Contos de Grimm

Os Contos de Fadas dos Irmãos Grimm, originalmente compilados por Jacob e Wilhelm Grimm, são uma coleção de contos populares atemporais que encantam leitores há séculos. Estes contos são um verdadeiro tesouro de folclore, apresentando histórias de coragem, magia e moralidade que ressoam através das gerações. Desde clássicos como ”Cinderela”, ”Branca de Neve” e ”João e Maria”, até joias menos conhecidas como ”O Pescador e sua Mulher” e ”Rumpelstiltskin”, cada história oferece um vislumbre do rico tecido da tradição oral europeia. Os Contos de Fadas dos Grimm são caracterizados por seus personagens vívidos, lições morais e frequentemente tons sombrios, refletindo as duras realidades e os elementos fantásticos de seus contextos históricos. Seu apelo duradouro reside em sua capacidade de entreter, ensinar e inspirar maravilha, tornando-os um alicerce da literatura infantil e uma fonte de fascínio para estudiosos do folclore e da narrativa.

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Cinderela

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando sentiu o fim aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira e disse-lhe com muito amor:-Amada filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de acompanhar-te sempre. Lá do céu velarei sempre por ti.E dito isto, fechou os olhos e morreu.A menina ia todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a terra com suas lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno chegou, a neve fria e gelada da Europa cobriu o túmulo com um manto branco de neve. Quando o sol da primavera o derreteu, o seu pai casou-se com uma mulher ambiciosa e cruel que já tinha duas filhas parecidas com ela em tudo.
Mal se cruzou com elas a pobre órfã percebeu que nada de bom podia esperar delas, pois logo que a viram disseram-lhe com desprezo:- O que é que esta moleca faz aqui? Vai para a cozinha, que é lá o teu lugar!!!E a madrasta acrescentou:- Têm razão, filhas. Ela será nossa empregada e terá que ganhar o pão com o seu trabalho diário.Tiraram-lhe os seus lindos vestidos, vestiram-lhe um vestido muito velho e deram-lhe tamancos de madeira para calçar.- E agora já para a cozinha! - disseram elas, rindo.
E, a partir desse dia, a menina passou a trabalhar arduamente, desde que o sol nascia até altas horas da noite: ia buscar água ao poço, acendia a lareira, cozinhava, lavava a roupa, costurava, esfregava o chão...À noite, extenuada de trabalho, não tinha uma cama para descansar. Deitava-se perto da lareira, junto ao borralho (cinzas), razão pela qual puseram-lhe o apelido de Gata Borralheira. Os dias se passavam e a sorte da menina não se alterava. Pelo contrário, as exigências da madrasta e das suas filhas eram cada vez maiores.Um dia, o pai ia para a cidade e perguntou às duas enteadas o que queriam que ele lhes trouxesse.- Lindos vestidos - disse uma.- Jóias - disse a outra.- E tu, filhinha, Gata Borralheira, o que queres? - perguntou-lhe o pai.- Um ramo verde da primeira árvore que encontrares no caminho de volta. Terminada a compra, ele comprou os vestidos para as enteadas e as jóias que tinham pedido e no caminho de regresso cortou para a filha um ramo da primeira árvore que encontrou. De uma Oliveira.Ao chegar em casa, deu às enteadas o que lhe tinham pedido e entregou à filha um galho de oliveira, árvore que produz azitonas. Ela correu para junto do túmulo da mãe, enterrou o ramo na terra e chorou tanto que as lágrimas o regaram. Começou a crescer e tornou-se uma bela árvore.A menina continuou a visitar o túmulo da mãe todos os dias e certa vez ouviu uma bonita pomba branca dizer-lhe:- Não chores mais, minha querida. Lembra-te que, a partir de agora, cumprirei todos os teus desejos.Pouco depois o rei anunciou a todo o reino que ia dar uma festa durante três dias para a qual estavam convidadas todas as jovens que queriam casar-se, a fim de que o príncipe herdeiro pudesse escolher a sua futura esposa.Imediatamente as duas filhas da madrasta chamaram a Gata Borralheira e disseram-lhe:- Penteia-nos e veste-nos, pois temos que ir ao baile do príncipe para que ele possa escolher qual de nós duas será a sua esposa.A Gata Borralheira obedeceu humildemente. Mas quando viu as duas luxuosamente vestidas, desatou a chorar e suplicou à madrasta que também a deixasse ir ao baile.- Ao baile, tu??? - respondeu ela - Já te olhaste ao espelho?A madrasta, face à insistência da Gata Borralheira, acrescentou, ao mesmo tempo que atirava um pote de lentilhas para as cinzas:- Está bem! Se separares as lentilhas em duas horas, irás conosco.A menina saiu para o jardim a chorar e lembrando-se do que a pomba lhe tinha dito, expressou o seu primeiro desejo:- Dócil pombinha, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar as lentilhas.- Os grãos bons no prato, e os maus no papo.
Duas pombinhas brancas, seguidas de duas rolinhas e de uma nuvem de passarinhos entraram pela janela da cozinha, e começaram a bicar as lentilhas. E muito antes de terminarem as duas horas concedidas, separaram as lentilhas. Entusiasmada, a menina foi mostrar à madrasta o prato com as lentilhas escolhidas. - Muito bem. – disse a madrasta, com ironia - Mas que vestido vais usar? E além disso, tu não sabes, dançar. Será melhor ficares em casa.Desconsolada, a Gata Borralheira começou a chorar, ajoelhou-se aos pés da madrasta e voltou a suplicar-lhe que a deixasse ir ao baile.- Está bem. - disse ela com cinismo - Dou-te outra oportunidade.E voltou a espalhar dois potes de lentilhas sobre as cinzas.- Se conseguires escolher as lentilhas numa hora, irás ao baile.A doce menina saiu a correr para o jardim e gritou:- Dóceis pombinhos, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar as lentilhas.- Os grãos bons no prato, e os ruins no papo.De novo, duas pombas brancas entraram pela janela da cozinha, depois as pequenas rolas e um bando de passarinhos, e pic-pic-pic escolheram-nas e voaram para sair por onde entraram.A menina logo correu e mostrou à madrasta as lentilhas escolhidas, mas de nada lhe serviu.- Deixa-me em paz com as tuas lentilhas! Vaias ficar em casa e pronto! Ponto final! E cest fini. pronuncia-se: Cé finí).Virou-lhe as costas e chamou as filhas.
Quando já não havia ninguém em casa, a Gata Borralheira foi junto ao túmulo da mãe, debaixo da oliveira, e gritou:- Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para eu me vestir.A pomba que lhe tinha oferecido ajuda, apareceu sobre um ramo e, estendendo as asas, transformou os seus farrapos num lindíssimo vestido de baile e os seus tamancos em luxuosos sapatos bordados a ouro e prata.Quando entrou no salão de baile, todos os presentes se admiraram perante tamanha beleza. Mas as mais surpreendidas foram as duas filhas da madrasta que estavam convencidas que seriam as mais belas da festa. Porém, nem elas, nem a madrasta ou o pai reconheceram a Gata Borralheira.O príncipe ficou fascinado ao vê-la. Tomou-a pela mão e os dois começaram o baile. Durante toda a noite esteve ao seu lado e não permitiu que mais ninguém dançasse com ela.
Chegado o momento de se despedirem, o príncipe ofereceu-se para acompanhá-la, pois ardia de desejo por saber quem era aquela jovem e onde morava. Mas ela deu uma desculpa para se retirar por momentos e aproveitou para abandonar o palácio a correr e deixar em baixo de uma árvore o seu formoso vestido e os sapatos. A pomba, que estava à sua espera, pegou neles com as suas patinhas e desapareceu na escuridão da noite. Ela vestiu o vestido cinzento, o avental e os tamancos e, como de costume, deitou-se junto à chaminé e adormeceu. No dia seguinte, quando se aproximou a hora do início do segundo baile, esperou até ouvir partir a carruagem e correu para junto da árvore:- Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir.
E de novo apareceu a pomba e a vestiu com um vestido ainda mais lindo que o da noite anterior e calçou-lhe uns sapatos que pareciam de ouro puro.A sua aparição no palácio causou sensação maior ainda do que da primeira vez. O próprio príncipe, que a esperava impaciente, sentiu-se ainda mais deslumbrado. Pegou-lhe na mão e, de novo, dançou com ela toda a noite.
Ao chegar a hora da despedida, o príncipe voltou a oferecer-se para acompanhá-la, mas ela insistiu que preferia voltar sozinha para casa. Mas desta vez o príncipe seguiu-a. De repente, parecia que tinha sido engolida pelo chão. Em vez de entrar em casa, a jovem Gata Borralheira, de vergonha, escondeu-se atrás de uma frondosa oliveira que havia no jardim. O príncipe continuou a procurá-la pelas redondezas, até que decepcionado regressou ao palácio. A Gata Borralheira abandonou então o seu esconderijo, e quando a madrasta e as filhas chegaram ela já tinha tirado as vestes faustosas (bonitas) e posto os seus trapos velhos. No terceiro dia, quando o pai fustigou o cavalo e a carruagem se afastou com a sua a esposa e filhas, a menina aproximou-se de novo da árvore e disse: - Árvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir. E a pomba, uma vez mais, trouxe-lhe um vestido de sonho, de seda com aplicações de suntuoso chale e uns sapatos bordados a ouro para os seus pequeninos e delicados pés. E depois, colocou-lhe sobre os ombros uma capa de veludo dourado.Quando entrou no salão de baile, a belíssima Gata Borralheira foi recebida com uma exclamação de assombro por parte de todos os presentes.O príncipe apressou-se a beijar-lhe a mão e a abrir o baile, não se separando dela toda a noite.Pouco antes da meia-noite, a jovem despediu-se do príncipe e pôs-se a correr. O príncipe não conseguiu alcançá-la mas encontrou na escadaria uns sapatinhos dourados que ela tinha perdido durante a sua precipitada fuga. Apanhou-o e apertou-o contra o coração.
Na manhã seguinte, mandou os seus mensageiros difundirem por todo o reino que se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato.Depois de todas as princesas, duquesas e condessas o terem inutilmente experimentado, ordenou aos seus emissários que o sapato fosse provado por todas as jovens, qualquer que fosse a sua condição social e financeira.Quando chegaram à casa onde vivia a Gata Borralheira, a irmã mais velha insistiu que devia ser ela a primeira a experimentar e, acompanhada pela mãe que já a imaginava rainha, subiu ao quarto, convencida que lhe servia. Mas o seu pé era demasiado grande. Então a mãe, furiosa, obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais.A jovem disfarçou a dor que sentia e subiu para a carruagem, apresentando-se diante do filho do rei.Embora ele tenha notado de imediato que aquela não era a bela desconhecida que conhecera no baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e foram juntos dar um passeio. Mas, ao passar diante de uma frondosa árvore, viu sobre os seus ramos duas pombas brancas que o advertiram:- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...O príncipe desmontou e tirou-lhe o sapato. E ao ver como o pé estava roxo e inchado, percebeu que tinha sido enganado. Voltou à casa e ordenou que a outra irmã experimentasse o sapato.A irmã mais nova subiu ao quarto, acompanhada da mãe, e tentou calçá-lo. Mas o seu pé também era demasiado grande.E a mãe obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais.A filha obedeceu, enfiou o pé no sapato e, dissimulando a dor, apresentou-se ao príncipe que, apesar de ver que ela não era a bela desconhecida do baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e levou-a a passear pelo mesmo sítio onde levara a sua irmã. Ao passar diante da árvore onde estavam as duas pombas, ouviu-as de novo adverti-lo:- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...O príncipe tirou-lhe o sapato e ao ver que tinha o pé ainda mais inchado que a irmã, percebeu que também ela o tinha enganado.- Aqui vos trago esta impostora. E dai graças a Deus por não ordenar que sejam castigadas. Mas se ainda tendes outra filha, estou disposto a dar-vos nova oportunidade e eu mesmo lhe calçarei o sapato.- Não. Não temos mais filhas - disse a madrasta.Mas o pai acrescentou:- Bem, a verdade é que tenho uma filha do meu primeiro casamento, aa qual vive conosco. É ela que faz a limpeza da casa e por isso anda sempre suja. É a Gata Borralheira.- As minhas ordens dizem que todas as jovens sem exceção devem experimentar o sapato. Tragam-na à minha presença. Eu mesmo lho calçarei.A Gata Borralheira tirou um dos pesados tamancos e calçou o sapato sem o menor esforço. Coube-lhe perfeitamente.O príncipe, maravilhado, olhou bem para ela e reconheceu a formosa donzela com quem tinha dançado.- A minha amada desconhecida! - exclamou ele - Só tu serás minha dona e senhora.O príncipe, radiante de felicidade, sentou-a ao seu lado no cavalo e tomou o mesmo caminho por onde tinha ido com as duas impostoras. Pouco depois, ao aproximar-se da árvore onde estavam as pombas, ouviu-as dizer:- Continua, Príncipe , a tua cavalgada, pois a dona do sapato já foi encontrada.As pombas pousaram sobre os ombros da jovem e os seus farrapos transformaram-se no deslumbrante vestido que ela tinha levado ao último baile.Chegaram ao palácio e de imediato foi celebrado o casamento. Quando os habitantes do reino souberam da forma como o maado e desnaturado pai, a madrasta e as duas filhas tinham tratado aquela que agora era a sua adorada princesa, começaram a desprezá-los de tal modo que eles tiveram que abandonar o país.A princesa, fiel à promessa feita à mãe, continuou a ser piedosa e bondosa como sempre e continuou a visitar o seu túmulo e a orar debaixo da árvore, testemunha de tantas dores e alegrias.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O pequeno alfaiate valente

