.No segundo dia, a rainha mandou perguntar o nome de todos os cidadãos das circunvizinhanças e repetiu ao gnomo os nomes mais incomuns e extravagantes.- Chamas-te, acaso, Leite-de-Galinha, Costela-de- Carneiro, Unha-de-boi ou Osso-de-baleia?Mas a resposta do gnomo não variava:- Não. Não é esse o meu nome.No terceiro dia, chegou o mensageiro e disse-lhe:Percorri todo o reino e não descobri nenhum nome novo. Mas, passando ao pé de uma montanha, justamente na curva onde a raposa e a lebre se dizem boa-noite, avistei uma casinha muito pequenina; diante da casinha havia uma fogueira em volta da qual estava um gnomo muito grotesco a dançar e pular com uma perna só. Estava cantando:
- Hoje faço o pão, amanhã a cerveja;a melhor é minha.Depois de amanhã ganho o filho da rainha.Que bom que ninguém sabe direitinhoque meu nome é Rumpelstilzinho!
Podeis bem imaginar a alegria da rainha ao ouvir essa história; decorou-a e quando, pouco depois, a porta rangeu e apareceu o gnomo a perguntar:- Então, minha Rainha, já descobriste o meu nome?A rainha para disfarçar, começou por dizer:- Chamas-te Conrado?- Não.- Chamas-te Henrique?- Não.- Não te chamas, por acaso, Rumpelstilzinho?Ao ouvir seu nome, o gnomo ficou assombrado; depois teve um acesso de cólera e berrou:- Foi o diabo quem te contou; foi o diabo quem te contou!E bateu o pé no chão com tanta força que rompeu o assoalho e afundou até à cintura. Ele, então, desesperado, agarrou o pé esquerdo com as duas mãos e puxou tanto que acabou rasgando-se ao meio.Desde esse dia, a rainha viveu tranquilamente com o seu filhinho.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, três irmãos, que foram ficando sempre mais pobres, até que, por fim a miséria chegou a tal ponto que começaram a padecer fome; nada mais tendo para botar na boca, disseram:- Assim não podemos continuar; é melhor sair a correr mundo para ver se encontramos dona sorte.Puseram-se a caminho e foram andando por estradas íngremes, campos e bosques, mas nada de encontrar a sorte. Um belo dia, chegaram a uma grande floresta, no meio da qual havia um morro; aproximaram-se dele e viram que era todinho de prata. Então, o mais velho disse:- Meu desejo está realizado, encontrei a sorte; nada mais peço.Apanhou tanta prata quanto lhe era possível carregar e voltou para casa. Mas os outros dois disseram:- Queremos que a sorte nos dê algo mais do que simples prata.Não tacaram nela e prosseguiram o caminho. Alguns dias depois, chegaram a uma montanha que era inteirinha de ouro. O segundo irmão, parou, refletiu um pouco indeciso, e disse de si para si: "Que devo fazer? Levo tanto ouro que me baste para o resto da vida, ou vou mais adiante?" - Por fim decidiu-se; encheu os bolsos tanto quanto lhe foi possível, despediu-se do irmão e voltou para casa. Mas o terceiro disse:- Ouro e prata são coisas que não me comovem: não quero renunciar ao que me reserva a sorte, pois acredito que terei coisa melhor.Continuou andando e, depois de três dias, chegou a uma floresta ainda maior que as precedentes, que parecia não ter fim. Mas como não tinha nada para comer e beber, ele sentia-se morrer de fome. Então trepou numa árvore muito alta para ver se de lá descortinava o limite da floresta; mas, a perder de vista, tanto quanto seus olhos podiam alcançar, só via copas de árvores e nada mais. Torturado pela fome, resolveu descer, e pensava: "Ah, se ao menos pudesse acalmar meu estômago!" Suspirando, escorregou para o chão e, qual não foi seu espanto ao ver debaixo da árvore uma linda mesa coberta das mais finas iguarias!- Eis que, desta vez, meu desejo foi atendido no momento oportuno.Sem se preocupar em saber quem tinha trazido a comida e nem quem a havia preparado, sentou-se e comeu com grande apetite o que lá estava, até ficar empanturrado. Após ter comido e bebido, pensou. "É pena deixar esta toalha tão fina estragar-se aqui na floresta, é melhor levá-la." Dobrou-a, cuidadosamente, e guardou-a no alforje. Em seguida, continuou o caminho; ao entardecer, sentindo fome novamente, quis experimentar se a toalha possuia algum dom especial; estendeu-a no chão e disse:- Toalhinha, quero que me sirvas uma boa comida.Mal acabara de exprimir esse desejo, a toalha logo se cobriu de pratos cheios dos mais deliciosos quitutes.- Agora posso ver a cozinha onde se preparam minhas refeições; tu me serás mais preciosa do que as montanhas de ouro e de prata.Com efeito, percebeu que a toalhinha era mágica. Entretanto, ela, por si só, não era suficiente para fazê-lo voltar para casa. Achou que devia, mais uma vez, tentar a sorte. E continuou andando, até que um dia, ao anoitecer, encontrou na floresta um carvoeiro todo enegrecido pelo carvão, que estava assando algumas batatas no fogo.- Olá! Boa-noite, Melro, como passas aqui nesta solidão?- Um dia igual ao outro, - respondeu o carvoeiro, - e todas as noites, batatas! Se quiseres, podes ser meu conviva.- Muito obrigado, - respondeu o moço, - não quero diminuir tua ração. Tu, certamente, não contavas com um hóspede e não tens muito o que comer; mas se lhe apraz, quero que sejas meu convidado.- Ora, e quem é que prepara o jantar? Pois vejo que não trazes nada contigo, e aqui não há ninguém que possa fornecer-te alguma coisa, a não ser a algumas horas de distância daqui.- No entanto, - respondeu a sorrir o moço, - teremos uma ceia como tu jamais tiveste a felicidade de provar.Tirou a toalha do alforje, estendeu-a no chão, e disse:- Toalhinha, põe a mesa.Imediatamente surgiram guisados e assados, fumegantes como se acabassem de sair da cozinha. O carvoeiro ficou espantado, arregalou os olhos, mas não se fez de rogado; tratou de servir-se copiosamente, metendo bocados enormes dentro da boca enegrecida. Após ter comido regaladamente, sorriu feliz e disse:- Escuta; essa toalhinha me agrada e vir ia a calhar perfeitamente aqui na floresta, onde ninguém me prepara nada de bom. Gostaria de propor-te uma troca. Olha lá naquele canto, está dependurada uma velha mochila de soldado; está velha e estragada, é verdade, mas ela é dotada de uma força mágica; ora, como eu não preciso mais dela, gostaria de trocá-la por essa toalhinha.- Sim, porém antes quero saber que dom ela possui, - replicou o moço.- Digo-te já. Todas as vezes que bateres nela com a mão, sairá do seu interior um oficial com seis homens, armados de mosquetes e facão, e tudo o que lhes ordenares será prontamente executado.De minha parte, se é realmente como dizes, aceito a permuta.Entregou a toalhinha ao carvoeiro, tirou a mochila do gancho, meteu-a às costas e despediu-se. Depois do ter andado um bocado de tempo, quis experimentar se a mochila tinha de fato o dom que lhe dissera o carvoeiro; bateu nela com a mão e, imediatamente, apresentaram-se os sete heróis; o oficial disse-lhe:- Que quer o meu amo e senhor?- Quero que, em marcha forçada, volteis à casa do carvoeiro para reclamar a restituição da minha toalha mágica.Os soldados deram meia-volta e daí a pouco já vinham trazendo o objeto pedido que, sem grande cerimônia, haviam tomado do carvoeiro. O moço ordenou que se recolhessem e continuou o caminho sempre com a esperança de ser ainda favorecido pela sorte. Quando o sol se punha, chegou à casa de outro carvoeiro, que estava preparando o jantar no fogo. O fuliginoso compadre disse-lhe:-Se te aprouver o meu jantar, algumas batatas com sal, mas sem gordura, acomoda-te.- Não, muito obrigado, - respondeu o moço, - desta vez serás meu hóspede.Estendeu a toalhinha no chão e esta logo se cobriu do melhor que se possa imaginar. Sentaram-se os dois, comeram e beberam alegremente e depois o carvoeiro disse:- Sobre aquela prateleira, eu tenho um chapeuzinho velho e esfarrapado, o qual, porém, é dotado de um dom especial: se alguém o mete na cabeça e o faz girar, vê surgir as colubrinas, em número de doze, que postadas em fila reta, se põem a funcionar atirando e destruindo tudo o que encontram e vencem qualquer resistência. Para mim o chapeuzinho não tem mais serventia, por isso gostaria de trocá-lo pela tua toalha.- Podemos trocar, - disse o moço.Pôs o chapeuzinho na cabeça e deixou em troca a toalhinha. Não havia ainda caminhado meia légua, bateu na mochila e mandou que os soldados fossem buscar a toalha na casa do carvoeiro."Uma cereja atrai a outra, - pensou, - e tenho a impressão que a sorte vai me favorecer ainda mais." E não se enganava.Após mais um dia de caminho, chegou à casa de um terceiro carvoeiro, que também lhe ofereceu batatas sem gordura. O moço agradeceu e ofereceu-lhe o jantar fornecido pela toalha mágica. O carvoeiro aceitou e ficou tão satisfeito, que acabou por presenteá-lo com uma corneta, cujo dons eram superiores aos do chapeuzinho. Se alguém soprava nela, logo ruíam as fortalezas, as cidades e as aldeias. O moço deu-lhe em troca a toalha, mas, logo em seguida, mandou a soldadesca recuperá-la; dessa maneira acabou possuindo tudo: a mochila, o chapeuzinho e a corneta, além da esplêndida toalha.- Agora estou feito, - disse, - e é tempo de voltar para casa, quero saber como estão passando meus irmãos.Chegando à sua cidade, viu que seus irmãos, com a fortuna adquirida, haviam construído uma linda casa e viviam regaladamente. Foi ter com eles, mas como vestia uma roupa muito esfarrapada e tinha aquele velho chapéu ensebado na cabeça, além daquela mochila feia nas costas, os irmãos não puderam reconhecê-lo e zombaram, dizendo:- Apresentas-te aqui como sendo nosso irmão, o qual desdenhou o ouro e a prata sonhando coisas melhores. Ele, porém, não virá assim; quando vier será em meio a grande pompa, numa carruagem suntuosa como um rei e não feito um mendigo como tu.Rindo e escarnecendo, enxotaram-no de sua presença.Mas o rapaz não gostou da brincadeira, ficou louco de raiva e bateu na mochila até reunir cento e cinquenta soldados que se postaram enfileirados. Depois ordenou que cercassem a casa dos irmãos, enquanto dois deles, munidos de uma vara de aveleira, eram incumbidos de dar uma boa sova nos dois pretensiosos, a fim de que aprendessem com quem estavam lidando.Desencadeou-se um grande motim; muitas outras pessoas acorreram para socorrer os dois irmãos, mas contra os soldados nada puderam fazer. Foram então avisar o rei, o qual, muito indignado, destacou um batalhão, ordenando ao comandante que expulsasse da cidade aquele perturbador da ordem pública. O dono da mochila, quando viu o batalhão, num abrir e fechar de olhos convocou tantos soldados que repeliram os do comandante, batendo-os vergonhosamente. Então o rei disse:- Temos de domar esse vagabundo insolente.No dia seguinte, mandou um contingente ainda maior contra ele; mas foi pior. Ele contrapôs forças muito superiores e, para acabar logo com o barulho, fez girar mais vezes o chapeuzinho, cuja artilharia se pôs a funcionar loucamente, dizimando os soldados e obrigando os demais a fugir. Quando as coisas se acalmaram, ele disse:- Agora não aceitarei a paz enquanto o rei não me der a filha por esposa e mais o reino para governar em seu nome.Enviou essa mensagem ao rei, que foi ter com a filha, dizendo:- O dever é uma noz muito dura, mas que posso fazer senão atender as suas exigências? Se tenho de conservar meu reino e obter a paz, sou obrigado a sacrificar-te!Diante disso, tiveram de aceitar e o casamento realizou-se. Mas a princesa estava furiosa por ter sido obrigada a casar com um simples homem da plebe, o qual, ainda por cima, não tirava aquele chapéu imundo da cabeça e aquela horrível mochila das costas. Com que prazer se livraria dele se pudesse! Pensava nisso dia e noite, até que por fim lhe ocorreu uma ideia: todas as suas forças não provinham acaso daquela mochila?Tornou-se dissimulada. Passou a tratá-lo carinhosamente, fazendo-lhe mil agrados e, quando viu que ele estava todo enternecido, disse-lhe:- Gostaria tanto que te despojasses dessa mochila horrível! Ficas tão feio assim, que eu me envergonho de ti.- Querida menina, - respondeu ele, - esta mochila representa meu maior tesouro; enquanto a tiver, força alguma neste mundo poderá amedrontar-me.E contou-lhe de que dom mágico era dotada. A princesa atirou-se-lhe ao pescoço como se o fosse beijar mas, com um gesto rapidíssimo, arrancou-lhe a mochila das costas e fugiu a toda a pressa. Assim que ficou só, bateu com a mão na mochila e logo apareceram os soldados; então ordenou que prendessem o antigo amo e o carregassem para fora do palácio real. Os soldados obedeceram e a traidora mandou ainda mais tropas contra ele, para que o enxotassem do reino.Naturalmente o moço estaria perdido se não tivesse o seu chapeuzinho. Assim que pôde livrar-se das mãos dos soldados, fê-lo girar várias vezes: imediatamente a artilharia começou a troar e tudo o que estava ao seu alcance começou a ruir. A princesa, então, viu-se obrigada a ir pessoalmente pedir-lhe clemência.Suplicou de modo tão comovedor, prometeu tão seriamente corrigir-se, que ele acreditou e deixou-se persuadir a fazer as pazes. Durante algum tempo ela mostrou-se gentilíssima, fingindo amá-lo com a maior sinceridade, empregou toda a sua arte para ludibriá-lo até que o induziu a confiar-lhe o segredo da sua força: mesmo apoderando-se da mochila, nada contra ele poderia enquanto conservasse o velho chapeuzinho.De posse do segredo, a princesa esperou que ele estivesse dormindo e aproveitou a oportunidade para tomar o chapéu e mandar jogá-lo no meio da rua. O moço enfureceu-se com isso, mas como ainda lhe restava a corneta, assoprou nela com quantas forças podia e, num relâmpago, começaram a ruir muralhas, fortalezas, cidades e aldeias. No meio desses escombros todos, foram encontrados os corpos do rei e da princesa, sem vida.Se não tivesse cessado, em tempo, de tocar a corneta, certamente acabaria desmoronando tudo, sem ficar pedra sobre pedra.Mas deteve-se em tempo e foi bom; porque, já não tendo mais ninguém que lhe fizesse objeções, ele acabou reinando sozinho para sempre.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Branca de Neve