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Numa bela manhã de verão, um alfaiate, sentais do junto a mesa, diante da janela, trabalhava com afinco e bem humorado. Descendo a rua vinha uma camponesa apregoando:- Geleia boa! Geleia boa!Essas palavras soaram-lhe, agradavelmente, aos ouvidos; pondo a cabecinha delicada para fora da janela, chamou-a.- Suba até aqui, boa mulher, que venderá a sua mercadoria.A mulher subiu com o pesado cesto os três andares e bateu à porta do alfaiatezinho e aí teve que destapar todos os seus potes. Ele examinou-os um por um, erguendo-os contra a luz e metendo-lhes dentro o nariz. Por fim disse:- Sua geleia parece-me boa! Pese-me duas onçasboa mulher; mesmo se for um quarto de libra não faz mal.A mulher, que contava vender toda a mercadoria, deu-lhe quanto pedia, mas foi-se mal humorada e resmungando.- Agora, que Deus abençoe a minha geleia, - exclamou o pequeno alfaiate - para que me dê força e vigor.Tirou pão do armário, cortou uma fatia de comprido e passou nela a geleia.- Deve ser deliciosa, - disse, - mas antes de meter-lhe os dentes tenho de acabar este paletó.Pôs o pão de lado e retomou o trabalho, com tamanha alegria, que os pontos lhe saíam cada vez mais compridos. Entretanto, o cheiro do doce de geleia atingiu as paredes, recobertas por uma multidão de moscas pousadas; atraídas pelo cheiro, as moscas desceram em massa.- Olá, - reclamou o alfaiate, enxotando as intrusas, - quem vos convidou?As moscas, porém, que não compreendiam a linguagem dele, não se deixavam enxotar e voltavam sempre em maior número. Por fim, como se costuma dizer, saltou-lhe a mosca ao nariz; então apanhou um pano e zás-trás, sem a menor piedade, foi batendo e gritando:- Esperem, que vou mostrar-vos quem sou!Quando parou de buter e retirou o pano, contou não menos de sete moscas que jaziam ai mortas, espichando para o ar as perninhas secas.- És tão corajoso assim? - disse, admirando o próprio valor. - E' preciso que toda a cidade o saiba.Num abrir e fechar de olhos, o pequeno alfaiate cortou um cinto, costurou-o e bordou nele as seguintes palavras em letras graúdas: "Sete de um só golpe."- Qual o quê, cidade! - prosseguiu monologando, - é preciso que o mundo todo o saiba!De tanta alegria, saltava-lhe o coração como o rabicho de um cordeirinho.O pequeno alfaiate cingiu o cinto à cintura e decidiu correr mundo, achando que a modesta alfaiataria era pequena demais para conter tanta valentia. Antes de partir, rebuscou a casa toda a fim de certificar-se se não havia nada para levar; encontrou apenas um queijo velho, que meteu no bolso. Diante da porta de casa, viu um pássaro emaranhado numa moita; esse também foi fazer companhia ao queijo.Em seguida, meteu valentemente os pés no caminho mas, sendo ágil e leve, não sentia canseira. A estrada ia dar a uma montanha e, quando escalou o mais alto pico, deparou com possante gigante lá sentado, a olhar distraidamente de um lado para outro. O intrépido alfaiatezinho aproximou-se dele e disse:- Bom dia, companheiro, estás aí sentado a contemplar quão vasto é o mundo, não é? Eu estou apenas no início de minha jornada e quero experimentar minhas forças; queres vir comigo?O gigante olhou paro ele com desprezo e disse:- Maltrapilho, miserável!- Deveras! - replicou o alfaiate, abrindo o paletó e mostrando o cinto, - aqui podes ler que espécie de homem sou eu."Sete de um só golpe," leu o gigante. Pensou tratar-se de sete homens mortos pelo alfaiatezinho e passou a ter um pouco mais de respeito por aquele homúnculo. Antes, porém, quis pô-lo à prova: pegou uma pedra na mão e apertou-a tanto que gotejou água.- Faz o mesmo agora, - disse, - se é que tens força.- Só isso? - disse o pequeno alfaiate, - para homem como eu, isso não passa de brincadeira.Abaixou-se, fingindo pegar uma pedra e disfarçadamente tirou o queijo do bolso; depois espremeu-o, fazendo escorrer o caldo.- Que tal? Isso é muito melhor, não achas?O gigante não soube que responder, mas ainda assim não acreditava naquele homenzinho.Então apanhou do chão uma pedra e lançou-a tão alto que o olhar não podia segui-la.- Faz o mesmo agora, anãozinho!- Bem lançada! - exclamou o alfaiate, - mas a pedra caiu necessariamente no chão; eu vou atirar uma que não voltará mais, verás.Meteu a mão no bolso, pegou o pássaro e lançou-o para o ar. Feliz por estar novamente livre, o pássaro subiu, subiu e, voando sempre, desapareceu.- Agradou-te a peça, companheiro? - perguntou ironicamente o alfaiate.- Atirar sabes muito bem, - disse o gigante, - mas vamos ver se és capaz de carregar um bom poso.Levou o alfaiatezinho para junto de um grande carvalho abatido e abandonado no chão.- Se és bastante forte, ajuda-me a carregar este carvalho para fora da floresta.- Com muito gosto, - disse o alfaiate, - põe o tronco nos ombros, enquanto eu me encarrego da copa com os galhos, que é a parte mais pesada.O gigante pôs o tronco no ombro e o alfaiate acomodou-se, tranquilamente, num galho. Como o gigante não podia virar-se, teve de carregar a árvore com todo o peso e mais o peso do alfaiate por acréscimo. Este, bem instalado, ia alegríssimo assobiando a canção:"Três alfaiates cavalgam fora do portão..."como se carregar árvores fosse para ele brinquedo de criança.Após ter carregado todo o peso durante longo trajeto, o gigante, não aguentando mais, gritou:- Ouve, preciso deixar cair a árvore.O alfaiate, com toda a agilidade, saltou e segurou a árvore com os dois braços como se realmente a tivesse carregado até aí, e disse:- És tão grande e não podes carregar uma árvore!Continuaram andando e, passando por uma cerejeira, o gigante puxou a copa, que estava carregadinha de frutas maduras, entregou-a às mãos do alfaiate para que comesse, mas o pequeno alfaiate era demasiado fraco para segurá-la e, quando o gigante a soltou, a árvore endireitou-se de um golpe, jogando o pobrezinho para o ar. Caiu são e salvo, mas o gigante, surpreendido, perguntou-lhe:- Como é isso? não tens força para segurar aquela varinha?- Força é que não me falta, - respondeu o alfaiate; - achas que isto é coisa para um que matou sete de um só golpe? Saltei por cima da árvore porque os caçadores estão atirando nas moitas. Salta tu também, se és capaz!O gigante experimentou, mas não conseguiu saltar por cima da árvore, ficando enroscado nos galhos e assim a vantagem continuou sendo do alfaiate.- Desde que és tão valente, - disse o gigante, - vem à nossa caverna e pernoita conosco.O pequeno alfaiate seguiu-o prontamente. Chegando na caverna, encontraram outros gigantes acocorados junto do fogo; cada um deles tinha na mão um carneiro assado, que estavam comendo.O pequeno alfaiate volveu o olhar à sua volta, pensando: "Isto aqui é bem maior que a minha alfaiataria!" O gigante indicou-lhe uma cama, dizendo que podia deitar-se e dormir sossegado. Mas a cama era demasiadamente grande para o pequeno alfaiate; por isso não se deitou, preferindo ficar agachado num cantinho, escondido.Quando deu meia-noite, o gigante, pensando que ele estivesse dormindo profundamente, levantou-se, pegou em pesada tranca de ferro e desferiu tremendo golpe na cama, certo de ter dado cabo daquele gafanhoto. Ao amanhecer, os gigantes foram para a floresta, completamente esquecidos do pequeno alfaiate. Mas, eis que inopinadamente surge ele, feliz e galhofeiro. Os gigantes, espantados, receando que os matasse a todos, deitaram a fugir precipitadamente.O pequeno alfaiate foi andando, seguindo sempre o rumo que lhe apontava o nariz. Andou, andou, e foi parar no pátio de um palácio real e aí, morto de cansaço, deixou-se cair no gramado, onde adormeceu profundamente. Enquanto estava dormindo, a seu redor foi-se juntando gente; descobriram o cinto e leram: "Sete de um só golpe."- Que nos quererá esse guerreiro aqui, em tempo de paz? - perguntavam entre si. - Deve ser, certamente, senhor muito poderoso!Foram comunicar o fato ao rei, expressando a opinião de que, em caso de guerra, ele seria homem útil e importante, por isso não se devia a nenhum preço deixá-lo partir. Agradou ao rei tal conselho; mandou, pois, um dos cortesões aonde se achava o pequeno alfaiate para, assim que acordasse, convidá-lo a ingressar no exército real. O emissário deteve-se junto ao dorminhoco, esperou que se espreguiçasse e abrisse bem os olhos, depois transmitiu-lhe a proposta.- Exatamente para isso, foi que vim aqui, - disse o alfaiate; - estou pronto para entrar ao serviço do rei.Assim foi recebido com todas as honras e foi-lhe destinado um alojamento especial.Os guerreiros, porém, enciumados, ficaram com raiva do alfaiate e desejariam que estivesse a mil milhas dali.- Como acabará isto? - diziam uns aos outros. - Se provocarmos briga, ele liquida sete de um só golpe; então não poderemos com ele.Decidiram ir todos juntos à presença do rei e pedir exoneração.- Não fomos feitos, - diziam eles, - para ficar junto de um homem que abate sete de um só golpe.O rei entristeceu-se à ideia de perder todos os homens por causa de um só e desejou que nunca lhe tivesse aparecido; ficaria bem contente se pudesse livrar-se dele. Mas não ousava despedi-lo, com receio de que o assassinasse juntamente com todo o povo para depois se apoderar do trono. Refletiu longamente, até que por fim encontrou uma solução. Mandou dizer ao pequeno alfaiate que, como era tão grande herói, desejava fazer-lhe uma proposta.Numa determinada floresta do reino havia dois poderosos gigantes que vinham causando graves danos com suas rapinas, crimes e incêndios. Ninguém conseguia aproximar-se deles sem arriscar a vida. Se o herói conseguisse dominá-los e matá-los, dar-lhe-ia a filha única por esposa e metade do reino como dote; cem dos mais valorosos cavaleiros o acompanhariam para auxiliá-lo.O pequeno alfaiate pensou com seus botões: "Para um homem como tu, seria uma coisa maravilhosa. Uma linda princesa e metade de um reino são coisas que não se oferecem todos os dias!" Então respondeu:- Está bem, dominarei e matarei os gigantes. Não preciso do auxílio dos cem cavaleiros; quem abate sete de um só golpe não pode temer dois.O alfaiate pôs-se a caminho, seguido pelos cem cavaleiros. Quando chegou à orla da floresta, disse à comitiva:- Podeis ficar esperando aqui; com os gigantes, eu me arranjarei sozinho.Depois embrenhou-se pela floresta a dentro, olhando à direita e à esquerda. Não tardou muito, descobriu os dois gigantes que dormiam deitados debaixo de uma árvore e roncavam tanto que os galhos oscilavam. O pequeno alfaiate, com a máxima rapidez, encheu os bolsos de pedras e agilmente trepou na árvore. Chegando ao meio da copa, deixou-se escorregar por um galho até ficar bem por cima dos dorminhocos e daí ia deixando cair pedra após pedra sobre o peito de um dos gigantes. Durante algum tempo este nada sentiu, mas por fim acordou e, dando com o cotovelo no companheiro, disse-lhe:- Por quê me bates?- Estás sonhando? - respondeu o outro, - eu não te estou batendo!Deitaram-se, novamente, e retomaram o sono interrompido; o pequeno alfaiate então atirou uma pedra no segundo gigante.- Que é isso? - gritou ele sobressaltado, - por quê me atiras pedras?- Não te estou atirando coisa nenhuma, - resmungou o primeiro.Discutiram um pouco mas, como estavam muito cansados, acalmaram-se e tornaram a fechar os olhos. O pequeno alfaiate recomeçou o jogo, escolheu a pedra maior e atirou-a com toda força no peito do primeiro gigante.- Isso já é demais! - rugiu êle.Levantou-se como um possesso e empurrou o companheiro contra a árvore, que estremeceu toda. O companheiro pagou com igual moeda. Completamente enfurecidos, arrancavam as árvores, batendo-se com elas, e tanto brigaram, tanto se espancaram que acabaram caindo mortos os dois. Então o pequeno alfaiate pulou da árvore dizendo:- Que sorte a minha não terem eles arrancado a árvore onde me achava! Senão teria que pular de uma para outra como um esquilo; mas os iguais a mim são bem espertos!Desembainhou a espada, desferiu alguns golpes certeiros no peito de cada um deles; depois foi correndo contar aos cavaleiros:- Está pronto; despachei os dois, mas foi duro. Naquele espaço apertado eles se viram obrigados a arrancar as árvores para se defenderem. Que adianta, porém, quando aparece um como eu, que abate sete de um só golpe!- E não estais ferido? - perguntaram admirados os cavaleiros.- Isto aqui é de boa raça, - pilheriou o alfaiate; - nem um cabelo sequer me torceram.Os cavaleiros não podiam acreditar, por isso internaram-se na floresta e lá depararam com os dois gigantes nadando em sangue e, em toda a volta, jaziam as árvores arrancadas.O pequeno alfaiate exigiu do rei a prometida recompensa; mas o rei, arrependido da promessa, pensou noutro meio para desvencilhar-se do indesejado herói.- Antes de receber minha filha e metade do meu reino, - disse-lhe, - tens de levar a cabo outra façanha. Anda pela floresta um grande unicórnio, fazendo estragos irreparáveis; tens de pegá-lo.- Ora, um unicórnio me assusta muito menos que dois gigantes. Sete de um só golpe é o que serve para mim!Muniu-se de corda e machado e dirigiu-se para a floresta, ordenando, ainda desta vez, que a escolta o aguardasse do lado de fora. Não teve de procurar muito; o unicórnio logo apareceu, avançando diretamente contra o alfaiate com o firme propósito de atacá-lo, sem muitas cerimônias.- Devagar! devagar! - disse ele, - não é preciso tanta pressa!Ficou firme, esperando até que o animal estivesse bem perto e, quando o viu chegar decidido, saltou agilmente para trás da árvore. O unicórnio arremessou-se contra ela com toda as forças e enfiando o chifre no tronco, tão solidamente, que não conseguiu retirá-lo e aí ficou preso.- Apanhei o passarinho! - disse o alfaiate, saindo de trás da árvore.Laçou o unicórnio pelo pescoço com a corda, cortou- -lhe o chifre com o machado e, estando tudo pronto, saiu puxando o animal, que foi entregar ao rei.Nem desta vez, o rei se deu por vencido e não quis dar-lhe a recompensa prometida; exigiu outro ato de bravura. Antes de realizar as bodas, devia o alfaiate capturar um javali que vinha causando grandes estragos na floresta; para isso teria o auxílio dos caçadores.- Com a maior boa vontade, - disse o alfaiate; - isso não passa de um brinquedo de criança.Não quis levar os caçadores para a floresta, o que muito os alegrou, pois o javali, muitas vezes, os recebera de molde a tirar-lhes a vontade de defrontar-se com ele.Quando o javali avistou o alfaiate, correu para ele arreganhando os dentes e, com a boca cheia de espuma, tentava jogá-lo no chão. Mas, ágil e esperto, o herói pulou para dentro de uma capela, que havia perto, e, de um salto, saiu pela janela.O javali entrara atrás dele dentro da capela, mas o alfaiate, com a máxima rapidez, deu volta e fechou a porta, prendendo dentro a fera enfurecida, a qual, por ser muito gorila o estúpida, não podia saltar pela janela como fizera o alfaiate. Este chamou os caçadores para que vissem com os próprios olhos o prisioneiro; depois foi ao rei que, querendo ou não, se viu obrigado a cumprir a promessa feita e dar-lhe a filha e mais a metade do reino.Se pudesse adivinhar que não era nenhum herói esse homem, mas um simples alfaiate, teria ficado infinitamente mais aborrecido. As bodas, todavia, foram realizadas com grande pompa, mas com pouca alegria, e de um alfaiate fez-se um rei.Decorrido algum tempo, a rainha ouviu certa noite o marido dizer em sonho:- Menino, anda, cose-me o gibão e remenda-me as calças, se não queres que te dê com o metro nas orelhas.Ela, então, percebeu de onde tinha saído esse jovem senhor, e, na manhã seguinte, foi queixar-se ao rei seu pai, pedindo-lhe que a livrasse daquele tipo, que mais não era do que um pobre alfaiate. O rei confortou-a dizendo:- Na próxima noite, deixa aberta a porta do quarto de dormir; do lado de fora, estarão postados os meus criados; assim que ele estiver dormindo, entrarão; depois, bem amarrado, eles o levarão para um navio que o conduzirá para muito longe.A jovem rainha ficou muito satisfeita; mas o escudeiro do jovem rei, que tudo ouvira, sendo-lhe muito afeiçoado, revelou-lhe toda a conspiração.- Tomarei minhas providências, - disse o pequeno alfaiate.A noite foi deitar-se com a mulher como de costume. Esta, quando o supôs adormecido, levantou-se de mansinho e abriu a porta; depois voltou a deitar-se. O pequeno alfaiate, que fingia dormir, pôs-se a gritar:- Menino, cose-me o gibão e remenda-me as calças, se não te darei com o metro nas orelhas! Matei sete de um só golpe, matei dois gigantes, capturei um unicórnio e um javali; devo pois ter medo daqueles que estão aí fora, à porta do meu quarto?Ao ouvirem o alfaiate falar assim, os guardas ficaram apavorados e deitaram a correr, como se perseguidos por uma legião de fantasmas. E ninguém mais ousou aproximar-se-lhe.E foi assim que o pequeno alfaiate ficou sendo rei por toda a vida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O pescador e sua mulher

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez um pobre pescador e sua mulher. Eram pobres, muito pobres. Moravam numa choupana à beira-mar, num lugar solitário. Viviam dos poucos peixes que ele pescava. Poucos porque, de tão pobre que era, ele não possuía um barco: não podia aventurar-se ao mar alto, onde estão os grandes cardumes. Tinha de se contentar com os peixes que apanhava com os anzóis ou com as redes lançadas no raso. Sua choupana, de pau-a-pique era coberta com folhas de palmeira. Quando chovia a água caía dentro da casa e os dois tinham de ficar encolhidos, agachados, num canto.
Não tinham razões para serem felizes. Mas, a despeito de tudo, tinham momentos de felicidade. Era quando começavam a falar sobre os seus sonhos. Algum dia ele teria sorte, teria uma grande pescaria, ou encontraria um tesouro – e então teriam uma casinha branca com janelas azuis, jardim na frente e galinhas no quintal. Eles sabiam que a casinha azul não passava de um sonho. Mas era tão bom sonhar! E assim, sonhando com a impossível casinha azul, eles dormiam felizes, abraçados.
Era um dia comum como todos os outros. O pescador saiu muito cedo com seus anzóis para pescar. O mar estava tranqüilo, muito azul. O céu limpo, a brisa fresca. De cima de uma pedra lançou o seu anzol. Sentiu um tranco forte. Um peixe estava preso no anzol. Lutou. Puxou. Tirou o peixe. Ele tinha escamas de prata com barbatanas de ouro. Foi então que o espanto aconteceu. O peixe falou. "Pescador, eu sou um peixe mágico, anjo dos deuses no mar. Devolva-me ao mar que realizarei o seu maior desejo…" O pescador acreditou. Um peixe que fala deve ser digno de confiança. "Eu e minha mulher temos um sonho," disse o pescador. "Sonhamos com uma casinha azul, jardim na frente, galinhas no quintal… E mais, roupa nova para minha mulher…"
Ditas estas palavras ele lançou o peixe de novo ao mar e voltou para casa, para ver se o prometido acontecera. De longe, no lugar da choupana antiga, ele viu uma casinha branca com janelas azuis, jardim na frente, e galinhas no quintal e, à frente dela, a sua mulher com um vestido novo – tão linda! Começou a correr e enquanto corria pensava: "Finalmente nosso sonho se realizou! Encontramos a felicidade!"
Foi um abraço maravilhoso. Ela ria de felicidade. Mas não estava entendendo nada. Queria explicações. E ele então lhe contou do peixe mágico. "Ele me disse que eu poderia pedir o que quisesse. E eu então me lembrei do nosso sonho…" Houve um momento de silêncio. O rosto da mulher se alterou. Cessou o riso. Ficou séria. Ela olhou para o marido e, pela primeira vez, ele lhe pareceu imensamente tolo: "Você poderia ter pedido o que quisesse? E por que não pediu uma casa maior, mais bonita, com varanda, três quartos e dois banheiros? Volte. Chame o peixe. Diga-lhe que você mudou de idéia."
O marido sentiu a repreensão e sentiu-se envergonhado. Obedeceu. Voltou. O mar já não estava tão calmo, tão azul. Soprava um vento mais forte. Gritou: "Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!" O peixe apareceu e lhe perguntou: "O que é que você deseja?" O pescador respondeu "Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido uma casa maior, com varanda, três quartos e dois banheiros!" O peixe lhe disse: "Pode ir. O desejo dela já foi atendido." De longe o pescador viu a casa nova, grande, do jeito mesmo como a mulher pedira.
"Agora ela está feliz," ele pensou. Mas ao chegar à casa o que ele viu não foi um rosto sorridente. Foi um rosto transtornado. "Tolo, mil vezes tolo! De que me vale essa casa nesse lugar ermo, onde ninguém a vê? O que eu desejo é um palacete num condomínio elegante, com dois andares, muitos banheiros, escadarias de mármore, fontes, piscina, jardins. Volte! Diga ao peixe desse novo desejo!"
O pescador, obediente, voltou. O mar estava cinzento e agitado. Gritou: "Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!" O peixe apareceu e lhe perguntou: "O que é que você deseja?" O pescador respondeu "Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido um palacete num condomínio elegante…" Antes que ele terminasse o peixe disse: "Pode voltar. O desejo dela já está satisfeito."
Depois de muito andar – agora ele já não morava perto da praia - chegou à cidade e viu, num condomínio rico, um palacete tal e qual aquele que sua mulher desejava. "Que bom," ele pensou. "Agora, com seu desejo satisfeito, ela deve estar feliz, mexendo nas coisas da casa." Mas ela não estava mexendo nas coisas da casa. Estava na janela. Olhava o palacete vizinho, muito maior e mais bonito que o seu, do homem mais rico da cidade. O seu rosto estava transtornado de raiva, os seus olhos injetados de inveja.
"Homem, o peixe disse que você poderia pedir o que quisesse. Volte. Diga-lhe que eu desejo um palácio de rainha, com salões de baile, salões de banquete, parques, lagos, cavalariças, criados, capela."
O marido obedeceu. Voltou. O vento soprava sinistro sobre o mar cor de chumbo. "Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!" O peixe apareceu e lhe perguntou: "O que é que você deseja?" O pescador respondeu "Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido um palácio com salões de baile, de banquete, parques, lagos…" - "Volte!," disse o peixe antes que ele terminasse. "O desejo de sua mulher já está satisfeito."
Era magnífico o palácio. Mais bonito do que tudo aquilo que ele jamais imaginara. Torres, bosques, gramados, jardins, lagos, fontes, criados, cavalos, cães de raça, salões ricamente decorados… Ele pensou: "Agora ela tem de estar satisfeita. Ela não pode pedir nada mais rico."
O céu estava coberto de nuvens e chovia. A mulher, de uma das janelas, observava o reino vizinho, ao longe. Lá o céu estava azul e o sol brilhava. As pessoas passeavam alegremente pelo campo.
"De que me serve este palácio se não posso gozá-lo por causa da chuva? Volte, diga ao peixe que eu quero ter o poder dos deuses para decretar que haja sol ou haja chuva!"
O homem, amedrontado, voltou. O mar estava furioso. Suas ondas se espatifavam no rochedo. "Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!" – ele gritou. O peixe apareceu. "Que é que sua mulher deseja?," ele perguntou. O pescador respondeu: "Ela deseja ter o poder para decretar que haja sol ou haja chuva!"
O peixe falou suavemente. "O que vocês desejavam era felicidade, não era?" - "Sim," respondeu o pescador. "A felicidade é o que nós dois desejamos." - " Pois eu vou lhes dar a felicidade!" O pescador riu de alegria. "Volte," disse o peixe. "Vá ao lugar da sua primeira casa. Lá você encontrará a felicidade…" E com estas palavras desapareceu.
O pescador voltou. De longe ele viu a sua casinha antiga, a mesma casinha de pau-a-pique coberta de folhas de coqueiro. Viu sua mulher com o mesmo vestido velho. Ela colhia verduras na horta. Quando ela o viu veio correndo ao seu encontro. "Que bom que você voltou mais cedo," ela disse com um sorriso. "Sabe? Vou fazer uma salada e sopa de ostras, daquelas que você gosta. E enquanto comemos, vamos falar sobre a casinha branca com janelas azuis…E depois vamos dormir abraçados" .
Ditas essas palavras ela segurou a mão do pescador enquanto caminhavam, e foram felizes para sempre.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