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Há muito e muito tempo, bem no meio do inverno, quando os flocos de neve caíam do céu leves como plumas, uma rainha estava sentada costurando junto a uma janela com esquadrias de ébano. Costurava distraída, olhando os flocos de neve que caíam lá fora e, por isso, espetou o dedo com a agulha e três gotas de sangue caíram na neve. Aquele vermelho em cima do branco ficou tão bonito que ela pensou: "Eu queria ter um neném assim, que fosse branco como a neve, vermelho como o sangue e negro como a madeira da moldura desta janela."Algum tempo depois, ela teve uma filha, que era branca como a neve, vermelha como o sangue e tinha cabelos negros como o ébano. Deram a ela o nome de Branca de Neve, mas, quando ela nasceu, a rainha morreu.Um ano mais tarde, o rei casou de novo. A nova rainha era linda, mas muito orgulhosa e prepotente; tão vaidosa que não podia suportar a idéia de que alguém pudesse ser mais bonita do que ela. Tinha um espelho mágico e gostava de se olhar nele e perguntar: - Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondia:- Senhora Rainha, tu és a mais linda de todo o país.Então ela ficava satisfeita, porque sabia que o espelho dizia sempre a verdade.Mas, à medida que Branca de Neve crescia, ia ficando cada vez mais bonita e, quando tinha sete anos, já era tão bela quanto o dia e mais bonita do que a própria rainha. Um dia, quando a rainha perguntou ao espelho:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?O espelho respondeu:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.A rainha engoliu em seco, ficou amarela e verde de inveja. Cada vez que ela olhava para Branca de Neve, depois disso, tinha tanto ódio dela que seu sangue até fervia no peito. A inveja e o orgulho cresceram como ervas daninhas dentro do coração da rainha até que ela não conseguia ter um momento de sossego, nem de noite nem de dia. Finalmente, mandou chamar um caçador e disse:- Suma com essa menina da minha frente. Quero que você a leve para o fundo da floresta e a mate. Para provar que você fez mesmo isso, traga-me os pulmões e o fígado dela.O caçador obedeceu. Levou a menina para a floresta, mas, quando puxou seu facão de caça e se preparava para atravessar o coração inocente de Branca de Neve, ela começou a chorar e disse:- Por favor, querido caçador, deixe-me viver. Eu fujo para o fundo do mato e nunca mais volto para casa...Ela era tão bonita que o caçador ficou com pena e disse:- Está bem, menina, pobre coitada. Fuja!Mas, para si mesmo, pensou: "Num instante os animais selvagens vão devorá-la." Porém, como nesse caso não era ele mesmo quem ia matar a criança, isso já tirava um peso enorme de cima dele. Logo depois, um filhote de javali saiu correndo do mato. O caçador meteu a faca nele, tirou os pulmões e o fígado e os levou para a rainha, como prova de que tinha cumprido sua missão. A malvada mandou o cozinheiro salgar e assar esses miúdos e comeu tudo, certa de que estava comendo os pulmões e o fígado de Branca de Neve.Enquanto isso, a pobre menina estava sozinha no meio da grande floresta. Apavorada, ela se assustava com todas as folhas das árvores e não sabia para onde ir. Começou a correr. Correu, correu, por cima de pedras afiadas e pelo meio de moitas de espinhos e os animais ferozes passavam por ela sem fazer mal nenhum. Correu enquanto as pernas agüentaram até que, finalmente, pouco antes de anoitecer, avistou uma casinha e entrou nela para descansar.Lá dentro tudo era pequenininho, mas limpo de fazer gosto. A mesa estava posta com uma toalha branca e sete pratinhos, cada um com sua faca, seu garfo, sua colher e sete canequinhas. Do outro lado, junto à parede, havia sete caminhas enfileiradas, cobertas por lençóis brancos imaculados. Branca de Neve estava morrendo de fome e sede, mas não queria comer a comida toda de ninguém, por isso comeu um pouquinho de pão e de legumes de cada prato e bebeu um gole de vinho de cada caneca. Depois estava tão cansada que resolveu se deitar em uma das camas, mas nenhuma servia exatamente para ela - algumas eram compridas demais, outras eram curtas demais, até que a sétima era do tamanho perfeito. Resolveu ficar por ali, rezou suas orações e caiu no sono.
Quando já estava bem escuro, chegaram os donos da casa. Eram sete anões que, todos os dias, iam para as montanhas minerar prata, com suas pás e picaretas. Acenderam suas sete velinhas e, quando tudo ficou iluminado, eles perceberam que alguém tinha estado por ali, porque algumas coisas estavam fora do lugar. O primeiro disse:- Quem sentou na minha cadeira?E o segundo:- Quem comeu no meu prato?E o terceiro:
- Quem deu uma dentada no meu pão?E o quarto:- Quem andou beliscando os meus legumes?E o quinto:- Quem usou o meu garfo?E o sexto:- Quem cortou com minha faca?E o sétimo:- Quem bebeu na minha caneca?Depois, o primeiro olhou em volta e viu que a cama dele estava amassada, como se
tivesse uma coisa cavada no meio e perguntou:- Quem deitou na minha cama?Os outros vieram correndo e gritaram:- Alguém deitou na minha cama também!
Mas quando o sétimo olhou para a cama dele, viu que Branca de Neve ainda estava deitada lá, dormindo. Chamou os outros, que chegaram num instante. Começaram a gritar muito espantados, foram buscar as velas e as levantaram bem alto por cima de Branca de Neve:- Deus do céu! - gritaram - Deus do céu! Que menina tão linda!
Ficaram tão maravilhados com ela que nem a acordaram, mas deixaram que ela continuasse dormindo na caminha. O sétimo anão dormiu com seus companheiros, uma hora com cada um e depois a noite já tinha acabado.Na manhã seguinte, Branca de Neve acordou e, quando viu os sete anões, levou um
susto. Mas eles foram muito simpáticos, com um jeito amigo e perguntaram:- Qual é o seu nome?- Meu nome é Branca de Neve - respondeu ela.- Como é que você veio parar na nossa casa? - os anões quiseram saber.
Então ela contou a eles tudo o que tinha acontecido, como a madrasta queria matá-la, como o caçador poupou a vida dela, como ela tinha caminhado o dia todo até que, finalmente, encontrou a casinha deles. Os anões disseram:
- Se você tomar conta de nossa casa, cozinhar para nós, fizer as camas, lavar, costurar e cerzir as nossas roupas e deixar tudo bem limpinho e arrumado sempre, pode ficar morando conosco e nunca vai lhe faltar nada.- Que bom! - disse Branca de Neve - Eu ia adorar...
E foi assim que ela ficou tomando conta da casa. Todas as manhãs eles saíam para a montanha, para garimpar ouro e prata e, todas as noites, voltavam para casa e ela tinha que ter feito o jantar. Mas ela passava o dia todo sozinha e os bondosos anões acharam bom avisar:- Muito cuidado com sua madrasta. Ela vai descobrir logo que você está aqui. Nãodeixe ninguém entrar nunca.
Pois bem, a rainha que pensava ter comido os pulmões e o fígado de Branca de Neve, agora tinha certeza de que era a mais bonita do lugar. Foi até diante do espelho e perguntou:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondeu:
- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.
A rainha engoliu em seco. Como ela sabia que o espelho não mentia nunca, compreendeu que o caçador a enganara e que Branca de Neve ainda estava viva. Ficou então pensando sem parar, imaginando que jeito podia dar para matar a menina, porque ela tinha que ser a mulher mais linda do mundo... Se não, a inveja não ia deixá-la em paz. Afinal, acabou fazendo um plano. Sujou o rosto todo e se vestiu como se fosse uma velha vendedora ambulante, para que ninguém pudesse reconhecê-la. Com esse disfarce, atravessou as sete montanhas até a casa dos sete anões, bateu na porta e anunciou:
- Belas coisas para vender! Quem quer comprar? Bonito e barato!Branca de Neve olhou pela janela e perguntou:- Bom dia, minha boa velha, que é que a senhora tem para vender?- Corpetes lindos, de todas as cores - respondeu ela. E estendeu um corpete brilhante,tecido em seda colorida."Esta senhora tem um ar tão honesto," pensou Branca de Neve, "não pode fazer malse eu deixar que ela entre..." Por isso, abriu a porta e comprou o belo corpete.- Minha filha, você está toda mal-ajambrada! - disse a velha - Venha cá, deixe que eudê o laço direito...
Sem desconfiar de nada, Branca de Neve se aproximou dela e deixou que a velha a vestisse e amarrasse o corpete novo. Mas ela teve um gesto tão rápido e apertou tanto o cadarço do colete, que Branca de Neve ficou sem fôlego e caiu como se tivesse morrido.- Muito bem, - disse a rainha - agora você não é mais a mais linda do mundo.
E foi embora correndo. Um pouco mais tarde, quando caiu a noite, os sete anões voltaram para casa. Ficaram horrorizados ao ver sua adorada Branca de Neve caída no chão! Ela estava tão imóvel que eles pensaram que ela estivesse morta. Levantaram-na com cuidado e, quando viram que a roupa estava apertada demais, cortaram o corpete. Com isso, ela respirou um pouquinho e, bem devagar, foi voltando à vida. Quando os anões ouviram o que tinha acontecido, disseram:- É claro que essa velha vendedora era a rainha malvada e mais ninguém. Você tem
que ser mais cuidadosa e não pode deixar ninguém entrar em casa.Quando a malvada chegou em casa, foi direto para a frente do espelho perguntar:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondeu, como sempre:
- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.Quando ouviu isso, a rainha sentiu um aperto tão grande no peito que parecia que osangue ia ferver, pois compreendeu que Branca de Neve ainda estava viva.- Mas não faz mal... - disse - Desta vez vou pensar em alguma coisa que vai mesmodestruir você de uma vez por todas...Com a ajuda de uns encantamentos mágicos que conhecia, fez um pente envenenado.Depois se disfarçou de novo, como se fosse outra velhinha. E, mais uma vez,
atravessou as sete montanhas até a casa dos sete anões, bateu na porta e disse:- Belas coisas para vender! Quem quer comprar? Bonito e barato!Branca de Neve olhou pela janela e disse:- Vá embora! Não posso deixar ninguém entrar.- Mas você pode olhar, não pode? - perguntou a velha, mostrando o pente.A menina gostou tanto dele que esqueceu de tudo e abriu a porta. Combinaram opreço e aí a velha disse:- Agora eu vou pentear você direitinho.
Sem desconfiar de nada, Branca de Neve ficou bem quieta, deixando que a velha a penteasse, mas, assim que o pente tocou seu cabelo, o veneno fez efeito e ela caiu desmaiada, como se estivesse morta.- Aí está, minha beleza, - disse a malvada - agora vai ser o seu fim.
E foi-se embora. Mas, felizmente, a noite já vinha caindo e logo os anões chegaram em casa. Quando viram Branca de Neve caída no chão como se estivesse morta, imediatamente desconfiaram da madrasta. Examinaram Branca de Neve com cuidado e encontraram o pente envenenado. Assim que o arrancaram dos cabelos dela, a menina despertou e contou como tudo tinha acontecido. Mais uma vez, eles avisaram que ela precisava ter cuidado e não devia abrir a porta para ninguém. Quando a rainha chegou ao castelo, foi direto para o espelho e perguntou:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?O espelho respondeu do mesmo jeito que antes:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se
embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todasas lindas que há por aí.Quando ouviu o espelho dizer isso, ela tremeu e se sacudiu de raiva, gritando:- Branca de Neve tem que morrer! Mesmo que isto custe a minha própria vida.Então ela foi até um quarto secreto e isolado onde ninguém entrava, nem se sabia queexistia e fez uma maçã muito venenosa. Tinha um aspecto tão bonito por fora, brancacom faces vermelhas, que qualquer pessoa que a visse ia querer comer. Mas qualquerum que comesse um pedacinho ia morrer. Quando a maçã ficou pronta, ela sujou bemo rosto e se disfarçou de camponesa. E, mais uma vez, atravessou as sete montanhasaté a casa dos sete anões. Bateu na porta e Branca de Neve pôs a cabeça para forada janela.- Não posso deixar ninguém entrar. Os anões não querem.- Não faz mal - disse a camponesa - eu só quero me livrar dessas maçãs. Tome. Eulhe dou uma de presente.- Não posso - disse Branca de Neve - não posso aceitar nada.