A palhinha, a brasa e o feijão

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Morava numa aldeia uma pobre velhinha que, tendo colhido um prato de feijões, dispunha-se a cozinhá-los. Para isto, preparou o fogo e, para que acendesse mais depressa, deitou nele um punhado de palhas. Ao despejar os feijões na panela, deixou cair, inadvertidamente, um grão, que foi parar junto de uma palhinha no chão; ao mesmo tempo, saltou também uma brasa do fogão que foi parar junto deles. A palhinha então perguntou:- Caros amigos, como viestes parar aqui?- Por sorte minha saltei do fogão, - disse a brasa - e, se não tivesse sido esperta, era certa a morte, pois acabaria em cinzas.O feijão, por sua vez, disse:- Eu, também, consegui escapar com vida, mas, se a velha me tivesse posto na panela, a estas horas estaria impiedosamente reduzido a angu, como os meus companheiros.- E a mim, ter-me-ia tocado porventura, melhor sorte? - disse a palhinha. - A velha transformou todas as minhas irmãs em fogo e fumaça; agarrou e matou sessenta de uma só vez. Felizmente, eu escapei-lhe por entre os dedos!- E agora, que faremos? - perguntou a brasa.- Já que tão milagrosamente escapamos da morte, - disse o feijão, - acho que nos devemos ajudar mutuamente, como bons amigos e, para que não nos aconteça outra desgraça, devemos emigrar para o estrangeiro.A proposta foi aceita com agrado. Assim, puseram- se a caminho e foram andando. Não demorou muito, chegaram à margem de um regato e, como não havia nenhuma ponte, nem mesmo uma prancha, não sabiam como haviam de atravessar. A palhinha teve uma ideia que lhe pareceu excelente:- Poderei colocar-me atravessada, de uma margem à outra, assim passareis sobre mim como se fosse uma ponte.Estendeu-se, como havia dito, de uma margem a outra. A brasa, que por natureza é fogosa, avançou e ficou pairando sem jeito sobre a ponte improvisada, mas quando chegou ao meio, ouviu o borbulhar da água lá embaixo e ficou com medo. Parou sem coragem de ir nem para a frente nem para trás. A palhinha começou a arder, partiu-se em dois pedaços e caiu no regato; a brasa escorregou junto e, ao contacto da água, sibilou um pouco, depois extinguiu-se.O feijão, que ficara prudentemente na margem, teve um acesso de riso diante daquela aventura; caiu em gargalhada tão estrondosa e incontrolável que acabou estourando. Ele, também, estaria liquidado, se um alfaiate ambulante não tivesse parado junto ao regato para descansar. Sendo um homem de bom coração, pegou na agulha e linha e costurou-o todo.O feijão agradeceu-lhe calorosamente mas, como o alfaiate usara linha preta para o coser, desde esse dia todos os feijões nascem com uma listra preta no meio.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

A serpente branca

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Ha muito, muito tempo, houve um rei famoso em todo o país pela sua sabedoria. Nada ignorava e parecia que as notícias das coisas mais secretas lhe chegavam através do espaço.Esse rei tinha, porém, um hábito esquisito: todos os dias, uma vez terminadas as refeições, e ninguém mais se achando presente, um criado muito fiel devia trazer- lhe ainda uma sopeira coberta. O próprio criado não sabia o que continha, ninguém o sabia, porquanto o rei só a destapava quando estava completamente só.Isso durava há bastante tempo, até que um dia, não resistindo à curiosidade, o criado, ao levar de volta a sopeira, carregou-a para o quarto. Fechou, cuidadosamente, a porta, levantou a tampa e viu dentro uma serpente branca. Não pôde furtar-se ao desejo de prová-la e cortou um pedacinho, levando-o à boca; mas, apenas lhe tocou a língua, ouviu através da janela um estranho sussurro de vozinhas sutis. Chegou à janela e pôs-se a escutar; percebeu que eram dois pardais que conversavam entre si, contando tudo o que tinham visto nos campos e bosques. O pedaço de serpente que provara dera- -lhe a faculdade de entender a linguagem dos animais.Ora, aconteceu que, justamente nesse dia, desapareceu o mais bonito anel da rainha. As suspeitas de furto recaíram sobre o criado fiel, que tinha entrada em todos os aposentos do palácio. O rei chamou-o à sua presença e repreendeu-o severamente, ameaçando condená-lo como ladrão se até ao dia seguinte não indicasse o verdadeiro autor do furto. De nada adiantaram os protestos de inocência; a posição dele era bastante precária.Amedrontado e aflito, dirigiu-se ao pátio, cogitando na maneira de sair daquela situação. Perto do regato que por lá serpeava, repousavam tranquilamente algumas patas, deitadas uma junto da outra; alisavam-se as penas com o bico e tagarelavam misteriosamente. O criado deteve-se a ouvi-las; cada qual contava onde estivera pela manhã e que ótimos quitutes havia encontrado. Uma delas, aborrecida, contou:- Algo me pesa no estômago. Esta manhã encontrei um anel debaixo da janela da rainha e, na pressa com que estava comendo, enguli-o.Imediatamente o criado pegou-a pelo pescoço e levou-a à cozinha, dizendo ao cozinheiro:- Mata que esta está bem gorda.O cozinheiro ergueu-a com a mão a fim de calcular o peso e disse:- Realmente, esta não perdeu tempo em engordar e já está na hora de ser assada!Cortou-lhe a cabeça, e, quando foi aberta, encontrou- se o anel da rainha em seu estômago. Assim, o criado pôde facilmente demonstrar sua inocência. O rei, então, querando reparar a injustiça cometida, autorizou-o a fazer um pedido e, ao mesmo tempo, ofereceu-lhe o mais alto cargo do reino.O criado recusou tudo, pedindo somente um cavalo e dinheiro suficiente para viajar, pois tinha vontade de conhecer o mundo. O pedido foi atendido e ele pôs-se a caminho. Um dia, passando perto de uma lagoa, viu três peixes enredados nos juncos e que arquejavam fora da água. Embora se diga que os peixes sejam mudos, ele ouviu distintamente que se lamentavam por terem de morrer tão tristemente, e, como era de bom coração, desceu do cavalo e recolocou os três prisioneiros dentro da água. Eles voltaram a nadar alegremente e, pondo a cabeça para fora, disseram:- Havemos de nos lembrar e te recompensaremos por nos teres salvo!Ele prosseguiu o caminho e, pouco depois, pareceu-lhe ouvir uma voz sob os pés, saindo da areia. Deteve-se a escutar e ouviu o rei das formigas queixar-se:- Oh, se os homens passassem ao largo com suas descuidadas montarias! Esse estúpido cavalo, com os pesados cascos, espezinhou sem piedade meu pobre povo!Ele então desviou o cavalo para um caminho pedregoso e o rei das formigas disse-lhe:- Havemos de nos lembrar e te recompensaremos!A estrada, por onde seguia, conduziu-o a uma floresta; aí viu dois corvos, pai e mãe, que estavam atirando fora do ninho os filhotes!- Fora, - gritavam, - fora daqui seus mandriões; não podemos mais alimentar-vos; fora, já estais suficientemente crescidos para sustentar-vos sozinhos.Os pobres filhotes jaziam por terra, batendo as asas e gritando:- Ai de nós, pobres infelizes! Temos de nos manter sozinhos e ainda nem sabemos voar! não nos resta senão morrer aqui de fome!O bom criado, então, desceu do cavalo e matou-o com a espada; depois entregou-o aos filhotes dos corvos para que se alimentassem. Estes acorreram saltitando, e após terem comido à vontade, disseram:- Havemos de nos lembrar e te recompensaremos.Agora não lhe restava outro recurso senão servir-se das próprias pernas. Anda e anda e anda, chegando afinal a uma grande cidade. As ruas estavam apinhadas de gente que fazia barulho ensurdecedor; nisso viu chegar um arauto a cavalo, anunciando que a filha do rei desejava casar-se, mas, quem aspirasse à mão dela, deveria antes executar uma tarefa extremamente difícil e se não o conseguisse seria morto. Muitos já haviam tentado e sacrificaram inutilmente a própria vida.Quando o jovem viu a princesa, ficou tão fascinado com sua beleza que esqueceu todo e qualquer perigo e apresentou-se ao rei como pretendente.Logo foi conduzido à beira mar onde, em sua presença, atiraram um anel de ouro à água. O rei ordenou que o pescasse do fundo do mar, acrescentando:- Se voltares à tona sem o anel, serás mergulhado de novo, até morreres afogado.Todo mundo lastimava a sorte do belo jovem. Ele ficou sozinho junto ao mar, pensando no que lhe cumpria fazer quando, de repente, viu surgirem três peixes que vinham nadando em sua direção; eram exatamente os mesmos que havia salvo durante sua viagem. O que vinha no meio trazia na boca uma concha, que depositou na areia, aos pés do jovem; este recolheu-a e, ao abri-la, encontrou dentro dela o anel de ouro.Agradeceu aos peixes e, radiante de alegria, correu para levar o anel ao rei, esperando obter a prometida recompensa.A orgulhosa princesa, quando soube que ele não era de sangue real, desprezou-o, exigindo que executasse outra tarefa. Descendo ao jardim, ela espalhou com as próprias mãos dez sacos de milho no meio da grama, e disse:- Se quiser casar comigo, terá que catar todo esse milho, sem que falte um só grão, até amanhã cedo, antes de raiar o sol.O jovem sentou-se preocupado no jardim e meditava, sem atinar na maneira de levar a termo aquela difícil tarefa. Desanimado e triste, contava ser condenado à morte assim que amanhecesse. Mas, quando os primeiros raios do sol iluminaram o jardim viu os dez sacos enfileirados, todos cheios, não faltando sequer um grãozinho de milho. O rei das formigas havia chegado durante a noite com milhões de súditos, e os insetozinhos, reconhecidos e zelosos, cataram todos os grãozinhos e encheram os dez sacos.A princesa desceu ao jardim e, pessoalmente, constatou, com grande assombro, que o jovem cumprira o que lhe tinha sido imposto. Ainda assim, não conseguiu vencer o orgulho que lhe dominava o coração.- Embora tenha executado as duas tarefas, - disse ela, - não o desposarei a não ser que me traga uma maçã da árvore da vida.O jovem ignorava completamente onde se encontrava a árvore da vida, contudo pôs-se a caminho disposto a andar enquanto Iho permitissem as pernas, sem esperança, porém, de encontrar a tal árvore.Havia já percorrido três reinos quando, um dia, ao entardecer, chegou a uma floresta. Muito cansado, sentou-se debaixo de uma árvore, tencionando dormir aí. De repente, ouviu um roçagar por entre os galhos e uma maçã de ouro veio cair-lhe na mão. No mesmo instante, desceram voando três corvos; pousaram-lhe sobre os joelhos, dizendo:- Somos os três pequenos corvos que livraste de morrer de fome. Agora já crescemos e viemos a saber que andavas à procura da maçã de ouro, senão terias que morrer. Então atravessamos o mar, voando até aos confins do mundo, onde se encontra a árvore da vida, e de lá te trouxemos a maçã.O jovem agradeceu muito e, radiante de alegria, retomou o caminho rumo ao palácio, levando a maçã à princesa.Dividiram pelo meio a maçã da vida e comeram-na juntos; assim o coração da princesa encheu-se de amor pelo jovem.Casaram-se e viveram bem felizes até idade muito avançada.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

As três folhas da serpente

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve uma vez um pobre homem que não podia mais sustentar seu filho único. Este,então, disse ao pai:- Meu querido pai, vives tão miseravelmente e eu sou um peso para ti; quero, portanto, ir-me embora e tratar de ganhar o pão de cada dia.O pai deu-lhe a benção, despedindo-se dele com grande tristeza.Naquele tempo, o rei de importante reino estava na guerra; o jovem entrou ao seu serviço, acompanhando-o ao campo de luta. Quando chegaram à frente do inimigo, travou-se uma grande batalha; o perigo era assustador; o feijão azul (balas) caía de todos os lados e os companheiros eram terrivelmente dizimados. Tendo caído também o comandante, os outros tentaram fugir, mas o jovem postou-se à frente deles e incentivou-os, exclamando:- Não deixaremos perecer nossa Pátria! Avante!Os outros, então, seguiram-no; ele irrompeu contra o inimigo e derrotou-o. Quando o rei veio a saber que só a ele devia a vitória, elevou-o a grande dignidade, deu-lhe tesouros ingentes e nomeou-o primeiro-ministro de seu reino.O rei tinha uma filha belíssima, mas muito esquisita. Ela havia jurado que só aceitaria por esposo e senhor quem lhe prometesse deixar-se enterrar vivo com ela, se acaso ela morresse primeiro.- Se me amar realmente, - dizia ela - de que lhe servirá depois a vida?Em compensação, prometia fazer o mesmo: Descer à sepultura junto com o marido seele morresse primeiro. Esse estranho juramento havia sempre desencorajado todos os pretendentes, mas o jovem, tão fascinado ficou com a beleza dela, que não deuimportância a tal esquisitice e pediu-a assim mesmo em casamento.- Sabes, porém, o que deves prometer? - perguntou-lhe o rei.- Sei, - respondeu o jovem - se eu lhe sobreviver, terei de descer com ela à sepultura; mas o meu amor é tão grande que o risco não me causa receio algum.Assim, obtido o consentimento do rei, realizaram-se as núpcias com o máximoesplendor. Durante algum tempo, viveram os jovens alegres e felizes. Entretanto, aconteceu que a rainha ficou gravemente enferma e nenhum médico conseguiu salvá-la.Diante da falecida esposa, o jovem rei lembrou-se da promessa feita e ficou horrorizado por ter que se enterrar vivo, mas não tinha outra alternativa. O rei dera ordens para que todas as portas fossem vigiadas; assim não lhe era possível fugir ao próprio destino. Portanto, no dia em que o cadáver foi trasladado para a cripta real, o jovem foi obrigado a segui-lo. Uma vez lá dentro, fecharam e aferrolharam-lhe a porta.Perto do ataúde havia uma mesa e, em cima dela, quatro velas acesas, quatro pães e quatro garrafas de vinho. Quando terminasse essa provisão, ele teria de morrer à míngua. Cheio de angústia e tremendamente acabrunhado, o jovem comia, diariamente, apenas um pedacinho do pão e, do vinho, tomava um golinho apenas. Via, contudo, a morte aproximar-se inevitavelmente. Enquanto se achava assim absorto, olhando para a frente, viu uma serpente sair rastejando do canto da cripta e avizinhar-se do cadáver. Julgando que fosse mordê-la, desembainhou a espada dizendo:- Enquanto eu viver, ninguém lhe tocará - e cortou o réptil em três pedaços.Nisso, apareceu uma segunda serpente, que vinha rastejando do canto da cripta mas, quando viu a companheira morta e em pedaços, retirou-se voltando logo com três folhas verdes na boca. Pegou os três pedaços da serpente morta, juntou-os direito e sobre cada um dos talhos colocou uma folha. Os pedaços uniram-se novamente, a serpente moveu-se e readquiriu a vida e, em seguida, fugiu com a companheira.As folhas ficaram caídas no chão e o infeliz, que assistira àquilo tudo, perguntou a si próprio se o poder mágico que continham, tendo ressuscitado a serpente, não poderia aplicar-se também a um ser humano? Recolheu então as folhas, colocou uma sobre a boca e as outras duas sobre os olhos da esposa falecida. Mal acabou de colocá-las, o sangue voltou a circular nas veias, afluindo-lhe ao rosto, dando-lhe natural colorido. Ela respirou, abriu os olhos e perguntou:- Oh, Deus meu, onde estou?- Estás comigo, minha querida mulher - respondeu o jovem.Em seguida, contou-lhe todo o sucedido e a maneira pela qual havia ressuscitado. Depois, deu-lhe um pedaço de pão e um pouco de vinho; assim que ela se reanimou, levantou-se e ambos foram bater à porta, esmurrando-a e gritando tão alto que os guardas ouviram e correram a avisar o rei. Este, em pessoa, desceu à cripta e abriu a porta, encontrando os dois vivos, sadios e viçosos como nunca; radiantes de alegria, abraçaram-se felizes por terem superado aqueles tormentos.O jovem rei levou consigo as três folhas e deu-as ao seu criado dizendo:- Guarda-as com cuidado e traze-as sempre contigo; quem sabe lá as circunstâncias que podem vir e se elas ainda servirão a alguém!Depois de ressuscitada, porém, a mulher mudara completamente; parecia que de seu coração se tivesse desvanescido todo o amor pelo marido. Este, decorrido algum tempo, quis fazer uma visita ao velho pai; ao embarcarem no navio que os levaria, a rainha esqueceu o grande amor e a dedicação que ele sempre lhe demonstrara, a ponto de tê-la salvo da morte e passou a nutrir uma paixão pecaminosa pelo comandante do navio.Certo dia, enquanto o rei estava dormindo, chamou o comandante e mandou que pegasse o marido pelos pés, enquanto ela segurava-o pela cabeça e atiraram-no ao mar. Consumado o crime, disse ela:- Agora voltaremos para casa. Diremos que ele morreu durante a viagem. Eu te exaltarei perante meu pai e tais elogios farei que ele consentirá em nosso casamento. Assim ficarás sendo tu o herdeiro da coroa.Mas o fiel criado, que tudo presenciara, foi, sem ser visto, destacar um bote salva- vidas e desceu ao mar. Entrou nele e foi vagando à procura de seu amo, deixando os traidores prosseguirem tranqüilamente a viagem. Assim que conseguiu pescar o cadáver, colocou-lhe nos olhos e na boca as três folhas verdes que trazia consigo, as quais lhe restituíram a vida.Juntos, então, puseram-se a remar dia e noite, com todas as forças e o bote voava por sobre as ondas com tamanha velocidade, que chegaram antes dos outros à presença do rei. Este, vendo-os regressar sozinhos, muito se admirou e perguntou qual o motivo. Ao ter conhecimento da crueldade da filha, exclamou:- Custa-me crer que tenha agido assim cruelmente, porém, a verdade logo virá à luz.Mandou que entrassem num quarto secreto e ficassem ocultos de todos. Não tardou muito e chegou o navio. A pérfida rainha apresentou-se ao pai muito aflita. Ele perguntou-lhe então:- Por que voltas sozinha? Onde está teu marido?- Ah, meu querido pai - respondeu ela - volto em grande luto; meu marido adoeceu repentinamente durante a viagem e faleceu. Se este bom comandante não me socorresse, não sei o que teria sido de mim. Ele assistiu-lhe a morte e pode contar tudo.- Eu vou fazer ressuscitar o morto - disse o rei.Abriu a porta do quarto secreto e fez sair os dois. Ao ver o marido, a rainha recebeu um choque tão grande como se lhe tivesse caído um raio aos pés. Prostrou-se de joelhos implorando perdão, mas o rei gritou-lhe:- Para ti não pode haver perdão! Ele mostrou-se pronto a morrer contigo; restituiu-tea vida e tu o assassinaste enquanto dormia. Deves, pois, receber o justo castigo.Conduziram-na, juntamente com o cúmplice, para um navio que fazia água e oslançaram ao mar, onde, não tardou muito, foram a pique e se afogaram.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Wednesday Aug 14, 2024