- Você está com medo de que esteja envenenada? - perguntou a velha - Bobagem... Veja, vou cortar a maçã pelo meio. Você fica com a banda vermelha e eu fico com a banda branca.
Mas a maçã tinha sido tão bem feita que só a banda vermelha é que tinha veneno. Branca de Neve estava morrendo de vontade de comer a maçã e, quando viu a camponesa dando uma dentada na fruta, não conseguiu resistir. Estendeu a mão e pegou a metade envenenada. Assim que deu uma mordida, caiu morta no chão. A rainha deu um olhar cruel, uma gargalhada terrível e disse:- Branca como a neve, vermelha como o sangue, negra como o ébano... Desta vez os
anões não vão conseguir reviver você...E, quando chegou ao castelo, perguntou ao espelho:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho finalmente respondeu:- Senhora Rainha, tu és a mais linda de todo o país.
Então seu coração invejoso ficou sossegado - se é que um coração invejoso pode ficar sossegado. Quando os anões voltaram para casa ao cair da noite, encontraram Branca de Neve caída no chão. Não saía nem um pouco de hálito de sua boca e ela estava morta realmente.
Eles a levantaram, procuraram bem para ver se encontravam alguma coisa venenosa, afrouxaram as roupas dela, despentearam o cabelo, lavaram a menina com água e vinho, mas não adiantou nada - sua bem-amada estava morta e morta ficou. Puseram-na numa maca, sentaram-se todos em volta, choraram e se lamentaram durante três dias. Depois iam enterrá-la. Mas ela ainda tinha aspecto fresco e cheio de vida e continuava com suas lindas bochechas vermelhas.- Não podemos botar essa menina na terra escura - disseram.
Então fizeram um caixão transparente, de vidro, de modo que ela pudesse ser vista de todos os lados. Deitaram Branca de Neve no caixão e escreveram o nome dela em letras de ouro, acrescentando que ela era filha de um rei. Depois puseram o caixão no alto de uma colina e um deles sempre ficava ao lado, montando guarda. E os pássaros foram chegando e também choraram por Branca de Neve; primeiro uma coruja, depois um corvo e depois uma pomba.
Branca de Neve ficou no caixão por muitos e muitos anos. Ela não se decompunha e parecia dormir, continuando sempre branca como a neve, vermelha como o sangue e negra como o ébano. Até que um dia um príncipe veio por aquela floresta e parou para passar a noite junto à casa dos sete anões. Viu o caixão no alto da colina, viu a linda Branca de Neve dentro dele, leu as letras de ouro no caixão. Então, disse aos anões:- Eu quero esse caixão, por favor. Pagarei por ele o quanto vocês pedirem.Mas os anões responderam:- Não nos separaríamos dele nem por todo o dinheiro do mundo.
- Então, por favor, me dêem o caixão, - insistiu ele - porque não vou poder continuar vivendo se não puder ficar olhando Branca de Neve. Vou honrá-la e respeitá-la para sempre.
Aí os anões ficaram com pena e resolveram dar o caixão a ele. Quando os criados do príncipe o levantaram e foram carregá-lo nos ombros, um deles tropeçou numa raiz. Com o tropeção, o pedaço envenenado da maçã que ela havia comido se soltou da garganta, Branca de Neve desengasgou, abriu os olhos, levantou a tampa do caixão, sentou e voltou à vida.
- Onde é que eu estou? - perguntou.- Está comigo! - respondeu o príncipe, todo alegre.Então ele contou o que tinha acontecido e disse:- Eu amo você mais do que qualquer outra coisa no mundo. Venha comigo até ocastelo de meu pai e vamos nos casar.
Branca de Neve também se apaixonou pelo príncipe e foi com ele. Começaram logo os preparativos para uma festa maravilhosa de casamento. A madrasta malvada de Branca de Neve também foi convidada. Depois de se arrumar toda, com suas roupas mais bonitas, foi para a frente do espelho perguntar:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país? O espelho respondeu:- Senhora rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas a jovem rainha é mil vezesmais linda que todas as lindas que há por aí.Ouvindo isso, a malvada xingou e amaldiçoou. Ficou tão horrorizada que não sabia o que fazer. Primeiro não queria ir ao casamento, mas não podia resistir à curiosidade de ver a jovem rainha. No momento em que entrou no salão, reconheceu Branca de Neve e ficou tão apavorada que nem conseguiu se mexer. Mas já tinham mandado botar dois sapatinhos de ferro na brasa. Alguém os tirou de lá com umas tenazes e os pôs diante dela, que foi obrigada a calçar os sapatinhos em brasa e dançar até cair morta.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O rei Barba de Tordo

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um rei que tinha uma filha extraordinariamente linda, mas tão soberba e orgulhosa que pretendente algum lhe parecia digno dela; repelia-os todos, um após outro e, ainda por cima, fazia troça deles.Certo dia, o rei organizou uma grande festa e convidou, das regiões vizinhas e distantes, todos os homens que desejassem casar. Foram colocados todos em fila, de acordo com as próprias categorias e nobreza: primeiro os reis, depois os duques, os príncipes, os condes, os barões e, por fim, os simples fidalgos. Em seguida, fizeram a princesa passar em revista a fila dos candidatos mas ela criticou um por um, em todos encontrando defeitos; um era muito gordo: - Que pipa! - dizia; o outro muito comprido: - Comprido e fino não dá destino! - o terceiro era muito pequeno: - Gordo e baixo graça não acho; - o quarto era pálido: - A morte pálida! - O quinto multo corado: - Peru de roda: - o sexto não era muito direito: - lenha verde secada atrás do forno; - e assim por diante. Punha defeitos em todos mas, especialmente, visou e divertiu-se a troçar de um bom rei que estava na primeira fila, o qual tinha o queixo um tanto recurvo.- Oh, - exclamou, rindo-se abertamente, - esse tem o queixo igual ao bico de um tordo.E daí por diante, o pobre rei ficou com o apelido de Barba de Tordo. Mas o velho rei, ao ver a filha caçoar do próximo e desprezar todos os pretendentes lá reunidos, encolerizou-se violentamente; e jurou que a obrigaria a casar-se com o primeiro mendigo que aparecesse à sua porta.Decorridos alguns dias, um músico-ambulante parou sob a janela, cantando para ganhar uma esmola. Ouvindo-o, o rei disse:- Mandai-o entrar.O músico-ambulante entrou, vestido de andrajos imundos; cantou na presença do rei e da filha e, quando terminou, pediu-lhes uma esmolinha. O rei disse-lhe:- Tua canção agradou-me tanto que vou dar-te minha filha em casamento.A princesa ficou horrorizada, mas o rei disse:- Jurei que te daria ao primeiro mendigo que aparecesse e cumprirei meu juramento.De nada valeram os protestos e as lágrimas. Foram chamar o padre e ela teve de casar-se com o musico. Depois do casamento, o rei disse-lhe:- Não é lógico que a mulher de um mendigo fique morando no palácio real; portanto, deves seguir teu marido.O mendigo saiu levando-a pela mão, e, assim, ela teve de caminhar a pé, ao lado dele. Chegaram a uma grande floresta e então ela perguntou:
- A quem pertence esta bela floresta?Pertence ao rei Barba de Tordo;Se o tivesses querido, pertenceria a ti.Ah! como fui tola, meu bem,Porque não quis ao ReiQue a Barba de Tordo tem!
Depois atravessaram um belo prado verde jante e ela novamente perguntou:
- A quem pertence este belo prado?Pertence ao rei Barba de Tordo;Se o tivesses querido, pertenceria a ti.Ah! como fui tola, meu bem,Porque não quis ao ReiQue a Barba de Tordo tem!
Mais tarde chegaram a uma grande cidade e ela perguntou mais uma vez:
- A quem pertence esta grande e bela cidade?Pertence ao Rei Barba de Tordo;Se o tivesses querido, pertenceria a ti.Ah! como fui tola, meu bem,Porque não quis ao ReiQue a Barba de Tordo tem!
O músico-ambulante, então, disse:- Não me agrada nada ouvir lamentares-te por não teres outro marido: achas que não sou digno de ti?Finalmente chegaram a uma pobre casinha pequenina e ela disse:
- Ah! meu Deus. que casinha pequeninaA quem pertence a pobrezinha?
O músico respondeu:- É a minha casa e a tua; aqui residiremos juntos.A porta era tão baixa que, para entrar, a princesa teve de curvar-se.- Onde estão os criados? - perguntou ela.- Qual o que criados! - respondeu o mendigo; - o que há a fazer deves fazê-lo tu mesma. Acende logo o fogo e põe água a ferver para preparar a ceia! Eu estou muito cansado e quase morto de fome.Mas a princesa não sabia acender o fogo, e nem serviço algum de cozinha, e o mendigo teve de ajudá-la se queria ter algo para comer. Tenho engolido a mísera comida, foram deitar-se; na manhã seguinte, logo cedo, ele tirou-a da cama para que arrumasse a casa. E assim viveram, pobre e honestamente, diversos dias até se consumir a provisão que tinham. Então, o marido disse:- Mulher, não podemos continuar assim, comendo sem ganhar. Tu deves tecer cestos.Saiu a cortar juncos e trouxe-os para casa; ela pôs- se a tecê-los, mas os juncos muito duros feriam-lhe as mãos delicadas.- Vejo que isso não vai, - disse o homem, - é melhor que fies! Talvez consigas fazer algo.Ela sentou-se e tentou fiar, mas o fio duro cortou-lhe logo os dedos finos até escorrer sangue.- Vês, - disse o marido, - não sabes fazer coisa alguma; contigo fiz mau negócio. Vou tentar o comércio de panelas e potes de barro: tu poderás vendê-los no mercado."Ah! - pensou ela, - se vier ao mercado alguém do reino de meu pai e me vir sentada lá a vender panelas, como irá escarnecer de mim!"Mas não tinha remédio, ela foi obrigada a ir, se não quisesse morrer de fome. Da primeira vez, tudo correu bem; porque era muito bonita, a gente que ia ao mercado comprava prazerosa a mercadoria e pagava o que exigia; muitos, aliás, davam-lhe o dinheiro e não levavam objeto algum. Com o lucro obtido, viveram até que se acabou, depois o homem adquiriu novo estoque de pratos; ela foi ao mercado, sentou-se num canto e expôs a mercadoria. De repente, porém, chegou desenfreadamente um soldado bêbado, atirando o cavalo no meio da louça e quebrando tudo em mil pedaços. Ela desatou a chorar e na sua aflição não sabia o que fazer.- Ah, que será de mim! - exclamava entre lágrimas; - que dirá meu marido?Correu para casa e contou-lhe o sucedido.- Mas, quem é que vai sentar-se no canto do mercado com louça de barro! - disse ele. - Deixa de choro, pois já vi que não serves para nada. Por isso estive no castelo do nosso rei e perguntei se não precisavam de uma criada para a cozinha; prometeram-me aceitar-te; em troca terás a comida.Assim a princesa tornou-se criada de cozinha; era obrigada a ajudar o cozinheiro e a fazer todo o trabalho mais rude. Em cada bolso, trazia uma panelinha para levar os restos de comida para casa e era com o que viviam.Ora, deu-se o caso que iam celebrar as bodas do filho primogênito do rei; a pobre mulher subiu pela escadaria e foi até a porta do salão para ver o casamento. Quando se acenderam as luzes e foram introduzidos os convidados, um era mais bonito que o outro; em meio a tanto luxo e esplendor ela pensava, tristemente, no seu destino e amaldiçoava a soberba e a arrogância que a haviam humilhado e lançado naquela miséria.De quando em quando os criados atiravam-lhe alguma migalha daqueles acepipes que iam levando de um lado para outro, e cujo perfume chegava às suas narinas; ela apanhava-as, guardava-as nas panelinhas a fim de levá-las para casa. De repente, entrou o príncipe, todo vestido de seda e veludo, com lindas cadeias de ouro em volta do pescoço. Quando viu a linda mulher aí parada na porta, pegou-lhe a mão querendo dançar com ela; mas ela recusou espantada, pois reconhecera nele o rei Barba de Tordo, o pretendente que havia repelido e escarnecido. Mas sua recusa foi inútil, ele atraiu-a para dentro da sala; nisso rompeu-se o cordel que prendia os bolsos e caíram todas as panelinhas, esparramando- se a sopa e os restos de comida pelo chão. A vista disso, caíram todos na gargalhada, zombando dela; ela sentiu tal vergonha que desejou estar a mil léguas de distância. Saiu correndo para a porta, tentando fugir daí, mas um homem alcançou-a na escadaria e fê-la voltar, novamente, para a sala. Ela olhou para ele e viu que era sempre o rei Barba de Tordo, o qual, gentilmente, lhe disse:- Nada temas, eu e o músico-ambulante que morava contigo no pequeno casebre, somos a mesma pessoa.Por amor a ti disfarcei-me assim, e sou, também, o soldado que quebrou a tua louça. Tudo isto sucedeu com o fim de dobrar o teu orgulho e punir a arrogância com que me desprezaste.Chorando, amargamente, ela disse:- Eu fui injusta e má, portanto não sou digna de ser sua esposa.Mas ele respondeu:- Consola-te, os maus dias já acabaram; agora vamos celebrar as nossas núpcias!Vieram, então, as camareiras e vestiram-na com os mais preciosos trajes; depois chegou o pai com toda a corte, a fim de apresentar-lhe congratulações pelo casamento com o rei Barba de Tordo e, só então, começou a verdadeira festa.- Ah! como gostaria de ter estado lá contigo nessas bodas!Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Pássaro-achado