Em frente a uma grande floresta morava um pobre lenhador com a mulher e dois filhinhos; o menino chamava-se Joãozinho e a menina Margarida. Tinham pouco com que se alimentar, e, sobrevindo na cidade uma grande carestia, nem mesmo o pão de cada dia conseguiram mais.Numa dessas noites, quando atormentado pelas preocupações não conseguia dormir e ficava revirando inquieto na cama, entre um suspiro e outro, disse à mulher:- Que será de nós? Como alimentaremos nossos filhinhos, se nada temos nem para nós?- Escuta aqui, meu caro marido, - respondeu ela - amanhã cedo, levaremos as crianças para o mais cerrado da floresta, aí lhes acenderemos uma fogueira e lhes daremos um pedaço de pão para que se alimentem;depois iremos para o nosso trabalho e os deixaremos lá sozinhos; êles não conseguirão encontrar o caminho de casa e assim ficaremos livres dêles.- Não, mulher, isso não posso fazer. Se abandonar meus filhos sozinhos na floresta, não tardarão as feras a devorá-los, como poderei viver depois?- És um tolo, isso sim. Teremos de morrer os quatro de fome e não te resta se não aplainar as tábuas para os nossos caixões.Contudo, não deu sossêgo ao pobre marido até êle concordar.- Mas as pobres crianças causam-me uma pena imensa! - repetia êle.As crianças também, de tanta fome, não conseguiam dormir; assim ouviram tudo o que a madrasta dizia ao pai. Chorando amargamente, Margarida disse a João- zinho:- Está tudo acabado para nós!- Não te aflijas, - respondeu Joãozinho - não tenhas mêdo, eu sei o que hei de fazer.Assim que os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se bem de mansinho, vestiu o paletó, abriu a porta da frente e escapuliu para fora. A lua resplandecia diáfana e os seixos branquinhos cintilavam diante da casa como se fôssem moedas recém-cunhadas. O menino apanhou e meteu nos bolsos quantos pôde. Depois voltou para casa e disse a Margarida:- Tranqüiliza-te, querida irmãzinha, e dorme sossegada; Deus não nos abandonará.E deitou-se novamente.Ao amanhecer, antes ainda do sol raiar, a mulher acordou as crianças, dizendo:- Levantem-se, seus vadios. Vamos catar lenha na floresta.Deu um pedaço de pão a cada um e disse:- Eis aqui para o vosso almoço; mas não deveis comê-lo antes do meio-dia, se não nada mais tereis que comer depois.Margarida guardou o pão no avental pois Joãozi- nho estava com os bolsos cheios de pedras. Em seguida, encaminharam-se todos rumo à floresta. Tendo caminhado um certo trecho, Joãozinho parou e voltou-se a olhar para a casa; fêz isso repetidas vêzes, até que o pai, intrigado, lhe perguntou:- Que tanto olhas, Joãozinho, e por que ficas sempre para trás? Vamos, apressa-te.- Ah, papai, - disse o menino - estou olhando para o meu gatinho branco, que, de cima do telhado, está acenando para mim.- Tolo, não é o teu gato - interveio a mulher; - não vês que é o sol da manhã brilhando na chaminé?Mas Joãozinho não olhava para gato nenhum; era apenas um pretexto para, tôdas as vêzes, deixar cair no caminho uma das pedrinhas brilhantes que trazia no bolso.Quando, finalmente, chegaram ao meio da floresta, disse-lhes o pai:- Juntemos um pouco de lenha, meninos, vou acender uma fogueira para que não fiqueis enregelados.Joãozinho e Margarida juntaram uma boa quantidade de gravetos e ramos sêcos, com os quais acenderam a fogueira; ussim que as chamas se elevaram, disse-lhes a mulher:- Deitai-vos juntos do fogo, meninos, enquanto nós vamos rachar lenha; uma vez terminado o nosso trabalho, viremos buscar-vos.Joãozinho e Margarida sentaram-se perto do fogo e, ao meio-dia, cada qual comeu o seu pedaço de pão. Ouvindo os golpes do machado, julgaram que o pai estivesse aí por perto; mas não era o machado, era simplesmente um galho que êle havia amarrado a uma árvore sêca e que batia sacudido pelo vento. Ficaram muito tempo sentados junto do fogo, depois, pelo cansaço, fo- ram-se-lhes fechando os olhos até adormecerem profundamente. Quando despertaram, era já noite avançada. Margarida pôs-se a chorar com mêdo.- Como sairemos agora da floresta?- Espera um pouco - disse-lhe Joãozinho para a consolar - espera até surgir a lua, aí encontraremos o caminho.Não tardou, apareceu a lua resplandecente. Joãozinho tomou a irmãzinha pela mão e juntos foram seguindo as pedrinhas, que brilhavam como moedas novas e lhes indicavam o caminho. Andaram a noite tôda; ao despontar da aurora, chegaram à casa paterna. Bateram à porta e, quando a mulher abriu, vendo os dois na sua frente, disse, muito zangada:- Crianças malvadas, por que dormistes tanto na floresta? Até pensamos que não queríeis mais voltar para casa.O pai, ao contrário, alegrou-se ao vê-los, pois remoia-o o remorso por tê-los abandonado lá sòzinhos.Assim passou um certo tempo. Depois a miséria tornou a invadir a casa e, uma noite, quando estavam deitados, os meninos ouviram a madrasta dizer ao pai:- Já comemos tudo o que havia em casa, só nos resta meio pão, e com êle acaba a ração. E' necessário que as crianças se vão embora; desta vez, porém, os conduziremos mais para o embrenhado da floresta, a fim de que não encontrem o caminho para voltar. Não nos resta outra solução.O homem sentiu confranger-se-lhe o coração e ia pensando: "Seria melhor que repartisses teu último bocado com teus filhos"; e relutava em concordar. A mulher, porém, não queria dar-lhe ouvido e censurava-o àsperamente. Ora, quem diz A deve também dizer B e desde que havia cedido da primeira vez, viu-se forçado a ceder da segunda.As crianças, que ainda estavam acordadas, ouviram tôda a conversa. Assim que os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se novamente para sair de mansinho, como da outra vez, para catar os seixos lá fora; mas a madrasta havia trancado a porta e êle não pôde sair. En- tretando, consolou a irmãnzinha, dizendo-lhe:- Não chores Margarida, dorme sossegada; o bom Deus nos há de ajudar.Ao raiar do dia, na manhã seguinte, a madrasta tirou as crianças da cama. Cada um dêles recebeu um pedaço de pão, ainda menor que da vez anterior. Em caminho para a floresta, Joãozinho esfarelou-o no bôlso e, de quando em quando, parava a fim de, jeitosamente, deixar cair as migalhas.- Que tanto olhas para trás, Joãozinho, e por que te demoras? - perguntou o pai.- Estou olhando para o meu pompinho que está a dizer-me adeus de cima do telhado.- És um tolo, - disse a mulher - não vês então que não é o teu pompinho, mas sim o sol nascente, que brilha na chaminé.Entretanto, o menino fôra esparramando, pouco a pouco, as migalhas pelo longo do caminho.Dessa vez a madrasta conduziu as crianças ainda mais para o interior da floresta, para um lugar em que jamais haviam estado. Acenderam, novamente, uma grande fogueira e ela disse-lhes:- Ficai aqui, quietinhos, meninos. Quando estiverdes cansados, deitai-vos e dormi um pouco; enquanto isso, nós iremos rachar lenha e, à tarde, ao terminar nosso trabalho, viremos buscar-vos.Ao meio-dia, Margarida repartiu seu pedaço de pão com Joãozinho, que havia espalhado o dêle pelo caminho. Depois adormeceram e anoiteceu; mas ninguém foi buscá-los. Acordaram quando ia alta a noite e a menina pôs-se a chorar. Joãozinho consolou-a, dizendo:- Espera até surgir a lua, aí então veremos as migalhas de pão que espalhei e por elas encontraremos o caminho de casa.Quando surgiu a lua, levantaram-se, mas não encontraram mais nem uma só migalha; os passarinhos, que andam por tôda parte, tinham comido tôdas. Joãozinho então disse à Margarida:- Não tem importância, havemos de encontrar o caminho de qualquer maneira.Não encontraram o caminho e caminharam tôda a noite e mais um dia inteiro sem conseguir sair da floresta. Estavam com uma fome tremenda, pois só tinham comido algumas amoras, e tão cansados que as pernas não se agüentavam mais; então, deitaram-se debaixo de uma árvore e adormeceram.Era já a terceira manhã, depois que haviam saído da casa do pai; retomaram novamente o caminho, mas cada vez se embrenhavam mais pela floresta a dentro e, se ninguém viesse em seu socorro, certamente acabariam morrendo de fome.Ao meio-dia, avistaram um lindo passarinho, alvo como a neve, pousado num galho; cantava tão maviosa- mente que os meninos pararam para ouvi-lo. Quando acabou de cantar, saiu a voar na frente dêles, que o foram acompanhando, e assim chegaram a uma casinha onde o passarinho foi pousar no telhado. Chegando bem perto, viram que a casinha era feita de pão-de-ló e coberta de torta, com janelinhas de açúcar cândi.- Mãos à obra! - exclamou satisfeito Joãozinho - podemos fazer uma excelente refeição. Eu comerei um pedaço do telhado e tu, Margarida, podes comer um pedaço da janela; é doce.Joãozinho ergueu-se na ponta dos pés, estendeu as mãos e arrancou um pedaço de telhado para provar que sabor tinha. Margarida, aproximando-se dos vidros da janela, pôs-se a lambiscá-los. Então, de dentro da casa, saiu uma vòzinha estridente:
- Rapa, rapa, rapinha,Quem rapa a minha casinha?
Os meninos responderam:
- O vento, sou eu.O filho do céu.
e continuaram comendo, sem se perturbar. Joãozinho, que achava o telhado delicioso, arrancou um belo pedaço e Margarida apoderou-sc de um vidro inteiro, redondo; sentou-se no chão e comeu-o deliciada.Mas, de repente, abriu-se a porta e num passo trôpego saiu uma velha decrépita, apoiada numa muleta. Joãozinho e Margarida assustaram-se de tal maneira que deixaram cair o que tinham nas mãos. A velhinha, porém, meneando a cabeça, disse-lhes:- Ah, meus queridos meninos, quem vos trouxe aqui? Entrai e ficai comigo, aqui nenhum mal vos acontecerá.Pegou-os pela mão e levou-os para dentro da casinha. Aí serviu-lhes uma deliciosa refeição, composta de leite e bolinhos, maçãs e nozes; depois foram preparadas para êles duas lindas caminhas, muito limpas e alvas; Joãozinho e Margarida, muito cansados, deitaram-se, julgando estar no céu.A velha fingia ser muito boa, mas na verdade era uma bruxa muito má, que atraía as crianças; para isso havia construido a casinha de pão-de-ló. E, quando caía em suas mãos alguma criança, ela matava-a, cozinhava-a e comia-a, e êsse dia era para a bruxa um dia de festa.As bruxas são, geralmente, míopes e têm os olhos vermelhos, mas são dotadas de um olfato muito agudo, como os animais, o que lhes permite pressentir a chegada de criaturas humanas. Portanto, quando Joãozinho e Margarida se aproximaram da casa, ela riu sarcasticamente, dizendo com os seus botões: "Estes cairam em meu poder, não me escaparão mais."Pela manhã, bem cedinho, antes que os meninos acordassem, levantou-se e foi espiá-los. Vendo-os bochechudos e coradinhos, a dormir como dois anjinhos, murmurou: "Que petisco delicioso vou ter!" E agarrando Joãozinho com seus dedos aduncos, levou-o para um chi- queirinho, trancando-o dentro das grades de ferro; e de nada lhe adiantou gritar e esperneur.Depois foi ter com Margarida. Com um safanão, despertou-a e gritou:- Levanta-te, preguiçosa! Vai buscar água e prepara uma boa comidinha para teu irmão, que está prê- so no chiqueirinho e deve engordar. Pois, assim que estiver bem gordinho, quero comê-lo.Margarida desatou a chorar amargamente. Mas seu pranto foi inútil e teve mesmo de fazer o que lhe ordenava a perversa bruxa.Margarida, então, preparava os manjares mais requintados para Joãozinho, enquanto ela não recebia mais do que algumas cascas de caranguejos para comer. Cada manhã a velha arrastava-se até junto da grade e dizia:- Joãozinho, mostra-me teu dedinho, quero ver se está gordinho!Joãozinho, porém, mostrava-lhe sempre um ossinho e a velha, que era extremamente míope, não podendo ver direito, julgava que fôsse o dedo do menino, ficando muito admirada por êle nunca engordar. Passadas quatro semanas, visto que Joãozinho continuava sempre magro, perdeu a paciência e resolveu não esperar mais.- Vamos, Margarida, - ordenou à menina - traz água depressa; gordo ou magro não importa, matarei assim mesmo Joãozinho e amanhã o comerei.Como chorou a pobre irmãzinha ao ter de trazer a água! Como lhe corriam abundantes as lágrimas pelas faces!- Ah, Deus bondoso, ajuda-nos! - implorava ela. - Antes nos tivessem devorado as feras no meio da floresta! Pelo menos teríamos morrido juntas!- Deixa de lamentações, - gritou-lhe a velha - elas de nada adiantam.Pela manhã, bem cedinho, Margarida teve de ir buscar água, encher o caldeirão e acender o fogo.- Primeiro vamos assar o pão, já preparei a massa, - disse a bruxa - e já acendi o forno.Empurrou a pobre Margarida para perto do forno do qual saíram grandes labaredas.- Entra lá dentro, - disse a velha - e vê se já está bem quente para poder assar o pão.Assim, pensava a bruxa, quando Margarida estivesse lá dentro, fecharia a bôca do forno, e a deixaria assar para comê-la também. A menina, porém, adivinhando sua intenção, disse:- Eu não sei como se faz! Como é que se entra?- Tonta, estúpida, - disse a velha - a abertura é bastante grande, olha, até eu poderia entrar!Assim dizendo, abeirou-se da bôca do forno, aproximando a cabeça. Margarida, então, com um forte empurrão fê-la entrar dentro e fechou ràpidamente a porta de ferro com o cadeado. Uh! Que berros horríveis soltava a bruxa! Margarida, porém, saiu correndo e a velha acabou morrendo, miseràvelmente queimada.Chegando ao chiqueirinho, a menina abriu a portinhola, dizendo ao irmão:- Joãozinho, corre, estamos livres; a velha bruxa morreu.Joãozinho então saiu pulando, alegre como um passarinho ao lhe abrirem a guiola. Com que felicidade se abraçaram e beijaram, rindo e dançando? Como nada mais tinham a temer, percorreram a casinha da bruxae viram espalhadas pelos cantos grandes arcas cheias de pérolas e pedrarias preciosas.- Estas são bem melhores do que os seixozinhos!- disse Joãozinho, enquanto ia enchendo os bolsos até não poder mais.- Também eu, - disse Margarida - quero levar um pouco disso para casa. - E foi enchendo o avental.- Agora vamo-nos embora daqui, - disse Joãozinho - temos que sair da floresta da bruxa.Após terem andado durante algumas horas, chegaram à margem de um rio muito largo.- Não é possível atravessá-lo, - disse Joãozinho- pois não vejo ponte alguma.- Nem mesmo um barquinho, - disse Margarida,- mas olha, aí vem vindo uma pata branca; se lhe pedirmos, ela certamente nos ajudará a atravessar. Pôs-se a chamá-la:
- Patinha, patinha.Cá estão João e Guidinha.Não podemos passar,Queres nos levar?
A pata acercou-se da margem e Joãozinho sentou- se-lhe nas costas, dizendo à irmãozinha que também sentasse, bem juntinho dêle. Mas Margarida respondeu:- Não, ficaria muito pesado para a boa patinha, é melhor que ela nos transporte um de cada vez.Assim féz a boa patinha; e quando, felizmente, chegaram ao outro lado, depois de caminhar um bom percurso, o bosque foi-se tornando sempre mais familiar até que por fim viram a casa paterna. Deitaram a correrem sua direção, e lá chegando, precipitaram-se para dentro, onde se lançaram ao pescoço do pai, cobrindo-o de beijos.O pobre homem nunca mais tivera uma hora feliz desde que abandonara as crianças no meio da floresta. A mulher (para felicidade de todos) havia morrido. Então Margarida sacudiu o avental, deixando rolar pelo chão as pérolas e as pedras preciosas; Joãozinho acrescentou todo o conteúdo de seus bolsos.Acabaram-se todos os sofrimentos e preocupações e, desde êsse dia, viveram os três contentes e felizes pelo resto da vida."Minha história acabou, um rato passou, quem o pegar, poderá sua pele aproveitar."Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