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um guarda-florestal, que foi caçar na floresta e, ao penetrar nela, ouviu choro de criança pequena. Seguiu em direção de onde vinha o choro e foi dar ao pé de uma grande árvore, em cima da qual, deitada nos galhos, estava uma criancinha. A mãe havia adormecido debaixo da árvore com o filhinho no colo e uma ave de rapina, avistando-o, desceu voando, agarrou-o com o bico e levou-o para o alto da árvore.O guarda-florestal trepou na árvore e foi buscá-lo, e pensava: levá-lo-ás para casa e o criarás juntamente com a tua Leninha." Levou-o para casa e as duas crianças cresceram juntas. O menino que havia encontrado sobre a, árvore, e que fora roubado por uma ave de rapina, foi chamado Pássaro-achado. Pássaro-achado e Leninha amavam-se tanto e tanto, que se os separassem, cairiam na maior tristeza.O guarda-florestal, porém, tinha uma velha cozinheira, a qual, uma tarde, pegou dois baldes e começou a baldear água; não uma vez, mais muitas vezes foi buscá-la na fonte, e Leninha, vendo isso, perguntou-lhe:- Escuta aqui, velha Sana, para que trazes tanta água?- Se não o contares a ninguém, eu te direi por que.Lena prometeu não contar a ninguém e. então a cozinheira disse:- Amanhã cedo, quando o guarda-florestal sair para caçar, ponho a ferver a água; quando estiver fervendo jogarei dentro Pássaro-achado para cozinhar.Na manhã seguinte, o guarda-florestal levantou-se bem cedo e foi caçar; já tinha saído e as crianças ainda estavam na cama. Leninha então disse, em voz baixa, a Pássaro-achado:- Se não me abandonares, eu também não te abandonarei.- Nunca, jamais, - disse baixinho Pássaro-achado.Então Leninha disse-lhe:- Quero contar-te que, ontem à tarde, a velha Sana estava carregando água para dentro, muitos baldes de água; então, perguntei-lhe para que era; ela respondeu-me que mo diria se eu não o repetisse a ninguém; prometi-Ihe que não o repetiria a ninguém; então ela disse que, no dia seguinte, quando nosso pai fosse caçar, poria a água a ferver no tacho; quando estivesse fervendo, jogar-te-ia dentro para cozinhar-te. Levantemo-nos depressa, fujamos daqui.As duas crianças levantaram-se, vestiram-se rapidamente e fugiram. Assim que a água começou a ferver, a cozinheira foi ao quarto buscar Pássaro-achado para jogá-lo no tacho. Mas, aproximando-se das camas, viu que as crianças já não estavam lá; então ficou com medo e disse de si para si: "O que direi ao guarda-florestal quando ele voltar e não encontrar mais as crianças? Depressa, depressa, é preciso correr atrás delas e apanhá-las!"A cozinheira mandou que três criados fossem correndo em busca das crianças. Mas estas estavam sentadas à orla da floresta e, quando viram os criados que se aproximavam correndo, Leninha disse a Pássaro-achado:- Se não me abandonares, eu também não te abandonarei.- Nunca, jamais, - disse Pássaro-achado.Leninha, então, disse-lhe:- Transformemo-nos, tu em roseira e eu em uma rosinha.Quando os três criados chegaram perto da floresta, não viram ninguém, nem sombra de menino, apenas uma roseira com uma rosinha e foram contar à cozinheira; esta ralhou com eles dizendo:- Tolos, ingênuos, devíeis ter cortado a roseira, colher a rosa e trazê-la para casa; voltai depressa, ide buscá-la.E, pela segunda vez, os criados tiveram que ir até à orla da floresta em busca dos meninos. Mas os meninos viram-nos de longe e Leninha disse:- Se não me abandonares, eu também não te abandonarei.- Nunca, jamais, - disse Pássaro-achado.- Transformemo-nos, - disse Leninha, - tu em igreja e eu em lampadário.Quando os três criados chegaram, não viram mais nada a não ser uma igreja com o lampadário dentro dela. Perguntaram uns aos outros:- Que podemos fazer? É melhor voltar para casa.Chegando em casa, a cozinheira perguntou-lhes sehaviam encontrado alguma coisa; eles explicaram nada ter encontrado senão uma igreja e dentro dela um lampadário.- Tolos, - gritou muito zangada a cozinheira, - por quê não demolistes a igreja e não trouxeste aqui o lampadário?A velha, então, resolveu ir com os três criados. Mas os meninos viram de longe os criados, atrás dos quais tropegava a cozinheira. Leninha disse:- Pássaro-achado, se não me abandonares, eu também não te abandonarei.- Nunca, jamais, - respondeu ele.- Torna-te um lago e eu uma patinha dentro dele.A cozinheira chegou, viu o lago e, deitada na margem dele, queria bebê-lo todo. Mas a patinha veio nadando depressa, com o bico puxou-a pelos cabelos para dentro da água e a velha bruxa morreu afogada.As crianças, então, voltaram alegres e contentes para casa e, se não morreram, ainda estão felizes.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um rei e uma rainha que diariamente diziam: "Ah, se tivéssemos um filho!" Mas o filho não havia meios de chegar. Certo dia, estava a rainha tomando banho e eis que da água pula uma rã dizendo-lhe:- Teu desejo se realizará; antes que tenha decorrido um ano, terás uma menina.A profecia da rã confirmou-se e a rainha teve uma menina tão linda que o rei não cabia em si de alegria e organizou uma esplêndida festa. Não só convidou os parentes, amigos e conhecidos, como também as fadas, para que fossem propícias e benévolas para com a recém-nascida. No reino, havia treze fadas, mas ele dispunha só de doze pratos de ouro para o banquete; portanto, uma delas teve de ficar em casa.A festa foi realizada com o maior esplendor o, quando estava para terminar, as fadas dotaram a menina de dons maravilhosos. A primeira dotou-a com a virtude, a segunda com a beleza, a terceira com a riqueza, e, assim por diante, com tudo o que se possa desejar no mundo. Onze fadas haviam formulado o seu dom quando, repentinamente, chegou a décima terceira. Queria vingar-se por não ter participado da festa e, sem olhar e sem cumprimentar ninguém, disse cm voz alta:- Aos quinze anos, a princesa espetará o dedo com um fuso c cairá morta.Sem acrescentar mais nada, virou as costas e saiu da sala.Entre a consternação geral, adiantou-se a décima segunda fada, que ainda não havia formulado o voto e, como não podia anular o cruel decreto, apenas mitigá-la disse:- A princesa não morrerá, mas cairá em sono profundo, que durará cem anos.O rei, que desejava a todo custo preservar a filhinha querida de tal desventura, deus ordens para que se queimassem todos os fusos existentes no reino.Os demais dons das fadas confirmaram-se; a menina era tão linda, amável, gentil e inteligente, que era impossível olhar para ela sem admirá-la e querer-lhe bem. Eis que, justamente no dia cm que completou quinze anos, estando o rei e a rainha ausentes, ela ficou sozinha no castelo. Perambulou, então, por toda parte, inspecionou à vontade todos os aposentos e, por fim, foi dar a uma antiga torre. Subiu por estreita escada de caracol e chegou diante de uma porta. Na fechadura, estava uma chave enferrujada e, quando a girou, a porta abriu-se, deixando ver um pequeno tugúrio, onde uma velha, sentada diante de sua roca com o fuso, fiava ativamente o linho.- Boa tarde, avozinha, - disse a princesa, - que estás fazendo?- Estou fiando, - disse a velha, acenando-lhe com a cabeça.- O que é isso que gira tão engraçado? - perguntou a menina, e pegou o fuso para experimentar se sabia manejá-lo. Mas, apenas tocou nele, realizou-se a predição da fada e ela espetou o dedo.No mesmo instante em que sentiu a picada, caiu na cama que ali estava e mergulhou em sono profundo. Esse sono propagou-se por todo o castelo: o rei e a rainha, regressando nesse momento, adormeceram na sala assim como toda a corte.Dormiam os cavalos na estrebaria, os cães no terreiro, os pombos no telhado, as moscas na parede; até o fogo, que flamejava na lareira, apagou-se e adormeceu; o assado cessou de cozer e o cozinheiro, que tentava agarrar pelos cabelos um ajudante, também adormeceu nessa posição. O vento paralisou-se e, nas árvores diante do castelo, não se mexeu mais nenhuma folhinha.Em volta do castelo cresceu, então, uma sebe de espinhos, que cada ano se tornava mais alta e acabou por circundá-lo e cobri-lo todo, de maneira que não se via mais nada dele, nem mesmo a flâmula hasteada sobre o teto. Na região, espalhou-se a lenda da bela Rosicler ou, da Bela Adormecida no Bosque, como ficou sendo denominada a princesa. De vez em quando, aparecia algum príncipe tentando atravessar o espinheiro para penetrar no castelo, mas não o conseguia, pois o espinheiro impedia-os como se tivessem mão, e os segurassem; assim os jovens ficavam emaranhados e, não podendo desvencilhar-se, acabavam morrendo de morte horrível.Decorridos muitos e muitos anos, chegou à região um príncipe; ouvira um velho falar no espinheiro, dizendo que atrás dele havia um castelo onde belíssima princesa, chamada Rosicler, dormia há cem anos, e com ela dormiam o rei, a rainha e toda a corte. O príncipe já ouvira seu avô contar que muitos príncipes haviam tentado atravessar o espinheiro, mas que ficaram emaranhados e acabaram morrendo horrivelmente. Então, o príncipe disse:- Eu não temo coisa alguma; abrirei uma brecha no espinheiro e chegarei onde se encontra a Bela Adormecida.Não deu atenção ao bom velho, que tentou, por todos os meios, dissuadi-lo da empresa. E, justamente, haviam decorrido os cem anos, tendo chegado o dia em que a Bela Adormecida devia despertar.Quando o príncipe se aproximou do espinheiro, viu que estava todo coberto de grandes e belíssimas flores que, espontaneamente, se separaram para deixá-lo passar ileso, fechando-se depois às suas costas. No pátio do castelo deparou com cavalos e cães de caça malhados, dormindo, estendidos no chão; no telhado viu os pombos com a cabecinha debaixo da asa, também dormindo. Ao penetrar no interior do castelo, viu as moscas dormindo, grudadas na parede; na cozinha, o cozinheiro na mesma atitude em que fora colhido pelo sono e a criada sentada diante da galinha preta que estava depenando. Continuou andando e na sala viu toda a corte dormindo e, recostados no trono, jaziam adormecidos, também, o rei e a rainha. Mais além, o silêncio era tão completo que ele ouvia sua própria respiração: finalmente, foi dar à velha torre e abriu a porta do tugúrio onde dormia a princesa.Ela estava deitada e era tão linda que o príncipe não conseguia despregar os olhos; inclinou-se e deu-lhe um beijo. Com aquele beijo, a Bela Adormecida abriu os olhos, despertou e fitou-o sorrindo amavelmente. Ele tomou-a pela mão e juntos desceram à sala; então o rei, a rainha e toda a corte despertaram também, olhando-se pasmados uns aos outros.Os cavalos no pátio levantaram-se e relincharam; os cães de caça espreguiçaram-se agitando os rabos; os pombos no telhado tiraram a cabecinha de sob as asas, olharam em volta e saíram voando para os campos; as moscas voltaram a esvoaçar; o fogo na cozinha reavivou-se, tornou a crepitar e continuou a cozer a comida; o assado tornou a chiar; o cozinheiro deu no ajudante o safanão retardado, fazendo-o gritar, e a criada acabou de depenar a galinha.Depois, realizaram-se com grande fausto as núpcias do príncipe com a Bela Adormecida, os quais viveram muito felizes até o fim de sua vida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Os seis cisnes

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Certa vez, um rei caçava numa grande floresta e perseguia a caça com tal empenho que nenhum dos componentes do seu séquito conseguia acompanhá-lo. Quando anoiteceu, o rei deteve-se, olhou à sua volta e viu que se tinha extraviado. Procurou um caminho para sair da floresta, mas não o encontrou. Nisso viu aproximar-se uma velha com a cabeça bamboleante; era uma bruxa.- Boa mulher, - disse-lhe ele, - não poderíeis indicar-me o caminho através da floresta?- Oh, sim, Majestade, - respondeu ela - posso, naturalmente, mas com uma condição; se não a cumprirdes, porém, nunca mais saireis da floresta e morrereis de fome.- Qual é essa condição? - perguntou o rei.- Tenho uma filha, - disse a velha - tão bela como não há outra no mundo e bem merece ser vossa esposa; se quiserdes torná-la Sua Majestade a rainha, vos ensinarei o caminho para sair da floresta.Amedrontado, o rei consentiu e a velha levou-o á sua casinha; ali, sentada perto do fogo estava a filha, que recebeu o rei como se o estivesse esperando. Ele viu bem que ela era realmente bonita, mas não lhe agradou; e não conseguia olhar para ela sem sentir uma íntima repulsa. Após tê-la sentado em seu cavalo, a velha indicou-lhe o caminho e ele regressou ao castelo, onde se celebraram as bodas.O rei era viúvo e tinha sete filhos da primeira mulher, seis rapazinhos e uma menina, aos quais amava acima de tudo no mundo. Receando que a madrasta não os tratasse bem ou talvez lhes fizesse algum mal, levou-os para um castelo solitário, no meio de uma floresta.O castelo era tão escondido e tão difícil encontrar-lhe o caminho que, nem mesmo ele o teria encontrado, se uma feiticeira não lhe tivesse dado um novelo de linha de extraordinário poder: quando o jogava para a frente ele desenrolava-se sozinho e indicava-lhe o caminho. Mas o rei ia tão frequentemente visitar os filhos, que suas ausências chamaram a atenção da rainha; teve ela então a curiosidade de saber o que ele ia fazer sozinho na floresta.Deu bastante dinheiro aos servos e estes traíram o rei, revelando o seu segredo, contando-lhe também a respeito do novelo, o único que podia indicar o caminho. Ela não sossegou, enquanto não descobriu onde o rei o guardava; depois fez algumas camisinhas de seda branca, e, como tinha aprendido as magias da mãe, entreteceu nelas um feitiço. E um dia, em que o rei foi caçar, pegou as camisinhas e penetrou na floresta; o novelo foi-lhe indicando o caminho. As crianças, vendo ao longe alguém chegando, pensaram que fosse o pai e correram-lhe ao encontro, radiantes de alegria. Então ela jogou uma camisinha em cima de cada um deles e assim que a camisinha lhes tocou o corpo, eis que se transformaram todos em cisnes e voaram pela floresta além.A rainha voltou para casa muito satisfeita, julgando ter-se livrado dos enteados; mas a menina não tinha corrido ao seu encontro com os irmãos e a respeito dela a madrasta nada sabia. No dia seguinte, o rei foi ver os filhos e encontrou somente a menina.- Onde estão teus irmãos? - perguntou-lhe.- Ah, querido pai, - respondeu ela - foram-se e deixaram-me sozinha.E contou-lhe que da sua janelinha vira os irmãos voar pela floresta além sob forma de cisnes; depois mostrou-lhe as penas que tinham deixado cair no pátio e que ela recolhera. O rei ficou muito aflito mas não desconfiou que tão pérfida ação tivesse sido cometida pela rainha e, temendo que lhe roubassem também a filha, resolveu levá-la junto. Mas ela tinha medo da madrasta e pediu ao pai que a deixasse ainda aquela noite no castelo da floresta.A pobre menina pensava: "Não posso mais ficar aqui, quero ir à procura de meus irmãos." E, quando escureceu, fugiu e penetrou na floresta. Andou a noite toda e também o dia seguinte, sem nunca parar, até ficar exausta de cansaço. Então avistou uma choupana, subiu e deparou com um quarto, no qual havia seis caminhas, mas não ousou deitar-se numa cama; deitou-se debaixo dela, no duro chão, para aí passar a noite. Ao pôr do sol ouviu um ruflar de asas e viu os seis cisnes entrarem voando pela janela. Eles pousaram no chão assoprando as penas uns aos outros até fazê-las cair todas; e a pele de cisne saia-lhes como uma camisa. A menina olhou para eles e reconheceu os irmãos. Então, radiante de alegria, saiu debaixo da cama. Os irmãos não ficaram menos felizes ao ver a irmãzinha; mas por pouco.- Aqui não podes ficar, - disseram-lhe - este é um covil de ladrões; se chegam e te descobrem, matam-te.- Não podeis me defender? - perguntou a irmãzinha.- Não, - responderam eles, - porque só podemos despir nossa pele de cisne durante um quarto de hora cada noite e retomar nosso aspecto humano; logo, porém, nos transformamos novamente.- E não poderei vos libertar? - 'perguntou ela chorando.- Oh, não, - responderam - as condições são demasiado pesadas. Durante seis anos não podes falar nem rir e, entretanto, deverás coser para nós seis camisinhas de flor de estreia (uma espécie de margarida). Uma única palavra que saia de tua boca e todo o trabalho será perdido.Dizendo isso, já transcorrera o quarto de hora; eles então voaram pela janela afora cm forma de cisnes.A menina, porém, tomou a resolução de libertá-los, mesmo a custa da própria vida. Saiu da choupana, foi ao meio da floresta e trepou numa árvore onde passou a noite. Na manhã seguinte, foi colher as flores e pôs-se a coser. Não podia falar com ninguém e não tinha vontade de rir, ficando aí sentada, completamente entretida no seu trabalho.Havia já decorrido muito tempo, quando o rei daquele país foi caçar na floresta e caçadores foram dar à árvore na qual estava a menina. Chamaram-na e perguntaram:- Quem és?Ela não lhes respondeu.- Desce daí, - disseram eles, - não te faremos nenhum mal.Ela meneou a cabeça. Como continuassem a importuná-la com perguntas, atirou-lhes sua correntinha de ouro, julgando assim satisfazê-los. Mas eles desistiam; ela atirou-lhes o seu cinto e como isso também não bastasse, atirou as ligas e, pouco por vez, tudo o que tinha no corpo até ficar só com a camisa. Mas os caçadores não ficaram contente, treparam na árvore, agarraram-na e conduziram-na à presença do rei. O rei perguntou:- Quem és? Que fazes em cima da árvore?Ela, porém, não respondeu. Ele perguntou em todos os idiomas que conhecia, mas ela manteve-se muda como um peixe. Todavia, era tão linda, que seu coração ficou preso e apaixonou-se ardentemente por ela. Envolveu-a em seu manto, sentou-a no cavalo diante de si e levou-a para o castelo. Mandou que a vestissem com os mais ricos trajes e ela, no esplendor de sua beleza, fulgurava como a luz do dia; mas foi impossível fazer-lhe abrir a boca. A mesa, o rei fê-la sentar-se ao seu lado e sua modéstia, seu tato, lhe agradaram de tal maneira que declarou:- Esta será a minha esposa e nenhuma outra no mundo!Alguns dias depois celebraram-se as núpcias.O rei, porém, tinha u'a mãe que era muito má; descontente com o casamento, vivia caluniando a jovem rainha.- Quem sabe de onde vem essa rapariga que não sabe falar! - dizia - ela não é digna de um rei.Decorrido um ano, quando a rainha deu à luz o primeiro filho, a velha raptou-o e, enquanto ela dormia, espargiu-lhe sangue da boca. Depois foi denunciá-la ao rei, acusando-a de ser antropófaga. O rei não quis acreditar e não permitiu que se lhe torcesse um fio de cabelo.Entretanto, ela continuava a coser as camisinhas sem prestar atenção a nada mais. Na segunda vez, teve novamente um belo menino e a pérfida sogra usou o mesmo estratagema; mas o rei não conseguiu persuadir-se e não acreditou no que ela dizia.- Ê muito boa e piedosa para fazer semelhante coisa; se não fosse muda e pudesse defender-se, ela revelaria sua inocência.Mas na terceira vez, quando a velha raptou o recém-nascido e acusou a rainha, a qual não abriu a boca para se defender, o rei, forçosamente, teve que entregá-la à justiça, que a condenou à fogueira.Quando chegou o dia da execução, era exatamente o dia em que terminava o prazo determinado de seis anos, durante os quais não podia falar nem rir; ela acabava de libertar seus queridos irmãos do encantamento.As seis camisinhas estavam prontas, à última faltava apenas a manga esquerda. Ao ser conduzida à fogueira, levou-as consigo e de lá de cima da pilha de lenha, quando iam acender o fogo, ela volveu o olhar à sua volta e eis que viu seis cisnes chegarem voando pelo espaço. Compreendeu que a libertação de todos estava próxima e o coração exultou-lhe de alegria.Ruflando as asas, os cisnes desceram perto dela, de maneira que lhe foi possível atirar sobre eles as camisinhas. Assim que esbarraram neles, caíram as peles de cisne e seus irmãos surgiram vivos e sãos; só o mais moço, ao invés do braço esquerdo, tinha uma asa nas costas. Muito contentes, abraçaram-se e beijaram-se; depois a rainha dirigiu-se ao rei que contemplava atônito aquela cena, e disse-lhe:- Meu querido esposo, agora posso falar e dizer-te que sou inocente e que fui, injustamente, condenada.Revelou-lhe o embuste da velha, que lhe havia raptado as três crianças; mandaram buscá-las e logo foram trazidas para grande alegria do rei. A sogra perversa foi amarrada ao poste, queimada viva e reduzida a cinzas.Desde aí, o rei, a rainha, as crianças e os seis irmãos, viveram tranquilos e felizes durante muitos e muitos anos.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O velho Sultão

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Um camponês possuia um cachorro muito fiel, chamado Sultão, que tinha ficado velho e perdera todos os dentes, de modo que não podia apanhar mais nada. Um dia, estava o camponês com sua mulher à porta de casa e dizia:- Amanhã vou matar o velho Sultão, pois já não serve para nada.A mulher, que tinha pena do animal tão fiel, disse:- Ele nos serviu, honestamente, durante muitos anos! Bem poderiamos sustentá-lo caridosamente.- Qual o quê, - volveu o homem; - tu estás louca! não tem mais um dente sequer na boca e não há ladrão que o tema; é hora que se vá. Se nos serviu, em compensação teve também ótimos petiscos.O pobre cão, que estava deitado ao sol, aí perto, ouviu tudo e ficou triste ante a perspectiva de que o dia seguinte seria o seu último dia. Tinha ele um bom amigo, o lobo. À noite, foi às escondidas visitá-lo na floresta e com ele lamentou o destino que o aguardava.- Escuta, compadre, - disse-lhe o lobo, - não desanimes, eu te ajudarei a livrar-te desta. Tenho uma ideia. Amanhã cedo, teu patrão e a mulher vão apanhar feno e levam consigo o filhinho, porque em casa não fica ninguém para olhar por ele. Enquanto trabalham, deixam sempre a criança à sombra, atrás da cerca; deita-te perto dele como se montasses guarda; eu, então, sairei da floresta e o roubarei. Tu me corres logo ao encalço, como se quisesses salvá-lo. Eu o deixarei cair e tu o levarás aos pais que, certos de o teres salvo, ficar-te-ão muito gratos e nenhum mal te farão: ao contrário, voltarás a ser estimado e não te deixarão faltar mais nada.O projeto agradou ao cão, que o executou tal e qual. Vendo o lobo correndo pelo campo com a criança na boca, o homem pôs-se a gritar; mas, daí a pouco, quando o velho Sultão o trouxe de volta, disse, muito feliz, acariciando-o:- Não terás um só pelo torcido, e te sustentarei enquanto viveres.Depois disse à mulher:- Vai já para casa e prepara um bom mingau para o velho Sultão, a fim de que não precise mastigar, e traze o meu travesseiro; vou dar-lho para que durma nele.Desde esse momento, o velho Sultão passou tão regaladamente que não poderia desejar melhor. Pouco de pois, o lobo foi visitá-lo e alegrou-se ao ver que tudo lhe correra às mil maravilhas.- Porém, compadre, - disse o lobo, - fecharás um olho se eu por acaso furtar uma bela ovelha de teu patrão. Hoje em dia é difícil cavar a vida!- Não contes com isso, - respondeu o cão, - permanecerei sempre fiel ao meu patrão; portanto, não farei concessões.O lobo julgou que o cão não falava seriamente e, durante a noite, aproximou-se sorrateiramente para furtar a ovelha. Mas o camponês, ao qual o fiel Sultão havia revelado as intenções do lobo, ficou espreitando-o e penteou-lhe o pelo com o relho. O lobo foi obrigado a safar- se, mas gritou ao cão:- Espera, amigo falso, hás de me pagar!Na manhã seguinte, o lobo enviou o javali a fim de convidar o cão à floresta para resolver a questão. O velho Sultão não conseguiu encontrar outro padrinho senão um pobre gato com três pernas só; quando sairam juntos, o pobre gato caminhava coxeando e, pela dor, erguia alto a cauda.O lobo e o seu padrinho já se encontravam no local, mas quando viram chegar o adversário julgaram que vinha armado de espada, que era, em vez, a cauda do gato. Enquanto o pobre animalzinho saltitava com três pernas, o lobo e seu padrinho pensavam que, toda vez que se abaixava e levantava, apanhava uma pedra para atirar neles. Então os dois ficaram com medo; o javali escondeu-se entre a folhagem e o lobo trepou numa árvore.Aproximando-se, o cão e o gato surpreenderam-se de não encontrar ninguém. Mas o javali não pudera esconder-se completamente e as orelhas apareciam por cima da folhagem. Enquanto o gato olhava à sua volta com desconfiança, o javali agitou as orelhas; o gato então, confundindo-o com um rato, lançou-se sobre ele mordendo-o com força. Então o javali deu um salto e fugiu berrando:- Ali, em cima da árvore, está o culpado!O cão e o gato ergueram os olhos e avistaram o lobo, que se envergonhou de ter demonstrado tanto medo e aceitou o tratado de paz com o cão.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

A amoreira