As três fiandeiras

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Uma moça, bonita e prendada, não encontrava casamento, embora muito merecesse um bom estado. Ia sempre à missa das almas, pela madrugada, e rezava seu rosário para elas. Perto da casa da moça morava um homem rico e solteiro que dizia só casar-se com a melhor fiandeira da cidade. A moça sabendo essa notícia, ia comprar linho à casa do rico, dizendo fiá-lo todo num só dia. O homem ficava pasmado, vendo uma moça tão trabalhadora.
Não dando inteiro crédito ao que ouvia, uma manhã, em que a moça apareceu para mercar um pouco de linho, disse-lhe em tom de brincadeira: moça, se esse linho é fiado num dia, sem entrar pelo serão, leve-o sem pagar e irei ao anoitecer ver sua tarefa.
A moça voltou para casa muito aflita com a promessa porque não podia fiar o linho num dia, nem a metade da porção que trouxera. Pôs o linho nas rocas e começou a chorar, a chorar sem consolo. Quando, estava assim, ouviu uma voz trêmula dizendo:
- Por que chora a minha filha?
Levantou a cabeça e viu uma velha, muito velha, vestida de branco e muito pálida. Contou o que lhe sucedia e a velha disse: vá rezar seu rosário que eu vou ajudá-la um pouco.
A moça foi rezar e quando acabou todo o linho estava fiado e pronto. A velha disse: Se você casar eu virei às bodas e não se esqueça de chamar-me minha tia por três vezes.
A moça prometeu. Quando o mercador chegou e viu o linho fiado, ficou assombrado. Gabou muito a moça e no outro dia mandou, ainda uma porção maior de linho, dizendo que voltaria para ver o resultado. A moça pôs-se a chorar sem parar.
Outra velha apareceu, parecida com a primeira, e fiou o linho num amém, enquanto a moça rezava. e ao despedir-se fez o mesmo pedido que a primeira velha fizera.
Ainda uma vez o mercador visitou a moça e não teve palavras para elogiar o quanto ela fizera num dia. Mandou, de presente, ainda mais linho e o mesmo pedido. A moça voltou a lamentar-se e uma terceira velha apareceu e tudo se passou como de costume, linho fiado e promessa feita,
O mercador veio visitar a moça e pediu-a em casamento, marcando-se o dia. Como um dos pre sentes de noivado, recebeu a noiva muito linho para fiar, e rocas, fusos, dobadouras e mais apetrechos. A moça estava desesperada com; o seu futuro.
Quando acabou de casar, surgiram na porta as três velhas juntas. A moça, lembrada do que prometera, recebeu-as muito bem, tratando-as por tias, oferecendo comida, bebida, assento, e fazendo toda a sorte de agrados e oferecimentos. O noivo não tinha cobro do espanto qué lhe causava a feição de cada uma das velhas. Não se contendo, perguntou:
- Por que as senhoras são assim, corcovadas, alhos esbugalhados e queixos para fora? Foi alguma doença?
- Não foi, senhor sobrinho - responderam as velhas - foi o fiar que nos deu essas pechas. Fiámos anos e anos e ficámos assim, corcovadas pela posição, olhos esbugalhados de acompanhar o riço, queixos feios péla tarefa com os tomentos.
O noivo não quis mais saber de rocas, fusos e dobadouras. Agarrou tudo e atirou pana o meio da rua, dizendo que jamais sua mulher havia de pegar num instrumento que a faria tão feia.
Viveram muito felizes. As três velhas eram as "alminhas," agradecidas pela devoção da moça.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Os três homenzinhos na floresta

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Havia um homem cuja mulher morrera, e uma mulher cujo marido morrera; e o homem tinha uma filha, e a mulher tinha uma filha também.
As meninas vieram a se conhecer, foram passear juntas e, mais tarde, chegaram à casa da mulher. Esta disse, então, à filha do homem:
- Escuta, dize a teu pai que eu gostaria de me casar com ele; terás, todas as manhãs, leite para te lavares e vinho para beber; minha filha porém, terá água para se lavar e água para beber.
A menina foi para casa e contou a seu pai o que a mulher havia dito.
- Que devo fazer? – disse o homem. – O casamento é uma alegria e é, também, tormento.
Por fim, como não conseguisse tomar decisão alguma, descalçou sua bota e disse:
- Pega esta bota, que tem um furo na sola, leva-a ao sótão, pendura-a no prego grande e despeja-lhe água dentro. Se ela contiver a água, decido que tomo de novo uma esposa, mas se a água escorrer, decido que não.
A menina fez como lhe fora ordenado, mas a água retraiu o furo, e a bota ficou cheia até a borda. Ela comunicou o resultado ao pai, e ele, então, subiu pessoalmente. Quando viu que a filha tinha razão, foi ter com a viúva, pediu-lhe a mão, e o casamento se realizou.
Na manhã seguinte, quando as duas meninas se levantaram, a filha do homem encontrou leite para se lavar e vinho para beber; para a filha da mulher, porém, havia água para se lavar e água para beber. Na segunda manhã, tanto a filha do homem como a filha da mulher encontraram água para se lavarem e água para beber. E, na terceira manhã, a filha do homem tinha água para se lavar e água para beber, e a filha da mulher tinha leite para se lavar e vinho para beber. E assim continuou dali por diante.
A mulher tomou ódio da enteada e, de dia para dia, não sabia mais o que fazer de pior para ela. Além disso, tinha-lhe inveja, pois a enteada era bela e graciosa, enquanto sua própria filha era feia e repugnante.
Certa vez, no inverno, quando tudo se congelara espessamente e a montanha e o vale jaziam cobertos de neve, a mulher fez um vestido de papel, chamou a menina e disse:
- Toma este vestido, veste-o e vai à floresta colher para mim um cestinho cheio de morangos. Estou ansiosa para comê-los.
- Meu bom Deus, – disse a menina – no inverno não crescem morangos, a terra está congelada, e a neve cobriu tudo! E por que devo ir com este vestido de papel? Lá fora está tão frio que chega a gelar o hálito. O vento passará através do vestido, e os espinhos o arrancarão do meu corpo.
- Ousas contradizer-me? – retrucou a madrasta. – Trata de ir e não me apareças antes de teres o cestinho cheio de morangos.
Deu-lhe ainda um pedacinho de pão duro e disse:
- Com isto, terás o que comer durante o dia.
E pensou: "Lá fora, acabará enregelando-se e morrendo de fome, e nunca mais aparecerá diante dos meus olhos."
A menina, então, obedeceu, pôs o vestido de papel e saiu com o cestinho. Por toda parte, não havia outra coisa a não ser neve, e não se enxergava um só talinho verde. Chegando à floresta, ela viu uma casinha onde três homenzinhos espiavam pela janela. Ela desejou-lhes bom-dia e bateu discretamente a porta. Eles chamaram-na para dentro, e ela entrou na salinha e sentou-se num banco junto ao fogão; queria aquecer-se e comer sua refeição. Os homenzinhos disseram:
- Dá-nos também um pouquinho!
- Com todo o prazer – respondeu ela, e partiu em dois seu pedacinho de pão, dando-lhes a metade.
Eles perguntaram:
- Que queres aqui na floresta, em pleno inverno, com esse vestidinho tão fino?
- Ah, – respondeu ela – preciso procurar morangos para encher este cestinho, e não posso voltar para casa sem levá-los comigo.
Tendo ela acabado de comer seu pão, eles deram-lhe uma vassoura, dizendo:
- Tira com ela a neve da porta dos fundos.
Enquanto ela estava lá fora, os homenzinhos puseram-se a conversar entre si:
- Que lhe devemos dar de presente por ser tão gentil e bondosa, e por ter repartido seu pão conosco?
Então, o primeiro disse:
- O meu presente é que ela se torne cada dia mais bela.
E disse o segundo:
- O meu presente é que lhe caia da boca uma moeda de ouro, sempre que pronunciar uma palavra.
E o terceiro disse:
- O meu presente é que venha um rei e a tome por esposa.
A menina fez como os homenzinhos lhe haviam mandado, tirou com a vassoura a neve que havia atrás da casa, e o que pensais que ela encontrou? Uma grande quantidade de morangos maduros, bem encarnados, que surgiam por entre a neve. Cheia de alegria, apressou-se em apanhá-los e encher seu cestinho, agradeceu aos homenzinhos, apertando a mão de cada um, e correu para casa, pois queria levar à madrasta o que ela lhe exigira. Quando entrou e disse "Boa-noite!," imediatamente caiu de sua boca uma moeda de ouro. Contou, então, o que lhe havia sucedido na floresta e, a cada palavra que pronunciava, caíam-lhe da boca moedas de ouro, de modo que logo toda a sala se cobria delas.
- Olha só que leviandade – exclamou a filha da madrasta – jogar dinheiro dessa maneira!
No intimo, porém, estava com inveja e também queria ir até a floresta procurar morangos. Disse a mãe:
- Não, minha querida filhinha, está frio demais e poderias ficar enregelada.
Como, no entanto, ela não lhe desse mais sossego, acabou consentindo. Fez-lhe um magnífico casaco de pele, que ela vestiu, e deu-lhe pão com manteiga e bolo para comer no caminho.
A menina entrou na floresta e foi direto à pequena casinha. Os três homenzinhos lá estavam de novo espiando pela janela; ela, porém, não os cumprimentou e, sem ao menos voltar o olhar para eles, embarafustou pela sala adentro, sentou-se ao fogão e começou a comer seu pão com manteiga e seu bolo.
- Dá-nos também um pouquinho – exclamaram os homenzinhos.
Ela, porém, respondeu:
- Mal chega para mim, como posso dar aos outros?
Quando acabou de comer, disseram eles:
- Aqui tens uma vassoura. Vai lá fora, varre com ela diante da porta dos fundos e deixa tudo limpo.
- Ora, varrei vós mesmos, – respondeu ela – eu não sou vossa criada.
E, vendo que eles não lhe queriam dar nada de presente, saiu pela porta afora.
- Que lhe devemos dar por ser tão descortês, e por ter um coração mal e invejoso, e por não repartir nada com ninguém?
Disse o primeiro:
- O meu presente é que ela se torne cada dia mais feia.
E disse o segundo:
-O meu presente é que lhe salte da boca um sapo, a cada palavra que pronunciar.
E disse o terceiro:
- O meu presente é que morra de morte horrível.
Lá fora, a menina procurou morangos. Como não achou nenhum, foi para casa aborrecida. E, quando abriu a boca, querendo contar à mãe o que lhe sucedera na floresta, a cada palavra que proferia, saltava-lhe da boca um sapo, de modo que todos tomaram aversão por ela.
A madrasta, então, zangou-se mais ainda e só pensava na maneira de causar todo tipo de sofrimento à enteada, cuja beleza aumentava de dia para dia. Por fim, pegou um caldeirão, pôs no fogo e ferveu fios dentro dele. Depois de fervidos, pendurou-os nos ombros da pobre menina e lhe deu um machado, mandando-lhe que fosse até o rio congelado, fizesse um buraco no gelo e enxaguasse os fios.
Obedientemente, ela foi até lá e se pôs a dar machadadas no gelo para abrir um buraco; ainda estava ocupada nisso, quando apareceu uma suntuosa carruagem, dentro da qual estava o rei. A carruagem se deteve, e o rei perguntou:
- Minha pequena, quem és tu e que fazes aí?
- Sou uma pobre menina e enxaguo fios.
Então, o rei teve pena e, vendo que ela era tão bela, disse:
- Queres vir comigo?
- Oh, sim, de todo o coração – respondeu ela, contente de poder ficar longe das vistas da mãe e da irmã.
Assim, subiu na carruagem e foi embora com o rei. Quando chegaram ao castelo, o casamento foi festejado com grande esplendor, conforme os homenzinhos lhe haviam desejado.
Passado um ano, a jovem rainha teve um filho. A madrasta, ouvindo falar de sua grande felicidade, foi com sua filha ao castelo, sob o pretexto de fazer uma visita. Mas como, em dado momento, o rei se ausentou e não havia mais ninguém por perto, a malvada mulher agarrou a rainha pela cabeça, e sua filha agarrou-a pelos pés, tiraram-na da cama e jogaram-na pela janela, na correnteza do rio que por ali passava. Em seguida, a filha feia deitou-se na cama, e a velha cobriu-a até a cabeça. Quando rei voltou e quis falar com sua mulher, a velha disse:
- Psiu... silêncio! Agora não é possível. A rainha está suando muito. Hoje deveis deixá-la repousar.
O rei não viu maldade nisso e voltou na manhã seguinte. Quando falou com sua mulher, a cada resposta que ela lhe dava, saltava-lhe um sapo da boca, quando antes caía uma moeda de ouro. Então, ele perguntou o que era aquilo, mas a velha respondeu que era conseqüência do forte suadouro e que logo passaria.
À noite, porém, o ajudante de cozinha viu uma pata que, nadando pela sarjeta, chegou e disse:
- Ó rei, que fazes aí?
Estás a velar ou estás a dormir?
E, como ele não lhe desse resposta alguma, ela perguntou:
- E como estão minhas visitas?
Então o ajudante de cozinha respondeu:
- Profundamente adormecidas.
E ela continuou:
- Que está fazendo o meu filhinho?
E ele respondeu:
- Está dormindo em seu bercinho.
Então, retomando o aspecto de rainha, ela subiu, amamentou o filhinho, ajeitou-lhe a caminha, cobriu-o bem e, retomando a forma de uma pata, foi-se embora de novo, nadando pela sarjeta. Assim, ela veio por duas noites. Na terceira, disse ao ajudante de cozinha:
-Vai, e dize ao rei para apanhar sua espada e, na soleira da porta, brandi-la três vezes sobre mim.
O ajudante de cozinha correu a falar com o rei, que veio com a espada e a brandiu três vezes sobre o espírito; na terceira vez, estava diante dele a sua esposa, radiante, cheia de vida e saúde como antes.
O rei sentiu grande alegria, mas conservou a rainha escondida num aposento até o domingo seguinte, quando a criança deveria ser batizada. Terminada a cerimônia, ele disse:
- Que merece uma pessoa que arranca outra da cama e a atira ao rio?
- Nada melhor – respondeu a velha – do que meter a malvada num barril crivado de pregos e rodá-lo montanha abaixo para dentro d'água.
O rei, então, disse:
- Proferiste tua sentença.
E mandou buscar um barril assim, e mandou meter dentro dele a velha com sua filha; e o fundo do barril foi pregado, e o barril foi posto a rolar montanha abaixo, até que rodou para dentro do rio.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Rapunzel

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez um casal que há muito tempo desejava inutilmente ter um filho. Os anos se passavam, e seu sonho não se realizava. Afinal, um belo dia, a mulher percebeu que Deus ouvira suas preces. Ela ia ter uma criança!Por uma janelinha que havia na parte dos fundos da casa deles, era possível ver, no quintal vizinho, um magnífico jardim cheio das mais lindas flores e das mais viçosas hortaliças. Mas em torno de tudo se erguia um muro altíssimo, que ninguém se atrevia a escalar. Afinal, era a propriedade de uma feiticeira muito temida e poderosa.Um dia, espiando pela janelinha, a mulher se admirou ao ver um canteiro cheio dos mais belos pés de rabanete que jamais imaginara. As folhas eram tão verdes e fresquinhas que abriram seu apetite. E ela sentiu um enorme desejo de provar os rabanetes.A cada dia seu desejo aumentava mais. Mas ela sabia que não havia jeito de conseguir o que queria e por isso foi ficando triste, abatida e com um aspecto doentio, até que um dia o marido se assustou e perguntou:- O que está acontecendo contigo, querida?- Ah! - respondeu ela. - Se não comer um rabanete do jardim da feiticeira, vou morrer logo, logo!O marido, que a amava muito, pensou: "Não posso deixar minha mulher morrer… Tenho que conseguir esses rabanetes, custe o que custar!"Ao anoitecer, ele encostou uma escada no muro, pulou para o quintal vizinho, arrancou apressadamente um punhado de rabanetes e levou para a mulher. Mais que depressa, ela preparou uma salada que comeu imediatamente, deliciada. Ela achou o sabor da salada tão bom, mas tão bom, que no dia seguinte seu desejo de comer rabanetes ficou ainda mais forte. Para sossegá-la, o marido prometeu-lhe que iria buscar mais um pouco.Quando a noite chegou, pulou novamente o muro mas, mal pisou no chão do outro lado, levou um tremendo susto: de pé, diante dele, estava a feiticeira.- Como se atreve a entrar no meu quintal como um ladrão, para roubar meus rabanetes? - perguntou ela com os olhos chispando de raiva. - Vai ver só o que te espera!- Oh! Tenha piedade! - implorou o homem. - Só fiz isso porque fui obrigado! Minha mulher viu seus rabanetes pela nossa janela e sentiu tanta vontade de comê-los, mas tanta vontade, que na certa morrerá se eu não levar alguns!A feiticeira se acalmou e disse:- Se é assim como diz, deixo você levar quantos rabanetes quiser, mas com uma condição: irá me dar a criança que sua mulher vai ter. Cuidarei dela como se fosse sua própria mãe, e nada lhe faltará.O homem estava tão apavorado, que concordou. Pouco tempo depois, o bebê nasceu. Era uma menina. A feiticeira surgiu no mesmo instante, deu à criança o nome de Rapunzel e levou-a embora.Rapunzel cresceu e se tomou a mais linda criança sob o sol. Quando fez doze anos, a feiticeira trancou-a no alto de uma torre, no meio da floresta.A torre não possuía nem escada, nem porta: apenas uma janelinha, no lugar mais alto. Quando a velha desejava entrar, ficava embaixo da janela e gritava:- Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!Rapunzel tinha magníficos cabelos compridos, finos como fios de ouro. Quando ouvia o chamado da velha, abria a janela, desenrolava as tranças e jogava-as para fora. As tranças caíam vinte metros abaixo, e por elas a feiticeira subia.Alguns anos depois, o filho do rei estava cavalgando pela floresta e passou perto da torre. Ouviu um canto tão bonito que parou, encantado.Rapunzel, para espantar a solidão, cantava para si mesma com sua doce voz.Imediatamente o príncipe quis subir, procurou uma porta por toda parte, mas não encontrou. Inconformado, voltou para casa. Mas o maravilhoso canto tocara seu coração de tal maneira que ele começou a ir para a floresta todos os dias, querendo ouvi-lo outra vez.Em uma dessas vezes, o príncipe estava descansando atrás de uma árvore e viu a feiticeira aproximar-se da torre e gritar: "Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!." E viu quando a feiticeira subiu pelas tranças."É essa a escada pela qual se sobe?," pensou o príncipe. "Pois eu vou tentar a sorte…."No dia seguinte, quando escureceu, ele se aproximou da torre e, bem embaixo da janelinha, gritou:- Rapunzel, Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!As tranças caíram pela janela abaixo, e ele subiu.Rapunzel ficou muito assustada ao vê-lo entrar, pois jamais tinha visto um homem.Mas o príncipe falou-lhe com muita doçura e contou como seu coração ficara transtornado desde que a ouvira cantar, explicando que não teria sossego enquanto não a conhecesse.Rapunzel foi se acalmando, e quando o príncipe lhe perguntou se o aceitava como marido, reparou que ele era jovem e belo, e pensou: "Ele é mil vezes preferível à velha senhora…." E, pondo a mão dela sobre a dele, respondeu:- Sim! Eu quero ir com você! Mas não sei como descer… Sempre que vier me ver, traga uma meada de seda. Com ela vou trançar uma escada e, quando ficar pronta, eu desço, e você me leva no seu cavalo.Combinaram que ele sempre viria ao cair da noite, porque a velha costumava vir durante o dia. Assim foi, e a feiticeira de nada desconfiava até que um dia Rapunzel, sem querer, perguntou a ela:- Diga-me, senhora, como é que lhe custa tanto subir, enquanto o jovem filho do rei chega aqui num instantinho?- Ah, menina ruim! - gritou a feiticeira. - Pensei que tinha isolado você do mundo, e você me engana!Na sua fúria, agarrou Rapunzel pelo cabelos e esbofeteou-a. Depois, com a outra mão, pegou uma tesoura e tec, tec! cortou as belas tranças, largando-as no chão.Não contente, a malvada levou a pobre menina para um deserto e abandonou-a ali, para que sofresse e passasse todo tipo de privação.Na tarde do mesmo dia em que Rapunzel foi expulsa, a feiticeira prendeu as longas tranças num gancho da janela e ficou esperando. Quando o príncipe veio e chamou: "Rapunzel! Rapunzel! Joga abaixo tuas tranças!," ela deixou as tranças caírem para fora e ficou esperando.Ao entrar, o pobre rapaz não encontrou sua querida Rapunzel, mas sim a terrível feiticeira. Com um olhar chamejante de ódio, ela gritou zombeteira:- Ah, ah! Você veio buscar sua amada? Pois a linda avezinha não está mais no ninho, nem canta mais! O gato apanhou-a, levou-a, e agora vai arranhar os seus olhos! Nunca mais você verá Rapunzel! Ela está perdida para você!Ao ouvir isso, o príncipe ficou fora de si e, em seu desespero, se atirou pela janela. O jovem não morreu, mas caiu sobre espinhos que furaram seus olhos e ele ficou cego.Desesperado, ficou perambulando pela floresta, alimentando-se apenas de frutos e raízes, sem fazer outra coisa que se lamentar e chorar a perda da amada.Passaram-se os anos. Um dia, por acaso, o príncipe chegou ao deserto no qual Rapunzel vivia, na maior tristeza, com seus filhos gêmeos, um menino e uma menina, que haviam nascido ali.Ouvindo uma voz que lhe pareceu familiar, o príncipe caminhou na direção de Rapunzel. Assim que chegou perto, ela logo o reconheceu e se atirou em seus braços, a chorar.Duas das lágrimas da moça caíram nos olhos dele e, no mesmo instante, o príncipe recuperou a visão e ficou enxergando tão bem quanto antes.Então, levou Rapunzel e as crianças para seu reino, onde foram recebidos com grande alegria. Ali viveram felizes e contentes.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Wednesday Aug 14, 2024

O irmãozinho, pegando a irmãzinha pela mão, disse:- Desde que nossa mãe morreu, nunca mais tivemos uma hora feliz: nossa madrasta nos espanca todos os dias e, quando chegamos perto dela, nos enxota a pontapés. Nosso único alimento, são as côdeas duras de pão; trata melhor o cachorrinho debaixo da mesa, pelo menos ela lhe dá, de vez em quando, algum bocado bem bom. Meu Deus, se nossa mãe soubesse! Vem, vamo-nos embora daqui, vamos por esse mundo afora.Foram andando e caminharam o dia inteiro, percorrendo prados, campos, caminhos pedregosos. De repente, começou a chover, e a irmãzinha disse:- Deus e os nossos corações estão chorando juntos.Ao anoitecer, chegaram a uma grande floresta; estavam tão cansados de chorar e de andar e com tanta fome que resolveram entrar na cavidade de uma velha árvore oca e aí adormeceram.Na manhã seguinte, quando despertaram, o sol já estava alto no céu e seus raios ardentes penetravam na cavidade da árvore. Então, o irmãozinho disse:- Estou com sede, irmãzinha; se descobrisse alguma fonte por aí, iria beber um pouco; aliás, parece-me ouvir um murmúrio de água a correr!Levantou-se, pegou a irmãzinha pela mão e saíram ambos à procura da fonte. Mas a perversa madrasta, que era uma bruxa ruim, vira os meninos irem-se embora; seguiu-os ocultamente, mesmo como fazem as bruxas, e enfeitiçou os mananciais da floresta. Quando os meninos encontraram o regato de água, que corria cintilante sobre as pedras, o irmãozinho precipitou-se para beber; mas a irmãzinha ouviu o murmúrio da água que dizia:- Quem beber desta água transformar-se-á em tigre.- Peço-te, querido irmãozinho, que não bebas desta água, - disse ela, - senão te transformarás em fera e me devorarás.O irmãozinho não bebeu, apesar da grande sede que tinha, e disse:- Esperarei até encontrar outra fonte.Quando, porém, chegaram à outra fonte, a irmãzinha ouviu-a dizer:- Quem beber desta água se transformará em lobo; transformar-se-á em lobo.Não bebas, querido irmãozinho, - suplicou a irmãzinha, - senão te transformarás em lobo e me devorarás.O irmãozinho não bebeu, mas disse:- Esperarei até encontrar a terceira fonte: ai então beberei, digas o que disseres, pois não resisto mais de tanta sede.Quando chegaram à terceira fonte, a irmãzinha ouviu- a murmurar:- Quem beber desta água transformar-se-á num gamozinho.A irmãzinha tornou a pedir:- Oh, meu irmãozinho, peço-te, não bebas desta água, senão te transformarás num gamozinho e fugirás de mim.Mas o irmãozinho já estava ajoelhado junto da água e bebeu, porque sentia grande sede. Mal tinha sorvido os primeiros goles, eis que se transformou num pequeno gamo.A irmãzinha, então, chorou muito ao ver o irmãozinho transformado em gamo e este chorou com ela, achegando-se muito acabrunhado ao seu lado. Por fim a menina disse:- Tranquiliza-te, meu querido gamozinho, eu jamais te abandonarei.Desprendeu da perna sua liga dourada e atou-a ao pescoço do gamo; colheu alguns juncos e com eles trançou um cordel com o qual prendeu o animalzinho; depois internaram-se ambos na floresta.Andaram, andaram, andaram e, por fim, descobriram uma casinha; a menina espiou dentro, viu que estava vazia, e resolveu: "Ficaremos morando aqui."Juntou folhas e musgo e fez uma caminha macia para o gamozinho e todas as manhãs saía cedo para colher raízes, amoras e nozes pura seu sustento.A irmãzinha colhia a erva mais tenra, que ele vinha comer alegremente em suas mãozinhas, saltando e dando mil cabriolas a seu lado. A noite, cansada das labutas diárias, irmãzinha rezava suas orações, depois reclinava a cabeça no dorso de gamozinho e nesse travesseiro adormecia sossegada. Se o irmãozinho voltasse à forma humana, a vida ali seria maravilhosa.Bastante tempo viveram ainda sozinhos na floresta, mas deu-se o caso que o rei organizou uma grande caçada; então ressoaram as trompas por entre o arvoredo, o latido dos cães, os gritos alegres dos caçadores, e o gamozinho, ouvindo esse tropel, pensou no prazer que teria em participar daquele divertimento.- Ah, - disse ele à irmãzinha, - deixa-me tomar parte na caçada! Não resisto à vontade de ir ter com eles.Tanto implorou que ela teve de consentir, mas disse-lhe:- Deves voltar, à tarde; eu fecharei a porta por causa dos caçadores; ao bater, para que se reconheça, deves dizer:"Deixa-me entrar, minha irmãzinha"; se não disseres isso, não abrirei.O gamozinho escapuliu bem depressa, satisfeito e feliz por encontrar-se ao ar livre. O rei e os caçadores, vendo o lindo animalzinho, saíram em sua perseguição, mas não conseguiram alcançá-lo, pois quando contavam agarrá-lo, de um salto ele desapareceu por trás das moitas. Assim que anoiteceu, correu para casa, bateu à porta e disse:- Deixa-me entrar minha irmãzinha!Então, a porta abriu-se; ele pulou para dentro e dormiu, tranquilamente, a noite toda, no seu fofo leito. No dia seguinte, teve prosseguimento a caçada; quando o gamozinho ouviu as trompas de caça e os oh, oh, dos caçadores, não pôde conter-se e disse:- Abre-me a porta, irmãzinha, tenho que sair!A irmãzinha abriu e tornou a dizer:- Tens, porém, que voltar à tarde e pronunciar a senha.Assim que o rei e os caçadores tomaram a ver o gamozinho com a coleira de ouro, deitaram a persegui-lo, mas ele era muito ágil e esperto. A perseguição durou o dia todo, até que afinal, ao entardecer, os caçadores conseguiram cercá-lo e um deles feriu-o no pé. O pobre gamozinho, mancando muito, conseguiu fugir, embora menos depressa. Um dos caçadores seguiu-o, cautelosamente, e viu-o chegar à casinha e chamar:- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!A porta abriu-se e fechou-se rapidamente. O caçador, vendo isso, guardou tudo na memória e foi contar ao rei o que vira e ouvira.- Amanhã, - disse o rei, - voltaremos a caçar outra vez.Entretanto, a irmãzinha assustara-se terrivelmente quando viu o gamozinho ferido. Lavou-lhe o ferimento e aplicou-lhe logo algumas ervas, dizendo:- Agora vai deitar-te, meu querido gamozinho, para sarar bem depressa.O ferimento, porém, era tão insignificante que na manhã seguinte o gamozinho não tinha mais nada. Ouvindo novamente a algazarra dos caçadores, exclamou:- Não resisto ficar aqui, tenho de ir logo para lá; desta vez não me pegarão facilmente.A irmãzinha, chorando, dizia-lhe:- Desta vez te matarão e eu ficarei sozinha nesta floresta, abandonada por todos; não, não te deixarei ir.- Se não for morrerei de tristeza, - lamentava-se o gamo, - quando ouço a trompa de caça, não posso conter-me dentro da pele!A irmãzinha não teve outro remédio senão abrir-lhe a porta, embora com o coração cheio de angústia. O gamo, alegre e feliz, disparou rumo à floresta. Assim que o rei o viu, ordenou aos caçadores:- Podeis segui-lo, o dia todo, mas proíbo que se lhe faça o menor mal.Logo que o sol se escondeu, disse o rei ao caçador:- Vem, mostra-me a casinha da floresta.Quando chegaram diante da porta, o rei bateu, dizendo:- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!Então a porta se abriu e o rei entrou; lá dentro, deparou com uma jovem tão linda como jamais vira. A jovem assustou-se quando viu entrar, não o seu querido gamozinho, mas um homem estranho, com uma coroa de ouro na cabeça. Entretanto, o rei contemplava-a com tanta doçura e meiguice que, quando lhe estendeu a mão disse:- Queres vir comigo para meu castelo e ser minha esposa?Ela respondeu contente:- Oh, sim! Mas quero que o meu gamozinho me acompanhe, pois nunca me separarei dele.- Ficará sempre contigo, - prometeu o rei, - e enquanto viveres nada lhe faltará.Nisso, chegou o gamo fazendo cabriolas; a irmãzinha prendeu-o com o cordel de junco, segurando-o com as mãos; depois saíram todos da casinha da floresta.O rei fê-la montar no cavalo e conduziu-a ao castelo onde, pouco depois, realizaram as bodas, com intenso júbilo e grandes pompas. Assim, ela tornou-se Sua Majestade a Rainha e juntos iam vivendo felizes e tranquilos. O gamo era bem alimentado, bem tratado e passava o tempo dando cabriolas no jardim.A perversa madrasta, que havia obrigado as crianças a vagar ao leu, julgava que a irmãzinha tivesse sido devorada pelas feras na floresta e o irmãozinho, transformado em gamo, tivesse caído vitima dos caçadores. Entretanto. quando ouviu contar que viviam felizes e abastados, o coração encheu-se de inveja e de ciúme, não tendo mais sossego. Não pensava em outra coisa senão na maneira de criar-lhes novas desventuras. Sua filha única. que era feia como a escuridão e que tinha um só olho, censurava-a, dizendo:- A mim é que devia calhar a sorte de ser rainha!- Fica tranquila, - respondeu a velha, acrescentando com satisfação: - no momento oportuno, estarei a postos!E o momento oportuno chegou. A rainha deu à luz um belo menino, justamente quando o rei se achava ausente, durante as caçadas. A bruxa, então, tomando o aspecto da camareira, entrou no quarto onde repousava a rainha e disse-lhe:- Vinde, senhora, vosso banho está pronto; ele vos fará bem e vos dará novas forças, vinde logo, antes que esfrie.Com ela estava também a filha. Ambas carregaram a rainha, ainda muito débil, para o quarto de banho e puseram-na na banheira; depois fecharam a porta e deitaram a fugir. Antes, porém, haviam aceso um fogo infernal no quarto de banho e a rainha, fechada lá dentro, em breve sucumbiu sufocada.Feito isto, a velha meteu uma touca na cabeça da filha e deitou-a no leito, no lugar da rainha. Deu-lhe também a forma e a semelhança desta; só não pôde restituir-lhe o olho que lhe faltava; e para que o rei não percebesse, ela foi obrigada a deitar-se de lado, tentando assim esconder a falha.A noite, quando voltou e soube que lhe nascera um menino, o rei ficou radiante de alegria e quis logo dirigir-se ao quarto de sua querida esposa a fim de saber como estava passando. A velha, porém, interveio rápida, gritando:- Pelo amor de Deus, deixai as cortinas fechadas; e rainha ainda não pode ver luz, além disso está muito fraca e precisa descansar.O rei, então, retirou-se e não ficou sabendo que no leito havia uma falsa rainha.Mas à meia-noite, quando todos dormiam no castelo, a ama velava junto ao berço do recém-nascido e viu abrir-se a porta e entrar a verdadeira rainha. Esta tirou a criança do berço, tomou-a no colo e deu-lhe de mamar; depois ajeitou o travesseirinho e deitou-a, agasalhando-a bem com o cobertorzinho. Não esqueceu, também, o seu gamozinho; dirigiu-se para o canto onde estava deitado e fez-lhe alguns carinhos; em seguida saiu silenciosamente, como havia entrado. Na manhã seguinte, a ama perguntou aos guardas se tinham visto entrar alguém no castelo durante a noite. Responderam-lhe:- Não, não vimos entrar ninguém.Durante muitas noites seguidas, a rainha voltou a aparecer, sempre sem pronunciar palavra; a ama via-a todas as vezes mas não ousava contar a ninguém.Depois de alguns dias, a rainha certa noite começou a falar:
"Que faz o meu filhinho?Que faz meu gamozinho?Ainda duas vezes virei,depois nunca mais voltarei."
A ama não disse nada, mas, quando ela desapareceu, foi aonde se encontrava o rei e contou-lhe tudo o que vinha se passando.- Meu Deus, - exclamou o rei, - que será isso! Na próxima noite, ficarei velando perto de meu filho.Assim o fez; chegando a noite, ocultou-se no quarto do menino e, quando deu meia-noite, viu aparecer a rainha, que tornou a falar:
"Que faz o meu filhinho?Que faz meu gamozinho?Ainda uma vez virei,depois nunca mais voltarei."
Cuidou, como sempre fazia, da criança antes de desaparecer; o rei, porém, não teve coragem de falar-lhe e decidiu ficar velando, também, na noite seguinte junto do filho. À meia-noite viu-a entrar e dizer:
"Que faz o meu filhinho?Que faz meu gamozinho?Vim ainda esta veze depois nunca mais."
O rei então não se conteve mais, correu para ela, dizendo:- Não podes ser outra senão a minha esposa querida.- Sim, - respondeu-lhe ela, - sou eu mesma, tua esposa querida.Pela graça de Deus, voltou à vida; bela, sadia e viçosa como fora antes. Contou ao rei o crime praticado pela bruxa perversa e sua filha e o rei, então mandou que fossem ambas julgadas e condenadas. A filha foi conduzida à floresta, onde acabou estraçalhada pelos animais ferozes; a bruxa foi lançada à fogueira, onde teve morte horrível e assim que se transformou em cinzas, o gamozinho recuperou novamente seu aspecto humano.A partir de então, a irmãzinha e o irmãozinho viveram juntos com o rei no castelo, alegres e felizes pelo resto da vida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Gentalha

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Franguinho disse à Franguinha:- Agora é a época em que estão amadurecendo as nozes; vamos os dois à montanha e, pelo menos uma vez na vida, fartemo-nos, antes que o esquilo as carregue todas.- Sim, - respondeu Franguinha, - vamos; vamos regalar-nos fartamente.E lá se foram os dois para a montanha. Como era um dia magnífico, deixaram-se ficar até tarde. Ora, eu não sei se realmente estavam empanturrados, ou se apenas fingiam estar; só sei que não queriam voltar a pé para casa e Franguinho teve que construir um carrinho com cascas de nozes. Quando ficou pronto, Franguinha acomodou-se nele e disse:- Agora, Franguinho, podes puxar.- Que ideia a tua! - respondeu Franguinho, - prefiro antes ir a pé para casa; não, não foi esse o nosso trato. Sentar-me na boleia e servir de cocheiro, posso fazer, mas atrelar-me e puxar, isso é que não!Enquanto assim discutiam, chegou uma pata cacarejando:- Corja de ladrões, quem vos deu licença para invadir a montanha das minhas nozes? Agora me pagareis.Precipitou-se de bico aberto sobre Franguinho, mas este, que não era nenhum covarde, atirou-se valentemente contra a pata, trepou-lhe nas costas, bicou-a e esporeou-a tão violentamente, que ela não teve remédio senão pedir mercê. Como punição, consentiu que a atrelassem ao carrinho. Franguinho subiu à boleia como cocheiro e partiram em carreira desabalada.- Corre pata; corre o mais ligeiro que puderes!Após terem percorrido bom trecho de caminho, encontraram dois peões: um alfinete e uma agulha. Estes gritaram:- Pára! Pára!Então explicaram que já estava escurecendo e não podiam dar mais um passo sequer; o caminho estava tão lamacento! Não poderiam viajar no carrinho? Tinham estado na estalagem dos alfaiates, além dos muros da cidade, e lá se haviam retardado bebendo um copo de cerveja.Como era gente magra, não ocupavam muito espaço. Franguinho deixou-os subir. Mas tiveram de prometer não pisar os pés dele o de sua querida Franguinha. Era tarde da noite quando chegaram á estalagem, e não querendo prosseguir a viagem de noite, mesmo porque a pata estava mal das pernas, cambaleando de um lado para outro, decidiram pernoitar aí.O estalajadeiro, a princípio, tentou opor-se, inventando mil dificuldades e alegando que a casa estava lotada. Isso porque tinha a impressão de que não eram da alta sociedade. Mas, tão bem souberam argumentar, prometendo-lhe que ganharia o ovo que Franguinha havia posto pelo caminho e, também, que ficaria com a pata que botava um ovo por dia, que, finalmente, ele acabou por deixá-los pernoitar.Mandaram, então, pôr a mesa e banquetearam-se alegremente. Pela manhã, logo de madrugada, quando ainda dormiam todos, Franguinho despertou Franguinha, apanhou o ovo, fez-lhe um buraquinho com o bico e juntos chuparam-no, atirando a casca na lareira.Depois, foram onde estava a agulha dormindo a sono solto, pegaram-na pela cabeça e espetaram-na no encosto da poltrona do estalajadeiro, e o alfinete espetaram na toalha de rosto.Feito isso, sem dizer a nem b, abriram as asas e foram-se voando pela planície afora. A pata, já habituada a dormir ao relento, tinha ficado no terreiro; ouvindo-os esvoaçar, acordou e foi saindo. Encontrou um regato e por ele foi nadando, descendo a corrente; era mais rápido do que puxar o carrinho.Algumas horas mais tarde o estalajadeiro, levantando-se antes dos outros, lavou-se e foi enxugar-se na toalha; então o alfinete arranhou-lhe o rosto, deixando-lhe um sulco vermelho que ia de uma orelha a outra. Foi à cozinha, onde queria acender o cachimbo, mas, ao inclinar-se na lareira, as cascas do ovo saltaram-lhe nos olhos.- Esta manhã tudo está contra a minha cabeça, - resmungou, e deixou-se cair muito irritado na sua poltrona; mas deu um pulo, gritando:- Ai, Ai.A agulha o havia espetado dolorosamente, - e não na cabeça.A essa altura, o furor dele chegou ao extremo; começou a suspeitar dos hóspedes que haviam chegado tão fora de hora na noite anterior. Foi procurá-los, mas estes já haviam desaparecido.Diante disso, o pobre estalajadeiro jurou nunca mais hospedar gentalha que, além de comer muito, não paga nada, e ainda por cima, agradece com malvadezas.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Os doze irmãos