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Ha muito tempo, há uns dois mil anos, havia um homem rico, casado com uma mulher muito bonita e piedosa; eles amavam-se muito mas não tinham filhos e, por mais que os desejassem e a mulher rezasse dia e noite para tê-los, não apareciam.A frente da casa havia uma amoreira. Certa vez, no inverno, a mulher estava debaixo da amoreira descascando uma maçã e, inadvertidamente, cortou o dedo; o sangue, escorrendo, caiu na neve.- Ah, - disse a mulher com profundo suspiro, olhando tristonha para aquele sangue, - se eu tivesse um menino vermelho como o sangue e branco como a neve!Mal acabara de falar, sentiu-se serenamente calma como se tivesse um pressentimento. Voltou para casa; passou uma lua e a neve desapareceu; após duas luas, a terra reverdeceu; após três luas, desabrocharam as flores; após quatro luas, todas as árvores no bosque revestiram-se de galhos viçosos; os pássaros cantavam, ressoando por todo o bosque e as flores caíam das árvores; passara a quinta lua e a mulher estava sob a amoreira; seu perfume era tão suave que sentiu o coração palpitar de felicidade, então caiu de joelhos fora de si pela alegria; depois na sexta lua, as frutas iam-se tornando mais grossas e ela acalmou-se; na sétima lua, colheu algumas amoras e comeu-as avidamente, mas tornou-se triste e adoeceu; passou a oitava lua e ela chamou o marido e disse-lhe chorando:- Se eu morrer, enterra-me debaixo da amoreira.Depois voltou a ficar tranquila e alegre até que uma outra lua, a nona, passou; então, nasceu-lhe um menino, alvo como a neve e vermelho como o sangue e, quando o viu, sua alegria foi tanta que faleceu.O marido enterrou-a debaixo da amoreira e chorou muito durante um ano; no ano seguinte, chorou menos e, finalmente, cessou de chorar e casou-se novamente.Da segunda mulher, teve uma filha, ao passo que da primeira tivera um filho rosado como o sangue e alvo como a neve. Quando a mulher olhava para a filha, sentia que a amava com imensa ternura; mas quando olhava para o menino, sentia algo a lhe aguilhoar o coração e achava que era um estorvo para todos. E pensava, continuamente, que deveria fazer para que a herança passasse inteiramente à filha. O Demônio inspirava-lhe os piores sentimentos; passou a odiar o rapazinho, a enxotá-lo de um canto para outro, a esmurrá-lo e empurrá-lo, de maneira que o pobre menino vivia completamente aterrorizado e, desde que saía da escola, não encontrava um mínimo de paz.Certo dia, a mulher dirigiu-se à despensa e a linda filhinha seguiu-a.- Mamãe, - pediu ela, - dá-me uma maçã.- Sim, minha filhinha, - disse a mulher tirando uma bela maçã de dentro do caixão, o qual tinha uma tampa muito grossa e pesada além de uma grossa e cortante fechadura de ferro.- Mamãe, - disse a menina, - não dás uma também a meu irmão?A mulher irritou-se, mas respondeu:- Dou, sim, quando ele voltar da escola.E quando o viu da janela que vinha chegando da escola, foi como se estivesse possessa pelo demônio; tirou a maçã da mão da filha, dizendo:- Não deves ganhá-la antes de teu irmão.Jogou a maçã dentro do caixão e fechou-o. Quando o menino entrou, ela disse-lhe, com fingida doçura:- Meu filho, queres uma maçã? - e lançou-lhe um olhar arrevezado.- Oh, mamãe, - disse o menino, - que cara assustadora tens! Sim, dá-me a maçã.- Vem comigo, - disse ela animando-o, e levantou a tampa; - tira tu mesmo a maçã.Quando o menino se debruçou para pegar a maçã, o demônio tentou-a e, paff! ela deixou cair a tampa cortando-lhe a cabeça, que rolou sobre as maçãs. Então sentiu-se tomado de pavor e pensou: "Ah, como poderei livrar-me dele!" Subiu, então, para o quarto, tirou da primeira gaveta da cômoda um lenço branco, ajeitou a cabeça no devido lugar atando-lhe, em seguida, o lenço, de maneira que não se percebesse nada; depois sentou-o numa cadeira, perto da porta, com a maçã na mão.Pouco depois, Marleninha foi à cozinha, onde estava a mãe mexendo num caldeirão cheio de água quente.- Mamãe, - disse Marleninha, - meu irmão está sentado perto da porta... todo branco; e tem uma maçã na mão; pedi-lhe que ma desse, mas ele não me respondeu e eu assustei-me.- Volta lá, - disse a mãe, - e se não quiser responder-te, dá-lhe uma bofetada.Marleninha voltou e disse:- Meu irmão, dá-me um pedaço de maçã!Mas ele continuou calado; ela, então, deu-lhe uma bofetada e a cabeça caiu-lhe. Ela espantou-se e começou a chorar e a soluçar. Correu para junto da mãe dizendo:- Ah, mamãe; arranquei a cabeça de meu irmão!E chorava, chorava sem parar.- Marleninha, - disse-lhe a mãe, - que fizeste! Acalma-te, não chores, para que ninguém o perceba; não há mais remédio! Vamos cozinhá-lo com molho escabeche.A mãe pegou o menino, cortou-o em pedaços, pôs este numa panela e conzinhou-os com vinagre. Marleninha, porém, chorava, chorava sem cessar e suas lágrimas caíam todas dentro da panela. Assim não precisaram salgá-lo.O pai regressou à casa, sentou-se à mesa e perguntou:- Onde está meu filho?Então a mãe trouxe-lhe uma travessa cheia de carne em escabeche. Marleninha chorava sem poder conter-se. O pai repetiu:- Onde está meu filho?- Ele foi para o campo, para a casa de um parente onde deseja passar algum tempo, - respondeu a mãe.- E que vai fazer lá? Saiu sem mesmo despedir- -se de mim!- Ora, tinha vontade de ir e pediu-me para ficar lá algumas semanas. Será bem tratado verás!- Ah, - retorquiu o homem, - isso aborrece-me! Não está direito, devia pelo menos despedir-se de mim!Assim dizendo, começou a comer.- Marleninha, - perguntou ele, - por que choras? Teu irmão voltará logo. Oh, mulher, - acrescentou, - como está gostosa esta comida! Dá-me mais um pouco.Mais comia, mais queria comer e dizia:- Dá-me mais, não sobrará nada para vós; parece que é só para mim.E comia, comia, jogando os ossinhos debaixo da mesa, até acabar tudo. Marleninha foi buscar seu lenço de seda mais bonito, na última gaveta da cômoda, recolheu todos os ossos e ossinhos que estavam debaixo da mesa, amarrou-os bem no lenço e levou-os para fora, chorando lágrimas de sangue. Enterrou-os entre a relva verde, sob a amoreira, e, tendo feito isso, sentiu-se logo aliviada e não chorou mais. A amoreira então começou a mover-se, os ramos apartavam-se e reuniam-se de novo, tal como quando alguém bate palmas de alegria. Da árvore desprendeu-se uma nuvem e dentro da nuvem parecia estar um fogo ardendo; do fogo saiu voando um lindo passarinho, que cantava maravilhosamente e alçou voo rumo ao espaço; quando desapareceu, a amoreira voltou ao estado de antes e o lenço com os ossos haviam desaparecido. Marleninha, então, sentiu-se aliviada e feliz, tal como se o irmão ainda estivesse vivo. Voltou para casa muito contente, sentou-se à mesa e comeu.O pássaro, porém, voou longe, foi pousar sobre a casa de um ourives e se pôs a cantar:
- Minha mãe me matou.meu pai me comeu.minha irmã Marleninhameus ossos juntou.num lenço de seda os amarrou.debaixo da amoreira os ocultou.piu, piu, que lindo pássaro sou!
O ourives estava na oficina, confeccionando uma corrente de ouro; ouviu o pássaro cantando sobre o telhado e achou o canto maravilhoso. Levantou-se para ver, e ao sair perdeu um chinelo e uma meia, mas foi mesmo assim ao meio da rua, com um chinelo e uma meia só. Estava com o avental de couro, numa das mãos tinha a corrente de ouro e na outra a pinça; o sol estava resplandecente e iluminava toda a rua. Ele deteve-se e. olhando para o pássaro, disse:- Pássaro, como cantas bem! Canta-me outra vez a tua canção.- Não, - disse o pássaro, - não canto de graça duas vezes; dá-me a corrente de ouro que eu a cantarei outra vez.- Aqui está a corrente de ouro! - disse o ourives; - agora canta outra vez.O pássaro então voou e foi buscar a corrente de ouro, apanhou-a com a patinha direita, sentou-se diante do ourives e cantou:
- Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
Depois o pássaro voou para a casa de um sapateiro, pousou sobre o telhado e cantou:
- Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
O sapateiro ouviu-o e correu à porta em mangas de camisa; olhou para o telhado, resguardando os olhos com a mão para que o sol não o cegasse.- Pássaro, - disse ele, - como cantas bem! - E da porta chamou: - mulher, vem cá fora, está aqui um pássaro que canta divinamente bem! Vem ver.Depois chamou a filha, os filhos, os ajudantes, o criado e a criada; e todos foram para a rua ver o passarinho, que era realmente lindo com as penas vermelhas e verdes, em volta do pescoço parecia de ouro puro e os olhinhos eram cintilantes como estreias.- Pássaro, - pediu o sapateiro, - canta-me outra vez a tua canção!- Não, - respondeu o pássaro, - não canto de graça duas vezes, tens que me dar alguma coisa.- Mulher, - disse o sapateiro, - atrás da banca, na parte mais alta, há um par de sapatos vermelhos, traze-os aqui.A mulher foi buscar os sapatos.- Aqui tens, pássaro, - disse o homem, - agora canta-me novamente a tua canção.O pássaro foi buscar os sapatos com a pata esquerda, depois voou para o telhado e cantou:
- Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
Terminado o canto, foi-se embora, levando a corrente na pata direita e os sapatos na esquerda, e voou longe, longe, sobre um moinho, e o moinho girava fazendo: clipe clape, clipe clape, clipe clape. E na porta do moinho estavam sentados os ajudantes do moleiro, que batiam com o martelo na mó: tic tac, tic tac, tic tac; e o moinho girava: clipe clape, clipe clape, clipe clape. Então, o pássaro pousou numa tília em frente ao moinho e cantou:
- Minha mãe me matou.
E um ajudante parou de trabalhar.
meu pai me comeu.
Outros dois ajudantes pararam de trabalhar para ouvir.
minha irmã Malerninha,
Outros quatro pararam de trabalhar.
meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou.
Oito ainda continuavam batendo.
debaixo da amoreira
Mais outros cinco pararam,
os ocultou,
Ainda mais um, mais outro.
piu, piu, que lindo pássaro sou!
Então, o último ajudante também largou o trabalho e pôde ouvir o fim do canto.- Pássaro, - disse ele, - como cantas bem! Deixa-me ouvir também, canta outra vez.- Não, - disse o pássaro, - não canto de graça duas vezes; dá-me essa mó e cantarei de novo.- Sim, - respondeu o ajudante, - se fosse minha somente, eu ta daria.- Sim, - disseram os outros, - se cantar novamente, a terá.Então o pássaro desceu e os moleiros todos pegando uma alavanca, suspenderam a mó, dizendo: ouup, ouup, ouup, ouup! O pássaro enfiou a cabeça no buraco da mó como se fosse uma coleira; depois voltou para a árvore e cantou:
- Minha mãe me matou,meu pai me comeu,minha irmã Marleninhameus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
Acabando de cantar, abriu as asas, levando na pata direita a corrente de ouro, na esquerda o par de sapatos e no pescoço a mó e foi-se embora, voando para a casa do pai.Na sala estavam o pai, a mãe e Marleninha sentados à mesa; o pai disse:- Ah, que alegria; estou me sentindo muito feliz!- Oh, não, - disse a mãe; - eu estou com medo, assim como quando se anuncia forte tempestade.Marleninha, sentada em seu lugar, chorava, chorava. De repente, chegou o pássaro e, quando ele pousou em cima do telhado, disse o pai:- Ah! que alegria! Como brilha o sol lá fora! E como se tornasse a ver um velho amigo!- Oh, não, - disse a mulher; - eu sinto tanto medo: estou batendo os dentes e parece-me ter fogo nas veias.Assim dizendo, tirou o corpete. Marleninha continuava sentada no seu lugar e chorava, segurando o avental diante dos olhos e banhando-o de lágrimas. Então, o pássaro pousou sobre a amoreira e cantou:
- Minha mãe me matou,
e a mãe tapou os ouvidos e fechou os olhos para não ver e não ouvir, mas zumbiam-lhe os ouvidos como se fosse o fragor da tempestade e os olhos ardiam-lhe como se tocados pelo raio.
meu pai me comeu,
- Ah, mãe, - disse o homem, há aí um pássaro que canta tão bem! E o sol está tão brilhante! E o ar recende a cinamomo.
minha irmã Marleninha
Então Marleninha inclinou a cabeça nos joelhos e prorrompeu num choro violento, mas o homem disse:- Vou lá fora, quero ver esse pássaro de perto.- Não vás, não! - disse a mulher; - parece-me que a casa toda está a tremer e a arder.O homem, porém, saiu lá fora, e foi ver o pássaro.
meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
Com isso, o pássaro deixou cair a corrente de ouro exatamente em volta do pescoço de seu pai, servindo-lhe esta tão bem como se fora feita especialmente para ele. O homem entrou em casa e disse:- Se visses que lindo pássaro! Deu-me esta bela corrente de ouro, e é tão bonito!Mas a mulher, transida de medo, caiu estendida no chão, deixando cair a touca da cabeça. E o pássaro cantou novamente:
- Minha mãe me matou,
- Ah, se pudesse estar mil léguas debaixo da terra para não ouvi-lo!
meu pai me comeu,
A mulher debateu-se, e parecia morta,
minha irmã Marleninha
- Oh, - disse Marleninha, - eu também quero sair lá fora; quem sabe se o pássaro dá algum presente também a mim! - E saiu.
meus ossos juntou,num lenço de seda os amarrou,
e atirou-lhe os sapatos.
debaixo da amoreira os ocultou,piu, piu, que lindo pássaro sou!
Marleninha então sentiu-se alegre e feliz. Calçou os sapatinhos vermelhos; pulando e dançando, entrou em casa.- Estava tão triste quando saí e agora estou tão alegre! Que pássaro maravilhoso! Deu-me um par de sapatos vermelhos.- Oh, não, - disse a mulher; ergueu-se de um salto e os cabelos se lhe eriçaram como labaredas de fogo.- Parece-me que vai cair o mundo, vou sair também, quem sabe se não me sentirei melhor?Quando transpôs a soleira da porta, pac! o pássaro atirou-lhe na cabeça a pesada mó, que a esmigalhou. O pai e Marleninha, ouvindo isso, correram e viram desprender-se do solo fogo e fumaça e, quando tudo desapareceu, eis que surge o irmãozinho, estendendo as mãos ao pai e a Marleninha; e, muito felizes, entraram os três em casa, sentaram-se à mesa e começaram a comer.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O estranho pássaro

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um feiticeiro que, sob forma de mendigo, ia de casa em casa pedir esmolas e raptava as moças bonitas. Ninguém sabia para onde as levava, porque todas desapareciam sem deixar vestígios.Um dia, apresentou-se à porta de um homem que tinha três filhas muito bonitas. Tinha o aspecto de um pobrezinho maltrapilho, com um saco às costas, como se fosse para guardar o que recebia. Pediu a caridade de um pouco de comida e, quando a filha mais velha chegou à porta para dar-lhe um pedaço de pão, ele empurrou-a com a mão e ela pulou, sem saber como, para dentro do saco. Em seguida, a passos apressados, ele partiu, levando-a consigo para sua casa no coração da floresta espessa.Naquela casa tudo era suntuoso e ele presenteou-a com quanto ela desejou, dizendo:- Meu tesouro; aqui comigo passarás muito bem e poderás ter tudo o que desejares.E as coisas duraram assim alguns dias, passados os quais ele disse:- Tenho de fazer uma viagem e preciso deixar-te sozinha por algum tempo. Aqui tens as chaves da casa; podes percorrê-la inteiramente e ver tudo o que há nela, menos, porém, o quarto que se abre com esta chavinha; proíbo-te de lá entrares, sob pena de morte.Deu-lhe, também, um ovo, dizendo-lhe:- Toma muito cuidado com ele; aconselho-te a trazê-lo sempre contigo para que não se perca, pois perdendo-o sobrevirá uma grande desgraça.Ela pegou as chaves e o ovo, prometendo fazer tudo direito como lhe pedia. Quando ele partiu, a moça correu a inspecionar a casa de alto a baixo examinando tudo; os aposentos reluziam de ouro e prata e ela deslumbrada confessava jamais ter visto tal magnificência. Por fim chegou diante da porta proibida. Quis passar direto, mas a curiosidade era tanto que não lhe foi possível resistir. Olhou para a chave; era uma chave comum, meteu-a na fechadura, fazendo-a girar devagarinho, e a porta escancarou-se. Mas, o que se lhe deparou ao entrar lá?No meio do quarto, havia uma grande bacia ensanguentada e, dentro dela, pedaços de cadáveres esquartejados; ao lado havia um cepo, em cima do qual estava a machadinha reluzente. Ao ver isso sentiu tal pavor que o ovo lhe escapou da mão, indo cair dentro da bacia. Maisque depressa, apanhou-o; tentou limpar o sangue de que se manchara, mas em vão; por mais que esfregasse e raspasse, o sangue voltava a aparecer e não conseguiu limpá-lo.Pouco depois, o feiticeiro regressou da viagem e a primeira coisa que pediu foi a chave e o ovo. Ela, tremendo como vara verde, entregou-lhos. Vendo as manchas vermelhas no ovo, ele percebeu que havia entrado no quarto sangrento. Então disse:- Entraste lá contra a minha vontade, agora voltarás a entrar contra tua vontade. Tua vida está no fim.Atirou-a ao chão, arrastou-a até lá pelos cabelos, decapitou-a no cepo e esquartejou-a, deixando que o sangue escorresse pelo chão; depois jogou os pedaços dentro da bacia junto com os demais que lá estavam.- Agora vou buscar a segunda, - disse ele.Transformou-se em mendigo e tornou a apresentar-se diante da porta, pedindo esmola. A segunda filha levou-lhe um pedaço de pão; dela também se apoderou com um simples toque da mão e levou-a embora. E esta acabou como a irmã; deixou-se vencer pela curiosidade, abriu o quarto sangrento para ver o que continha e, à volta do feiticeiro, teve de pagar com a vida a curiosidade.Ele então foi buscar a terceira, mas esta era prudente e astuciosa. Assim que o feiticeiro partiu, após ter- lhe entregue as chaves e o ovo, ela antes de mais nada guardou o ovo em lugar seguro e só depois visitou a casa de cima a baixo, abrindo também a porta proibida.Ah! O que viu lá dentro! As suas queridas irmãs esquartejadas e os pedaços dentro da bacia. Recolheu cuidadosamente todos os membros, juntando-os um por um bem direitinho: cabeça, tronco, braços e pernas, os quais, uma vez recompostos, começaram a mover-se e reviver. Daí a pouco, as duas irmãs abriam os olhos ressuscitadas. Numa alegria imensa abraçaram-se e beijaram-se muito felizes.Quando o feiticeiro regressou, pediu logo as chaves e o ovo; não descobrindo nele sinal algum de sangue, disse:- Superaste bem a prova, por isso serás minha esposa.Agora, porém, ele já não tinha mais nenhum poder sobre ela e devia fazer tudo o que ela quisesse. Ela, então, respondeu:- Está bem; antes, porém, tens de levar um cesto cheio de ouro a meus pais, mas deves carregá-lo tu mesmo nas costas; enquanto isso, eu providenciarei tudo para a festa.Depois correu para um quartinho onde havia ocultado as irmãs e disse-lhes:- Chegou o momento de vos salvar; aquele malvado vos levará mesmo para casa, mas, assim que chegardes, mandai-me socorro.Mandou que entrassem no cesto e cobriu-as bem, espalhando por cima o ouro de maneira que ficassem escondidas aos olhares dos outros. Depois chamou o feiticeiro e disse:- Agora leva o cesto; mas eu ficarei olhando da minha janela a ver se paras no caminho para descansar.O feiticeiro colocou o cesto nas costas e pôs-se a caminho, mas o cesto pesava tanto que o suor lhe corria do rosto. Então sentou-se para descansar um pouco, mas uma das moças gritou de dentro do cesto:- Estou olhando da minha janelinha e vejo que descansas; vai andando, depressa!Julgando que fosse a noiva quem assim falava, ele pôs-se a andar depressa. Quis sentar-se uma segunda vez, mas a moça gritou novamente:- Estou olhando da minha janelinha e vejo que descansas; vai andando, depressa!Cada vez que parava, a moça gritava-lhe a mesma coisa e ele foi obrigado a ir para diante até que, gemendo e sem fôlego, entregou o cesto com o ouro e com as duas moças na casa de seus pais.Enquanto isso, a noiva preparava a festa de bodas e mandou convidar os amigos do feiticeiro. Depois pegou uma caveira com seu riso de escárnio, enfeitou-a bem, colocou-lhe uma grinalda de flores e encostou-a à janelinha como se estivesse olhando para fora. Quando tudo ficou pronto, meteu-se dentro de um barrilete de mel, cortou um acolchoado e enrolou-se em penas, ficando assim parecida a um estranho pássaro que ninguém poderia reconhecer:Saiu de casa e no caminho encontrou parte dos convidados que lhe perguntaram:
De onde vens, estranho pássaro?De um ninho de plumas eu saio.Que faz lá a bela noivinha?De alto a baixo varreu a casinha,agora espera o noivo na janelinha.
Por fim encontrou o noivo, que lentamente vinha voltando e como os outros também perguntou:
De onde vens. estranho pássaro?De um ninho de plumas eu saio.Que fax lá a bela noivinha?De alto a baixo varreu a casinha,agora espera o noivo na janelinha.
O noivo olhou para cima e viu a caveira toda enfeitada. Pensando que fosse a noiva, acenou-lhe amavelmente. Mas, tinha apenas entrado em casa com os convidados, quando chegaram os parentes e irmãos da noiva, enviados em seu auxílio. Trancaram todas as portas para que não fugisse ninguém e atearam fogo à casa, de modo que o feiticeiro com toda a sua gentalha acabaram queimados vivos dentro dela.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

A viagem do Pequeno Polegar

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Um alfaiate tinha um filho tão minúsculo que não era maior de que um dedo polegar, por isso era chamado Polegar; mas era muito afoito e, um dia, disse ao pai:- Meu pai, preciso absolutamente sair e conhecer o mundo.- Está bem, meu filho, - disse o velho; pegou uma agulha comprida de serzir e, na chama da vela, derreteu um pouco de lacre, fazendo-lhe um nó na parte de cima.- Eis uma espada para a tua viagem.O pequeno queria comer, ainda uma vez, em companhia dos pais e foi saltitando para a cozinha a fim de ver o que lhe preparara a mãe como jantar de despedida. Já estava tudo pronto e a panela sobre o fogão.Ele, então, perguntou:- Mamãe, que temos hoje para comer?- Olha tu mesmo, - disse a mãe.Então Polegar pulou sobre o fogão e espiou dentro da panela, mas, espichando demais o pescoço, o vapor que saía da comida envolveu-o e expeliu-o para fora da chaminé. Por alguns momentos vagou pelo espaço, carregado pelo vapor, depois caiu por terra. Ei-lo fora, em pleno mundo aberto. Andou perambulando ao léu, chegou mesmo a empregar-se, mas na casa do patrão não lhe agradava a comida.- Senhora patroa, se não me-fizerdes comida melhor, irei embora e, amanhã bem cedo, escreverei com giz, na porta desta casa:
Muitas batatas,a carne onde está?Adeus, ó rei das batatas!
- O que te deu na bola, seu gafanhoto? - gritou a patroa.Ficou furiosa com ele e apanhou um retalho de pano para bater-lhe; o nosso alfaiatezinho escapuliu embaixo do dedal e de lá punha a cabecinha para fora, mostrando a língua à patroa. Ela levantou o dedal para agarrar o terrível Polegar mas este pulou no meio dos retalhos de pano e, quando a patroa remexia tudo à sua procura, ele escondeu-se numa fenda da mesa.- Eh, eh, senhora patroa! - gritou, pondo a cabecinha de fora.Ela tentou bater-lhe mas ele pulou dentro da gaveta; por fim a patroa conseguiu agarrá-lo e enxotou-o de casa.Anda que anda, o pequeno alfaiate chegou a uma grande floresta, onde encontrou uma quadrilha de ladrões que queriam roubar o tesouro do rei. Ao verem o alfaiatezinho, pensaram: Este tiquinho pode entrar pelo buraco da fechadura e servir de gazua."- Olá! Gigante Golias, - gritou um deles, - queres vir conosco à sala do Tesouro? Tu penetras, sorrateiramente, lá dentro e atiras para nós o dinheiro.Polegar pensou um pouco, depois disse:- Sim, irei. - E seguiu-os à sala do Tesouro.Examinou a porta de alto a baixo à procura de uma fenda; não tardou muito a descobrir uma bastante larga que lhe permitia passar. Quis entrar já, mas uma das duas sentinelas postadas diante da porta percebeu-o e disse à outra:- Olha lá, que aranha medonha; vou esmagá-la.- Deixa estar o pobre animalzinho! - disse a outra, - não te fez mal algum!Pela fenda, Polegar chegou sem inconvenientes à sala do Tesouro; abriu á janela sob a qual estavam os ladrões e atirou-lhes uma moeda atrás da outra. No melhor da festa, percebeu que o rei vinha chegando para visitar o Tesouro e escondeu-se o mais depressa possível. O rei deu pela falta de muitas moedas mas não podia compreender quem teria podido furtá-las, pois os ferrolhos e as fechaduras estavam intactos e tudo parecia bem guardado. Saiu da sala e disse às duas sentinelas:- Prestai atenção, há alguém surripiando o dinheiro.Quando Polegar retornou ao trabalho, ouviram o dinheiro lá dentro mexer-se e tilintar: tlique, tlaque, tlique, tlaque. Precipitaram-se para agarrar o ladrão, mas o alfaiatezinho, que os pressentiu, foi mais rápido, pulou para um canto e escondeu-se debaixo de uma moeda que o encobria todo. Ainda por cima zombava das sentinelas gritando:- Estou aqui.As sentinelas corriam, mas ele já havia saltado sob uma outra moeda num outro canto e gritava:- Eh, estou aqui!As sentinelas precipitavam-se para agarrá-lo, mas Polegar de há muito estava num outro canto e gritava:- Eh, estou aqui!E, assim, ludibriou as pobres sentinelas, fazendo-as correr para lá e para cá na sala do Tesouro, até que se cansaram e foram-se exaustos da busca infrutífera. Aí então, Polegar atirou para fora, pouco por vez, todas as moedas, lançando a última com todas as suas forças e, nela montando, saiu pela janela a fora. Os ladrões não lhe pouparam louvores.- És um grande herói, queres ser nosso chefe?Polegar desculpou-se, dizendo que antes queria conhecer o mundo. Então, repartiram entre si o dinheiro, mas Polegar aceitou apenas uma moeda, pois não podia carregar mais.Cingindo, novamente, a espada, despediu-se dos ladrões e fincou pé na estrada. Empregou-se em casa de alguns artesãos, mas o trabalho não lhe agradava, até que, por fim, foi aceito como criado numa estalagem. Lá as criadas não o suportavam porque, não sendo visto por elas, ele espiava tudo o que faziam às escondidas e denunciava 'aos patrões o que elas tiravam dos pratos ou surripiavam da adega. As criadas, então, disseram:- Espera, espera! Não perderás por esperar!E combinaram pregar-lhe uma peça. Pouco depois uma delas, que estava ceifando no quintal, viu Polegar correndo de cá para lá, para cima e para baixo entre as hastes; então, zás, zás, cortou depressa o capim, amarrou- o todo num grande pano e levou-o às escondidas para as vacas. Ora, uma enorme vaca preta engoliu o capim e Polegar junto, sem causar-lhe mal algum. Mas ele não gostou do bucho da vaca, porque era muito escuro e não havia velas. Quando foram mungir a vaca, ele gritou:
Olé, olá.O balde cheio está.