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um rei e uma rainha, cuja vida decorria em perfeita harmonia. Tinham doze filhos, todos rapazes. Certo dia, o rei disse à rainha:- Logo mais, quando tiveres o décimo terceiro filho, se for uma menina, os doze rapazes deverão morrer, a fim de que a menina tenha riqueza bem grande e o reino não seja repartido.Mandou preparar doze ataúdes embutidos de maravalhas e em cada um o respectivo travesseirinho fúnebre; mandou guardá-los num quarto trancado, cuja chave entregou à rainha, ordenando-lhe que guardasse absoluto segredo.A pobre mãe passava os dias imersa na maior tristeza; o filho menor, que estava sempre a seu lado, e que ela apelidara com o nome bíblico de Benjamim, perguntou-lhe:- Querida mamãe, por quê andas tão triste?- Não posso contar porque, meu amor! - respondeu a rainha.Mas o menino não lhe deu sossego enquanto ela não contou; levou-o ao quarto, abriu a porta, e mostrou-lhe os doze ataúdes embutidos de maravalhas.- Meu querido Benjamim, - disse ela, estes ataúdes foram encomendados por teu pai; são para ti e para teus irmãos, porque, se eu tiver uma filha, vós todos devereis perecer e ser sepultados aqui.Isto dizendo, chorava amargamente. O filho, porém, consolou-a:- Não chores, mamãe, nós todos cuidaremos de fugir; iremos embora daqui.Ela, então, aconselhou-o:- Vai com teus onze irmãos para a floresta, e um fique sempre de guarda em cima da árvore mais alta que encontrardes, observando a torre do castelo. Se nascer um menino, hastearei uma bandeira branca, em sinal de que podereis voltar, mas se nascer uma menina, hastearei uma bandeira vermelha, para fugirdes o mais depressa possível para bem longe. Que o bom Deus vos proteja. Levantar-me-ei todas as noites para rezar por vós, para que no inverno tenhais um bom fogo para aquecer-vos e no verão não definheis ao calor tórrido.Após terem recebido sua bênção, os filhos encaminharam-se rumo à floresta. Cada um, por sou turno, montava guarda sentado num galho do mais alto carvalho o daí observava a torre do castelo. No décimo primeiro dia chegou o turno de Benjamim; ele, então, viu exposta uma bandeira vermelha, cor de sangue, a anunciar-lhes que todos deveriam morrer. Quando os irmãos receberam a notícia, ficaram exasperados e disseram:- Por causa de uma mulher estamos condenados a morrer! Juremos todos vingança; juremos que, onde encontrar-mos uma menina, faremos correr seu sangue!Internaram-se, depois, na floresta; justamente na parte mais densa, onde era mais escura, toparam com uma casa minúscula, que estava vazia. Então combinaram:- Residiremos aqui, e tu, Benjamim, que és o menor e o mais débil, não sairás. Ficarás cuidando dos afazeres, enquanto nós providenciaremos o necessário para comer.Saíam todos, percorrendo a floresta, caçando lebres, veadinhos, pássaros e pombinhos; enfim, toda espécie de animais bons para comer; ao voltar entregavam-nos ao irmão Benjamim, que devia prepará-los, e com isso matavam a fome. Viveram juntos nessa casinha durante dez anos, que não lhes pareceram longos.Entretanto, a menina que nascera da rainha também havia crescido; era dotada de excelente coração, de rosto muito bonito e tinha uma estreia de ouro a brilhar-lhe na testa.Certo dia, quando procediam à uma lavagem geral da roupa, viu doze camisas de homens e perguntou à mãe?- De quem são estas doze camisas? Não são muito pequenas para o papai?Então a mãe, com o coração cortado de angústia, disse-lhe:Querida filhinha, são de teus doze irmãos.- Onde estão os meus doze irmãos? - perguntou ainda a menina. - Nunca ouvi falar neles!- Só Deus sabe por onde andam, - respondeu a mãe: - foram-se, por esse mundo afora.Tomando a menina pela mão, conduziu-a ao quarto trancado, abriu a porta e mostrou-lhe os ataúdes embutidos de maravalhas e com os respectivos travesseirinhos fúnebres.- Estes ataúdes, - explicou-lhe, - eram destinados aos teus irmãos; mas eles fugiram, às escondidas, antes que tu nascesses.Contou-lhe, assim, tudo o que havia sucedido. A menina, então, disse:- Querida mamãe, não chores mais; irei procurar meus irmãos.Pegando as doze camisas, pôs-se a caminho e não tardou a embrenhar-se na grande floresta. Andou o dia inteiro e, ao anoitecer, chegou à casinha encantada. Entrou e aí encontrou um rapazinho, que lhe perguntou:- De onde vens, e para onde vais?O rapazinho ficou admiradíssimo ao ver uma menina tão bela, trajando vestimentas reais, e tendo, além disso, uma estreia de ouro na testa. Ela, gentilmente, respondeu:- Sou uma princesa e ando à procura de meus doze irmãos; irei até onde chega o azul do céu, contanto que os encontre.Assim dizendo, mostrou-lhe as doze camisas. Então Benjamim reconheceu que ela era sua irmã.- Eu sou Benjamim, - disse-lhe, - o menor de teus irmãos.Foi tamanha a alegria que ambos desataram a chorar, abraçando-se e beijando-se com grande ternura. Depois, Benjamim lhe disse:- Querida irmã, temos a vencer uma grave dificuldade. Todos nós havíamos jurado que, se encontrássemos uma menina, ela deveria morrer, porque foi uma menina a causa de sermos obrigados a abandonar nosso- Está bem, - disse ela, - morrerei satisfeita, se com isso puder restituir a felicidade a meus irmãos.- Não, não, - respondeu o irmão, - tu não deves morrer. Oculta-te sob essa tina até chegarem os outros onze irmãos e deixa tudo por minha conta.A menina obedeceu. Quando anoiteceu, regressaram os outros da caça e encontraram, como sempre, a refeição pronta. Sentaram-se à mesa, perguntando:- Que há de novo?- Não sabeis coisa alguma? - perguntou-lhes Benjamim.- Não, nada sabemos, - responderam os outros.- Pois bem, - disse Benjamim, - vós estivestes na floresta, eu não saí de casa; entretanto, sei mais que todos.- Então conta-nos o que sabes, - exclamaram a uma só voz.- Deveis prometer-me, - disse Benjamim, - que a primeira menina que encontrardes será poupada.- Está bem, - responderam todos, - será poupada, mas conta logo.Benjamim, então, contou:- Nossa irmã está aqui.Assim dizendo, suspendeu a tina e fez sair a princesa com os trajes reais e a estrela de ouro na testa: era tão linda, tão meiga e delicada que todos se alegraram em vê-la; depois abraçaram-na e beijaram-na de todo o coração.A menina ficou morando com eles. Ficava em casa com Benjamim, ajudando-o nos afazeres domésticos. Os onze irmãos iam para a floresta caçar pássaros, veados e pombinhos para se alimentarem, enquanto a irmã e Benjamim cuidavam de preparar a refeição. Ela catava lenha para cozinhar e ervas que serviam de verdura; punha as panelas no fogo de modo que a refeição estivesse sempre pronta quando chegassem os onze irmãos. Além disso, mantinha em ordem a casa, arrumava as camas com roupa sempre muito alva, e os irmãos viviam satisfeitos e em perfeita harmonia com ela.Assim decorreu algum tempo. Os dois que ficavam em casa preparavam deliciosos quitutes e, quando se reuniam todos à mesa, comiam e bebiam muito felizes. Mas, anexo à casinha encantada, havia um minúsculo jardim; nele haviam desabrochado doze lírios (também chamados flores de Santo Antônio)... Um belo dia, querendo ser agradável aos irmãos, ela colheu os doze lírios e tencionava presenteá-los durante o jantar, oferecendo um lírio a cada um.Mal acabou, porém, de colher as flores, eis que os doze irmãos se transformaram em doze corvos e sairam voando para a floresta, desaparecendo também a casinha e o jardim. A pobre menina viu-se sozinha na floresta e, volvendo o olhar em redor, notou uma velha aliperto.- Que fizeste, minha filha? - disse a velha. - Por quê tocaste nas doze flores alvas? Eram- teus irmãos! Agora eles transformaram-se para sempre em corvos.A menina, chorando amargamente, perguntou:- Não há meio algum de os salvar?- Não, - respondeu a velha; - aliás há um único meio no mundo; mas é uma coisa tão difícil que não conseguirás fazê-la para salvá-los, porque deveria ficar muda durante sete anos, sem falar nem rir; uma só palavra que dissesses, embora faltando apenas uma hora para completar os sete anos, tudo teria sido em vão e eles morreriam em consequência dessa tua palavra.A menina disse de si para si: "tenho certeza de que conseguirei libertar meus irmãos."Foi à procura de uma árvore bem alta, trepou nela e acomodou-se. Lá em cima, passava o tempo fiando, e não falava nem ria.Ora, sucedeu que um rei muito poderoso foi caçar na floresta. Ele tinha um belo galgo, que correu justamente em direção à árvore onde se encontrava a menina e pôs-se a latir, a ganir, olhando para cima. O rei. então, aproximou-se e descobriu a linda princesa com a estreia de ouro na testa. Ficou tão fascinado com a sua beleza que ali mesmo lhe perguntou se queria tornar-se sua esposa. Ela não respondeu, porque não podia, mas acenou ligeiramente com a cabeça. Subindo na árvore, o rei tomou-a nos braços e carregou-a para o seu cavalo, conduzindo-a depois ao palácio.Realizaram-se as bodas com grande pompa e regozijo de todos; mas a noiva não falava, nem ria. Contudo, viveram alguns anos muitos felizes. Não tardou, porém, que a mãe do rei, mulher muito maldosa, começasse a inventar calúnias contra a jovem rainha, dizendo ao filho.- Essa mulher que trouxeste para dentro de casa, não passa de uma vulgar mendiga; quem pode saber que intrigas perversas estará urdindo em segredo! Se é muda e não pode falar, poderia, pelo menos, rir; mas quem não ri é porque tem algo a pesar-lhe na consciência.O rei, a princípio, não lhe deu atenção, deixando-a falar. A velha, porém, tanto insistiu, tantas coisas más lhe atribuiu, que por fim conseguiu persuadir o rei, levando-o a condenar à morte a querida esposa.No pátio do castelo, acenderam uma grande fogueira, na qual ela devia ser queimada; o rei, debruçado à janela, olhava para aquilo com os olhos rasos de lágrimas porque amava muito a mulher.Quando ela já estava amarrada ao poste e as rubras línguas de fogo começaram a lamber-lhe as roupas, escoou-se o último minuto dos sete anos prefixados. Ouviu-se, então, no espaço um forte ruflar de asas e logo chegaram, em fila, doze corvos, os quais, assim que pousaram no chão, voltaram a transformar-se nos doze irmãos salvos por ela. Com a maior rapidez, apagaram o fogo, soltaram a querida irmãzinha, abraçaram-na e beijaram-na, cheios de alegria.Agora, que já podia abrir a boca e falar, contou tudo ao rei, explicando, assim, porque estivera muda e não podia rir.Grande foi o júbilo do rei ao conhecer a inocência da esposa e, desde esse dia, viveram todos juntos, na mais perfeita harmonia, até o fim da vida.Quanto à sogra perversa, foi julgada, colocada num tonel cheio de óleo fervendo e de serpentes venenosas, onde acabou morrendo de morte horrível.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O músico maravilhoso

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Num país distante havia um músico que tocava muito bem violino. Como a vida não lhe corria muito bem, decidiu procurar um companheiro. Foi até à floresta e pôs-se a tocar, até que lhe apareceu um lobo assustando-o. O lobo disse-lhe que tocava muito bem e que gostava de aprender a tocar como ele. O músico prometeu ensinar-lhe se ele fizesse tudo o que lhe mandasse. Então ao dirigirem-se para um carvalho velho, que estava oco e que tinha uma fenda a meio do tronco, o músico disse ao lobo que se quisesse aprender a tocar violino teria que meter a pata nessa abertura. O lobo obedeceu e o músico apanhou uma pedra, entalando a pata do lobo na fenda.
Como o músico queria encontrar um companheiro, lá continuou a tocar violino com entusiasmo, até que apareceu uma raposa encantada com a música, dizendo-lhe que gostava de aprender a tocar como ele. Pelo que o músico respondeu que para isso bastava que ele fizesse tudo o que lhe mandasse e então continuaram a andar até chegarem a um caminho estreito, aí ele prendeu com os pés dois ramos de aveleira e dizendo à raposa que se quisesse aprender a tocar violino lhe desse a pata esquerda. O animal obedeceu e o homem atou uma das patas a um ramo e a outra ao segundo ramo. Ao tirar os pés dos ramos, eles endireitaram-se e a raposa ficou suspensa pelas patas.
Como ainda não tinha encontrado o companheiro para formar sociedade e ganhar a vida, sentou-se a tocar o violino. Entretanto apareceu uma linda lebre que ao gostar da música lhe pede para o ensinar a tocar. O músico promete-lhe ensinar se ela obedecer às suas instruções. A lebre aceita e deixa-o atar um cordel à volta do pescoço, prendendo-a a um tronco.
Entretanto o lobo debatendo-se consegue soltar a pata e enfurecido vai atrás do músico, encontrando pelo caminho a raposa que lhe pede para a soltar. Ao passarem perto da lebre esta gritou por ajuda e foram todos os três em busca do músico. Este entretanto, tinha atraído com a sua música um caçador que lhe pede para aprender a tocar. O músico satisfeito disse-lhe que o ensinaria de muito bom agrado, já que tocar bem um instrumento era um privilégio de homens e piscando-lhe o olho deu-lhe sinal para os animais que se aproximavam furiosos.
O caçador apontou-lhes a arma ameaçando-os pelo que assustados fugiram todos a correr.
O músico ficou todo satisfeito por ter encontrado um companheiro e assim passaram a andar de vila em vila tocando e caçando para que nunca lhes falte comida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O bom negócio