Mas o ruído do leite, ao ser mungido, impediu que ouvissem sua voz. Daí entrou o patrão no estábulo e- Amanhã mataremos essa vaca.Ouvindo isso, Polegar tremeu de medo e gritou com mais força:- Antes deixem-me sair; estou aqui dentro.O patrão ouviu-o mas não sabia de onde vinha a voz. Perguntou:- Onde estás?- Dentro da preta, - respondeu Polegar.O patrão, porém, não compreendeu o que queria dizer e foi-se embora.Na manhã seguinte, mataram a vaca. Felizmente, quando a matavam e esquartejavam, nenhum golpe atingiu Polegar, mas ele acabou indo parar entre a carne de fazer linguiça. Quando chegou o açougueiro e começou a trabalhar, Polegar desandou a gritar com todas as forças dos pulmões:- Não piquem muito, não piquem muito; eu estou aqui no meio da carne.Os facões de picar faziam tanto barulho que ninguém o ouviu; Polegar então viu-se em apuros, mas a necessidade põe a lebre a caminho e, com uma ligeireza incrível, ele tratou de escapulir por entre os facões, que não chegaram a tocá-lo; assim conseguiu salvar a pele. Mas fugir não podia, não tinha nenhuma saída e teve de ser entrouxado, junto com os pedaços de toucinho, dentro de um salsichão.O apartamento era um pouco apertado, além disso foi para o fumeiro em cima do fogão, o que lhe pareceu extremamente fastidioso. Finalmente chegou o inverno; então foi tirado do fumeiro para ser servido a um freguês. Quando a patroa ia cortar em fatias fininhas o salsichão, ele prestou toda a atenção a fim de não espichar o pescoço para que não lho cortassem também; por fim, colheu o momento oportuno e tratou de escapulir-se da melhor maneira.O alfaiatezinho não quis mais ficar nessa casa onde tudo lhe correra tão mal e encaminhou-se, novamente, pelo mundo afora. Mas sua liberdade não durou muito. Em pleno campo, encontrou uma raposa um tanto preocupada, que o abocanhou.- Eia, dona Raposa! - gritou ele, - eu estou na vossa garganta, deixai-me sair, sim?- Tens razão, - respondeu a raposa, - tu és o mesmo que nada; se me prometeres as galinhas do terreiro de teu pai, dou-te a liberdade.- De todo o coração, - respondeu Polegar, - terás todas as galinhas; juro-te.Então a raposa cuspiu-o e levou-o ela mesma para casa. Quando o pai viu, novamente, o querido filhinho, deu com a maior boa vontade as galinhas todas à raposa.- Como compensação, - disse Polegar ao pai, - trago-te uma bela moeda.Deu-lhe a moeda, que se havia estragado um pouco durante a viagem, depois perguntou:- Mas por quê a raposa papou todas as galinhas?- Oh, tolinho, a teu pai é sempre mais caro o seu filhinho ao que todas as galinhas do terreiro.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Comadre Morte

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve um pobre homem que tinha doze filhos e precisava trabalhar, dia e noite, para dar-lhes apenas um bocado de pão.Quando nasceu o décimo terceiro, ele não sabia realmente o que fazer e, na sua aflição, saiu para a estrada a fim de convidar o primeiro que aparecesse para servir-lhe de padrinho. A primeira pessoa que encontrou foi o bom Deus. O bom Deus, que já sabia o que lhe pesava no coração, disse-lhe:- Pobre homem, causas-me dó; vou batizar teu filho, cuidarei dele e o tornarei feliz neste mundo.- Quem és? - perguntou o homem.- Sou o bom Deus.- Então não te quero para meu compadre, - disse o homem, - tu dás aos ricos e deixas os pobres passando fome.Isso dizia o pobre homem, porque não sabia que sabiamente Deus distribui riqueza e pobreza. Deixou o Senhor e foi mais para diante. Então, aproximou-se-lhe o Diabo dizendo:- Que procuras? Se me aceitas para padrinho de teu filho, dar-lhe-ei ouro às carradas e todos os deleites do mundo.O homem perguntou:- Quem és tu?- Sou o Diabo.- Então não te quero para meu compadre, - disse o homem, - tu enganas os homens e os induzes à tentação.Continuou andando e logo, com as pernas ressequidas, veio-lhe ao encontro a Morte, dizendo:- Aceita-me como tua comadre.- Quem és? - perguntou-lhe o homem.- Sou a Morte, que todos iguala.Então, o homem disse:- Tu és a indicada, porque levas tanto o rico como o pobre sem distinção; serás pois a minha comadre.A Morte respondeu:- Tornarei teu filho rico e célebre; quem me tem por amiga, tem o sucesso garantido.- Domingo próximo será o batizado, - disse o homem; - sê pontual.A Morte compareceu, pontualmente, conforme havia prometido e portou-se como uma madrinha às direitas.Quando o afilhado se tornou adulto, apareceu-lhe um belo dia a madrinha, convidando-o a segui-la. Conduziu-o à floresta e, mostrando-lhe uma erva que lá crescia, disse-lhe:- Aqui tens teu presente de batizado. Vou fazer de ti um médico famoso. Quando fores chamado a atender algum enfermo, eu estarei todas as vezes lá; se me vires à cabeceira do doente podes declarar, francamente, que o curarás; dá-lhe depois um pouco dessa erva e ele ficará bom. Mas, se me vires aos pés da cama, ele pertence-me e tu tens de dizer que qualquer remédio é inútil, que nenhum médico deste mundo o salvará. Livra-te, porém, de usar a erva contra minha vontade: poderás arrepender-te!O jovem tornou-se o médico mais famoso do mundo. Bastava-lhe olhar para o doente e já sabia se ficaria bom ou se morreria. Assim falavam dele e o povo acorria de toda parte para que atendesse os doentes, e pagavam-lhe tão bem que logo enriqueceu.Aconteceu que, tendo adoecido o rei, chamaram o médico para saber se era possível curá-lo. Quando o médico se aproximou do leito, viu a Morte aos pés da cama; não havia erva alguma capaz de salvar aquele doente. "Ah, se pudesse, uma vez ao menos lograr a Morte! - pensou ele, - certamente se zangará, mas sou seu afilhado, por esta vez fechará os olhos! Vou arriscar!Pegou o doente e virou-o na cama, de modo que a Morte ficou do lado da cabeça. Depois deu-lhe a erva e o rei melhorou e logo ficou completamente bom. A Morto, porém, foi á casa do médico, zangada, e, com expressão sombria, ameaçou-o com o dedo, dizendo:- Tu me lograste; por esta vez deixo passar porque és meu afilhado, mas, se ousares mais uma vez, agarro-te pela gola do casaco e levo-te comigo, ouviste?Decorrido algum tempo, adoeceu gravemente a princesa. Era filha única do rei e este chorava dia e noite até ficar cego; fez anunciar que quem a curasse casaria com ela e herdaria a coroa. O médico foi ver a doente e, lá chegando, viu a Morte aos pés da sua cama. Deveria ter-se lembrado da ameaça da madrinha, mas a grande beleza da filha do rei e a felicidade de tornar-se seu esposo o deslumbraram de tal maneira que não pensou em mais nada. Nem sequer via a Morte lançando-lhe olhares furibundos, erguendo a mão e ameaçando-o com o punho fechado, nada via. Ergueu a doente e deitou-a com a cabeça para o lado dos pés; depois deu-lhe a erva e logo as faces se lhe tingiram do mais belo rosado e recuperou a vida.Vendo-se defraudada pela segunda vez, a Morte, a grandes passos, foi ter com o médico, dizendo-lhe:- Está tudo acabado para ti, agora é a tua vez.E, com sua mão gélida, agarrou-o tão duramente que ele não pôde resistir-lhe e foi conduzido a uma caverna subterrânea. Lá, viu milhares e milhares de círios enfileirados, ardendo: alguns grandes, outros médios, outros pequenos. A cada instante apagavam-se alguns, acendiam-se outros, de maneira que as chamas pareciam saltitar aqui e acolá num contínuo revezamento.- Vês, - disse a Morte, são as vidas dos homens: os mais altos pertencem às crianças, os médios aos casados e adultos e os pequenos aos velhos. Mas às vezes também as crianças e os jovens têm apenas um pequeno círio.- Deixa-me ver o meu, - disse o médico, esperando que estivesse ainda bastante grande. A Morte indicou-lhe um toquinho bruxuleante, que ameaçava apagar-se e disse:- Olha, aqui está ele.- Ah, querida madrinha, - disse o médico apavorado, - acende-me outro! Faze-o por mim que sou teu afilhado, a fim de que possa gozar a vida. tornar-me rei e casar-me com a linda princesa!- Não posso, - disse a Morte; - é preciso que se apague um círio antes de acender outro.- Põe, então, o velho sobre um novo para que continue a arder mesmo depois de acabado o primeiro, - suplicou o médico.A Morte fingiu atender o seu pedido e apanhou um círio grande e novo; mas, querendo vingar-se, fez que juntava um ao outro e, propositalmente, atrapalhou-se; o toquinho caiu-lhe das mãos e apagou-se. No mesmo instante, o médico tombou morto: ele também caíra nas garras da Morte.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Dona Trude

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, uma meninazinha teimosa e muito curiosa; quando os pais lhe diziam alguma coisa, nunca obedecia; como poderia, pois, acabar bem?Um dia, disse a menina aos pais:- Ouvi falar tanto de dona Trude que tenho vontade de ir à sua casa; dizem por ai que a casa dela tem um aspecto tão esquisto e que tem tantas coisas estranhas li! Estou morrendo de curiosidade.Os pais proibiram-na severamente, dizendo:- Dona Trude é uma mulher ruim, que faz coisas anormais; se fores lá, não serás mais a nossa filhinha.A menina, porém, não se importando com a proibição, foi direitinho à casa de dona Trude. Quando chegou li, dona Trude perguntou-lhe:- Por quê estás tio pálida?- Ah, - disse a menina, tremendo, como vara verde, - vi uma coisa que me assustou terrivelmente.- O que viste?- Vi na vossa escada um homem preto.- Era um carvoeiro!- Depois vi um homem verde.- Era um caçador!- Depois vi um homem vermelho-rubro como sangue.- Era o açougueiro!- Ah, dona Trude, que horror! Espiei pela janela e não vos vi, mas vi o diabo com a cabeça flamejante.- Oooh, - disse ela, - então viste a bruxa no seu verdadeiro uniforme; faz muito tempo que espero por ti e te desejo: vais me alumiar!Transformou a menina num pedaço de pau e jogou-a no fogo. Quando o pau acendeu fazendo uma bela labareda, ela sentou-se perto e aqueceu-se, dizendo:- Como ilumina bem!Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O senhor compadre

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um pobre homem que tinha tantos filhos que todo o mundo já era compadre dêle e, quando lhe nasceu mais um filho, não tinha mais ninguém a quem pudesse convidar para padrinho.Ele não sabia que fazer; muito preocupado, deitou-se e adormeceu. Sonhou que devia ficar diante da porta da cidade e convidar para padrinho o primeiro que passasse por êle.Quando acordou, decidiu obedecer ao sonho; ficou diante da porta da cidade e convidou o primeiro que passou por êle. O forasteiro presenteou-o com uma garrafi- nha de água, dizendo;- Aqui tens uma água mágica; com ela poderás curar os doentes. Tens apenas de ver onde se acha a Morte: se estiver à cabeceira do enfermo, dá-lhe destaágua e êle ficará curado; mas, se ela estiver aos pés da cama, tudo será inútil, êle terá de morrer.O homem desde então pôde sempre diagnosticar se um doente se salvaria ou não; tornou-se famoso pela sua arte e ganhou muito dinheiro. Certa vez, foi chamado para ver o filhinho do rei; ao entrar no quarto viu a Morte à cabeceira da cama; então, deu-lhe a água e curou-o; o mesmo sucedeu a segunda vez; mas, na terceira vez, a Morte estava aos pés da cama e o príncipe teve de morrer.Um dia, quis visitar o compadre e contar-lhe o que se havia passado com a água.Ao entrar, porém, na casa do compadre, encontrou certas coisas bem esquisitas! No primeiro andar, a pà- zinha e a vassoura estavam brigando e esmurravam-se a valer. Êle perguntou:- Onde mora o senhor compadre?- No andar de cima, - respondeu a vassoura.Quando chegou ao segundo andar, viu espalhados pelo chão não sei quantos dedos de defuntos. Perguntou:- Onde mora o senhor compadre?Um dos dedos respondeu:- No andar de cima.No terceiro andar, havia um monte de cabeças de defuntos, que também lhe indicaram o andar de cima. No quarto andar, viu peixes fritando-se sozinhos no fogo, torrando-se na frigideira. Êles também disseram-lhe:- No andar de cima.Quando subiu ao quinto andar, chegou diante de um quarto e espiou pelo buraco da fechadura; e viu o compadre, que tinha dois longos chifres. Quando èle abriua porta e entrou no quarto, o compadre deitou-se rapidamente na cama e cobriu-se. O homem então disse:- Senhor compadre, mas que casa esquisita é a vossa! Quando cheguei ao primeiro andar, a pàzinha e a vassoura estavam brigando e esmurrando-se a valer.- Como sois simplório - disse o compadre; - eram o criado e a criada, que estavam tagarelando.- Mas, no segundo andar, vi espalhados pelo chão dedos de defunto.- Oh, como sois tolo! eram raízes de escorcioneira!- No terceiro andar, havia um monte de cabeças de defuntos.- Medroso, eram cabeças de repolhos.- No quarto andar, vi peixes na frigideira, fritando-se sozinhos.Mal acabou de dizer isso, os peixes apareceram e puseram-se na mesa sozinhos.- Quando cheguei ao quinto andar, espiei pelo buraco da fechadura; eu vos vi compadre e tínheis dois chifres compridos.- Ah, isto não é verdade!O homem então ficou com mêdo e fugiu correndo: senão, quem sabe lá o que lhe teria feito o compadre!Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

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