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez um camponês que tinha levado a sua vaca para a feira, e a vendeu por sete táleres. No caminho de volta para casa ele tinha de passar por um lago, e já de longe ele ouvia os sapos gritando: "Iquá, quá, quá, quá!" - "Bem," disse ele para si mesmo, "eles não sabem o que estão dizendo, são sete táleres que eu recebi não quatro." Quando ele entrou na água, o camponês gritou para eles: - "Criaturas estúpidas que vocês são! Vocês não sabem de nada! São sete táleres e não quatro."
Os sapos, no entanto, continuavam a mesma ladainha, "Iquá, quá, quá, quá!" - "O quê, vocês não acreditam, eu posso mostrar na frente de vocês," e ele tirou o dinheiro do bolso e contou os sete táleres, levando-se em conta que vinte e quatro grosches equivalem a um táler. Os sapos, todavia, sem saber o que ele dizia, continuam dizendo "Iquá, quá, quá, quá!" - "O quê, exclamou o camponês que já estava ficando zangado, - "já que vocês acham que sabem mais do que eu, contem vocês mesmos," e jogou todo o dinheiro na água.
Ele ficou parado e ficou esperando até que tivessem terminado de contar e lhe devolvessem o dinheiro de novo, mas os sapos ficaram imóveis e gritavam sem parar: "Iquá, quá, quá, quá!" e além disso, não jogaram o dinheiro de volta para ele. Ele ainda esperou um bom tempo até que a noite chegou e ele foi obrigado a ir para casa.
Então, ele insultou os sapos dizendo: - "Escuta aqui, seus espirradores de água, seus cabeças gordas, seus olhos esbugalhados, vocês tem bocas grandes e podem berrar até estourarem os seus ouvidos, mas vocês não sabem contar sete tálares! Vocês acham que eu vou ficar esperando aqui até quando terminarem? E com isso ele foi embora, mas os sapos continuavam gritando "Iquá, quá, quá, quá!" depois que ele se foi, até que ele chegou em casa muito furioso.
Passado algum tempo ele comprou uma nova vaca, a qual ele matou, e fez as contas que se ele vendesse a carne por um preço bom, ele poderia ganhar o equivalente ao que duas vacas valeriam, e usaria ainda o couro dela na troca. Quando então ele chegou na cidade com a carne, uma grande matilha de cães estava reunida na frente do portão, e eram chefiados por um cachorro galgo, que pulou na carne, meteu o focinho nela e latindo: "Uau, uau, uau."
Como ele não parava de latir, o camponês disse para ele: - "Sim, sim, eu sei muito bem o que você está dizendo "uau, uau, uau," porque você quer um pedaço de carne, mas eu teria um prejuízo se eu desse um pedaço para você." O cachorro, todavia, não respondia nada, somente "uau, uau, uau." - "Você promete não devorar tudo, então, e você se responsabiliza pelos teus amigos?"
"Uau, uau, uau.," dizia o cachorro. - "Bem, se você insiste, eu vou te dar um pedaço, eu te conheço bem, e sei que você é quem manda, mas eu lhe digo, dentro de três dias eu preciso receber o dinheiro, caso contrário, você vai se ver comigo, e você deve entregar o dinheiro lá em casa." E assim ele descarregou a carne e virou as costas, e os cachorros pularam em cima dela e latiam alto: "uau, uau, uau."
O camponês, ouvindo-os de longe, dizia consigo mesmo: - "Escute só, todos eles queriam um pedaço, mas o grandalhão é o principal responsável por tudo."
Três dias haviam se passado, e o camponês pensou: - "Hoje o dinheiro estará no meu bolso," e ficou muito satisfeito. Mas ninguém aparecia para lhe dar o dinheiro. - "Será que não dá para confiar em ninguém hoje em dia," pensou ele, e finalmente ele perdeu a paciência, e foi até a cidade procurar o açougueiro e exigir o seu dinheiro. O açougueiro achou que era uma brincadeira, mas o camponês dizia: - "Não estou brincando, eu quero o meu dinheiro! Por acaso, o cachorro grande não trouxe para você uma vaca inteirinha que eu matei há três dias atrás?"
Então o açougueiro ficou nervoso, pegou um cabo de vassoura e expulsou o camponês. - "Espere um pouquinho," pensou o camponês, "deve haver ainda justiça no mundo!" e foi para o palácio do rei e solicitou uma audiência. Ele foi levado diante do rei, o qual estava sentado ao lado da sua filha, e lhe perguntou que prejuízo ele havia sofrido. - "O senhor não imagina," disse ele, os sapos e os cachorros tomaram de mim o que me pertence, e o açougueiro me retribuiu com vassouradas," e relatou com todos os detalhes tudo o que havia acontecido. Então, a filha do rei começou a achar tudo muito engraçado e o rei disse para ele: - "Não posso te fazer justiça nesse caso, mas você receberá a minha filha como esposa, -- em toda a sua vida ela nunca riu desse jeito como riu agora, e eu prometi que ela se casaria com aquele que conseguisse fazê-la sorrir. Você deve agradecer a Deus porque você é um cara de sorte!"
- "Oh," respondeu o camponês, "não posso me casar com ela, eu já tenho uma esposa, e ela já é demais para mim, quando eu vou para casa, é tudo tão ruim que é como se eu tivesse uma esposa em cada canto da casa." Então, o rei se ofendeu, e disse: - " Você é um imbecil." - "Ah, senhor rei," respondeu o camponês, "o que você pode esperar de uma vaca, que não fosse um bife?" - "Chega," disse o rei, "vou te dar uma outra recompensa. Vai-te embora agora e volta dentro de três dias, e então, terás quinhentos bem contados."
Quando o camponês saía pelo portão, o sentinela disse: - "Você conseguiu fazer a filha do rei sorrir, então, certamente você receberá alguma coisa boa." - "Sim, é o que eu também acho," respondeu o camponês, "quinhentos bem contados me serão dados." - "Escuta," disse o soldado, "me dê um pouco disso. O que você vai fazer com todo esse dinheiro?"
- "Como é para você," disse o camponês, "você receberá duzentos, dentro do prazo de três dias, apresente-se diante do rei, e peça a ele que isso te seja entregue." Um judeu, que estava parado ali, e tinha ouvido a conversa, foi correndo atrás do camponês, o segurou pelo casaco, e disse: - "Oh, maravilha! que garoto de sorte que você é! Eu troco para você, eu troco para você com pequenas moedas, porque você precisa das notas graúdas dos táleres?" - "Judeu," disse o camponês, "você ainda pode receber trezentos, me dê esse valor agora mesmo em moedas, dentro de três dias a partir de hoje, você poderá receber esse valor pelas mãos do rei."
O judeu dava pulos de alegria diante do lucro, e trouxe todo o valor em grosche muito usado, onde três dos ruins valeriam dois bons. Três dias haviam decorridos, e de acordo com a ordem do rei, o camponês compareceu diante do rei. - "Tire o casaco dele," disse o rei, "e ele receberá os quinhentos." - "Ah," disse o camponês, "eles não me pertencem mais, eu dei de presente duzentos deles para o sentinela, e trezentos o judeu trocou para mim, então, por direito, não tenho direito a mais nada."
Nesse momento, o soldado e o judeu entraram e reclamaram o que eles tinham ganhado do camponês, e eles receberam as quinhentas chicotadas bem contadas. O soldado suportou com paciência pois já tinha sofrido antes, mas o judeu falou arrependido: - "Oh não, seriam estes os tálares que eu deveria receber?" O rei não conseguia para de rir para o camponês, e toda a sua raiva foi embora, e ele disse: - "Como você já recebeu a tua recompensa antecipadamente, eu te darei uma compensação em troca. Vá até a minha câmara de tesouro e pegue todo o dinheiro que quiser."
Não precisou que o rei falasse duas vezes para o camponês, e ele encheu os seus bolsos enormes com tudo o que coube dentro. Depois ele foi até uma estalagem, e contou todo o dinheiro. O judeu foi escondido atrás dele e ouvia que ele resmungava sozinho, - "O desgraçado do rei me trapaceou afinal, porque ele mesmo não poderia ter-me dado o dinheiro, e então, eu saberia o quanto tenho? Quem pode me dizer agora, se o que eu tive a sorte de colocar nos meus bolsos é suficiente ou não? - "Meu Deus do céu!," disse o judeu para si mesmo, "esse homem está falando de modo desrespeitoso do nosso senhor, o rei, eu vou correndo lá para informá-lo, e então, eu receberei uma recompensa, e ele será punido também."
Quando o rei ouviu o que o camponês tinha dito, ele ficou furioso, e exigiu que o judeu fosse e trouxesse o blasfemador até ele. O judeu correu até onde o camponês estava, - "Você precisa ir imediatamente até o rei, nosso senhor, com as roupas que você estiver usando."
- "Sei de uma coisa melhor que essa," respondeu o camponês, "preciso conseguir um casaco novo primeiro. Você acha que um homem com tanto dinheiro no bolso se apresenta diante do rei com um casaco velho e rasgado?"
O judeu, quando ele viu que o camponês não se mexia porque não tinha outro casaco, e como ele temia que a fúria do rei esfriasse, e ele próprio perderia a sua recompensa, e o camponês não seria punido, ele disse: - "Eu mesmo, como prova da minha verdadeira amizade, te empresto um casaco por algum tempo. O que as pessoas não fazem por amor!" O camponês deu-se por satisfeito, vestiu o casaco do judeu, e saiu em companhia dele.
O rei repreendeu o camponês porque ele havia falado mal de acordo com o que o judeu tinha informado. - "Ah," disse o camponês, "o que um judeu fala é sempre mentira -- jamais se ouviu que um judeu falasse a verdade! Esse ordinário é capaz de dizer que eu estou usando o casaco dele."
- "O que você disse?" berrou o judeu. "Este casaco não é meu? Eu emprestei ele a você por pura amizade, para que você pudesse se apresentar diante do rei?" Quando o rei ouviu isso, ele disse: - "O judeu com certeza está me enganando ou a nós dois, ou a mim ou ao camponês," e novamente mandou que lhe aplicassem novas e pesadas chibatadas. O camponês, todavia, voltou com um casaco novo, com dinheiro no bolso, e dizia para si mesmo: - "Desta vez eu acertei!"Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O fiel João

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Houve, uma vez, um velho rei que, sentindo-se muito doente, pensou:"Este será o meu leito de morte!" - disse, então, aos que o cercavam:- Chamem o meu fiel João.O fiel João era o seu criado predileto, assim chamado porque, durante toda a vida, fora-lhe extremamente fiel. Portanto, quando se aproximou do leito onde estava o rei, este lhe disse:- Meu fidelíssimo João, sinto que me estou aproximando do fim; nada me preocupa, a não ser o futuro de meu filho; é um rapaz ainda inexperiente e, se não me prometeres ensinar-lhe tudo e orientá-lo no que deve raber, assim como ser para ele um pai adotivo, não poderei fechar os olhos em paz.- Não o abandonarei nunca, - respondeu o fiel João, - e prometo servi-lo com toda a lealdade, mesmo que isso me custe a vida.- Agora morro contente e em paz, - exclamou o velho rei e acrescentou: - depois da minha morte, deves mostrar-lhe todo o castelo, os aposentos, as salas e os subterrâneos todos, com os tesouros que encerram. Exceto, porém, o último quarto do corredor comprido, onde está escondido o retrato da princesa do Telhado de Ouro; pois, se vir aquele retrato, ficará ardentemente apaixonado por ela, cairá num longo desmaio e, por sua causa, correrá grandes perigos, dos quais eu te peço que o livres e o preserves.Assim que o fiel João acabou de apertar, ainda uma vez, a mão do velho rei, este silenciou, reclinou a cabeça no travesseiro e morreu.O velho rei foi enterrado e, passados alguns dias, o fiel João expôs ao príncipe o que lhe havia prometido pouco antes de sua morte, acrescentando:- Cumprirei a minha promessa. Ser-te-ei fiel como o fui para com ele, mesmo que isso me custe a vida.Transcorrido o período do luto, o fiel João disse-lhe:- Já é tempo que tomes conhecimento das riquezas que herdaste; vamos, vou mostrar-te o castelo de teu pai.Conduziu-o por toda parte, de cima até em baixo, mostrando-lhe os aposentos com o imenso tesouro, evitando porém uma determinada porta: a do quarto onde se achava o retrato perigoso. Este estava colocado de maneira que, ao abrir-se a porta, era logo visto; e era tão maravilhoso que parecia vivo, tão lindo, tão delicado que nada no mundo, se lhe podia comparar. O jovem rei notou que o fiel João passava sempre sem parar diante daquela única porta e, curiosamente, perguntou:- E essa porta, por quê não abres nunca?- Não abro porque há lá dentro algo que te assustaria, - respondeu o criado.O jovem rei, porém, insistiu:- Já visitei todo o castelo, agora quero saber o que há lá dentro.E foi-se encaminhando, decidido a forçar a porta. O fiel João deteve-o, suplicando:- Prometi a teu pai, momentos antes de sua morte, que jamais verias o que lá se encontra, porque isso seria causa de grandes desventuras para ti e para mim.- Não, não, - replicou o jovem rei; - a minha desventura será ignorar o que há lá dentro, pois não mais terei sossego, enquanto não conseguir ver com meus próprios olhos. Não sairei daqui enquanto não abrires essa porta.Vendo que nada adiantava opor-se, o fiel João, com o coração apertado de angústia, procurou no grande molho a chave indicada. Tendo aberto a porta, entrou em primeiro lugar, pensando, assim, encobrir com seu corpo a tela, a fim de que o rei não a visse. Nada adiantou, porém, porque o rei, erguendo-se nas pontas dos pés, olhou por cima de seu ombro e conseguiu vê-la.Mal avistou o retrato da belíssima jovem, resplandecente de ouro e pedrarias, caiu por terra desmaiado. O fiel João precipitou-se logo e carregou-o para a cama, enquanto pensava, cheio de aflição: "A desgraça verificou-se; Senhor Deus, que acontecerá agora?" Procurou reanimá-lo, dando-lhe uns goles de vinho, e assim que o rei recuperou os sentidos, suas primeiras palavras foram:- Ah! De quem é aquele retrato maravilhoso?- Ê da princesa do Telhado de Ouro, - respondeu o fiel João.- Meu amor por ela, - acrescentou o rei, - é tão grande que, se todas as folhas das árvores fossem línguas, ainda não bastariam para exprimi-lo; arriscarei, sem hesitar, minha vida para conquistá-la; e tu, meu fidelíssimo João, deves ajudar-me.O pobre criado meditou, longamente, na maneira conveniente de agir; porquanto, era muito difícil chegar à presença da princesa. Após muito refletir, descobriu um meio que lhe pareceu bom e comunicou-o ao rei.- Tudo o que a circunda é de ouro: mesas, cadeiras, baixelas, copos, vasilhas, enfim, todos os utensílios de uso doméstico são de ouro. Em teu tesouro há cinco toneladas de ouro; reúne os ourives da corte e manda cinzelar esse ouro; que o transformem em toda espécie de vasos e objetos ornamentais: pássaros, feras e animais exóticos; isso agradará a princesa; apresentar-nos-emos a ela, oferecendo essas coisas todas, e tentaremos a sorte.O rei convocou todos os ourives e estes passaram a trabalhar dia e noite até aprontar aqueles esplêndidos objetos. Uma vez tudo pronto, foi carregado para um navio; o fiel João disfarçou-se em mercador e o rei teve de fazer o mesmo para não ser reconhecido. Em seguida zarparam, navegando longos dias até chegarem à cidade onde morava a princesa do Telhado de Ouro.O fiel João aconselhou o rei a que permanecesse no navio esperando- Talvez eu traga comigo a princesa, - disse ele, - portanto, providencia para que tudo esteja em ordem; manda expor todos os objetos de ouro e adornar caprichosamente o navio.Juntou, depois, diversos objetos de ouro no avental, desceu à terra e dirigiu-se diretamente ao palácio real. Chegando ao pátio do palácio, avistou uma linda moça tirando água da fonte com dois baldes de ouro. Quando ela se voltou, carregando a água cristalina, deparou com o desconhecido; perguntou-lhe quem era.- Sou um mercador, - respondeu ele, abrindo o avental e mostrando o que trazia.- Ah! Que lindos objetos de ouro! - exclamou a moça.Descansou os baldes no chão e pôs-se a examiná-los um por um.- A princesa deve vê-los, - disse ela; - gosta tanto de objetos de ouro que, certamente, os comprará todos.Tomando-lhe a mão, conduziu-o até aos aposentos superiores, que eram os da princesa. Quando esta viu a esplêndida mercadoria, disse encantada:- Está tudo tão bem cinzelado que desejo comprar todos os objetos.O fiel João, porém, disse-lhe:- Eu sou apenas o criado de um rico mercador; o que tenho aqui nada é em comparação ao que meu amo tem no seu navio; o que de mais artístico e precioso se tenha já feito em ouro, ele tem lá.Ela pediu que lhe trouxessem tudo, mas o fiel João retrucou:- Para isso seriam necessários muitos dias, tal a quantidade de objetos. Seriam necessárias também muitas salas para expô-los, e este palácio, parece-me, não tem espaço suficiente.Espicaçou-lhe, assim a curiosidade e o desejo; então ela concordou em ir até ao navio.- Leva-me, quero ver pessoal mente os tesouros que teu amo tem a bordo.Radiante de felicidade, o fiel João conduziu-a a bordo do navio e, quando o rei a viu achou que era ainda mais bela do que no retrato; seu coração ameaçava saltar-lhe do peito de tanto alegria. O rei recebeu-a e acompanhou-a ao interior do navio. O fiel João, porém, ficou junto ao timoneiro, ordenando-lhe que zarpasse depressa.- A toda vela, faça com que voe como um pássaro no ar, - dizia ele.Entretanto, o rei ia mostrando à princesa, um por um, os maravilhosos objetos de ouro: pratos, copos, vasilhas, pássaros, feras e monstros, exaltando-lhes as formas e o fino cinzelamento. Passaram, assim, muitas horas na contemplação daquelas obras de arte; em sua alegria ela nem sequer percebera que o navio estava navegando. Tendo examinado o último objeto, agradeceu ao mercador, dispondo-se a voltar para casa; mas, chegando ao tombadilho, viu que o navio corria a toda vela rumo ao mar alto, distante da costa.- Ah, - gritou apavorada, - enganaram-me! Fui raptada, estou à mercê de um vulgar mercador, prefiro morrer!O rei, então, pegando-lhe a mãozinha disse:- Não sou um vulgar mercador; sou um rei de nascimento não inferior ao teu. Se usei de astúcia para te raptar, fi-lo por excesso de amor. Quando vi pela primeira vez teu retrato, a emoção prostrou-me desmaiadoOuvindo essas palavras, a princesa do Telhado de Ouro sentiu-se confortada e de tal maneira seu coração se prendeu ao jovem, que consentiu em se tornar sua esposa.O navio continuava em mar alto e os noivos extasiavam-se a contemplar aqueles objetos todos; enquanto isso, o fiel João, sentado à proa, divertia-se a tocar o seu instrumento; viu, de repente, três corvos esvoaçando, que pousaram ao seu lado. Parou de tocar, a fim de ouvir o que grasnavam, pois tinha o dom de entender a sua linguagem. Um deles grasnou:- Ei-lo que vai levando para casa a princesa do Telhado de Ouro.- Sim, - respondeu o segundo, - mas ela ainda não lhe pertence!- Pertence, sim, - replicou o terceiro, - ela está aqui no navio com ele.Então o primeiro corvo tornou a grasnar:- Que adianta? Quando desembarcarem, sairá a seu encontro um cavalo alazão, o rei tentará montá-lo; se o conseguir, o cavalo fugirá com ele, alçando-se em voo pelo espaço, e nunca mais ele voltará a ver sua princesa.- E não há salvação? - perguntou o segundo corvo.- Sim, se um outro se lhe antecipar e montar rapidamente no cavalo; pegar o arcabuz que está no coldre e conseguir com o mesmo matar o cavalo; só assim o rei estará salvo. Mas quem é que está a par disso? Se, por acaso, alguém o soubesse e prevenisse o rei, suas pernas, dos pés aos joelhos, se transformariam em pedra, quando falasse.O segundo corvo falou:- Eu sei mais coisas. Mesmo que matem o cavalo, o jovem rei não conservará a noiva, pois, ao chegarem ao castelo, encontrarão numa sala um manto nupcial que lhes parecerá tecido de ouro e prata, ao invés disso é tecido de enxofre e de pez. Se o rei o vestir, queimar-se-á até à medula dos ossos.O terceiro corvo perguntou:- E não há salvação?- Oh, sim, - respondeu o segundo, - se alguém, tendo calçado luvas, agarrar depressa o manto e o atirar ao fogo para que se queime, o jovem rei estará salvo. Mas que adianta se ninguém sabe disso? E se o soubesse e prevenisse o rei, se transformaria em pedra desde os joelhos até o coração.O terceiro corvo, por sua vez, falou:- Eu ainda sei mais: mesmo que queimem o manto, ainda assim o jovem rei não terá a noiva; pois, após as núpcias, quando começar o baile e a jovem rainha for dançar, ficará repentinamente pálida e cairá ao chão como morta. E se a alguém não a acudir depressa e não sugar três gotas de sangue de seu seio direito, cuspindo-o em seguida, ela morrerá. Mas se alguém souber disso e o revelar ao rei, ficará inteiramente de pedra desde a cabeça até às pontas dos pés.Finda esta conversa, os corvos levantaram voo e sumiram. O fiel João, que tudo ouvira e entendera, tornou- se, desde então, tristonho e taciturno. Se não contasse o que sabia ao seu amo, este iria de encontro à própria infelicidade; por outro lado, porém, se lhe revelasse tudo, seria a própria vida que sacrificaria. Por fim resolveu-se: "Devo salvar meu amo, mesmo que isso me custe a vida."Quando, portanto, desembarcaram, sucedeu exatamente o que havia predito o corvo: saiu-lhes ao encontro um belo cavalo alazão.- Muito bem, - exclamou o rei, - este cavalo me levará ao castelo, e fez menção de montá-lo.O fiel João, porém, antecipou-se-lhe, saltou na sela, tirou o arcabuz do coldre e, num instante, abateu o cavalo. Os outros acompanhantes do rei, que não simpatizavam com o fiel João, exclamaram indignados:- Que absurdo! Matar um animal tão belo! Tão apropriado para levar nosso rei ao castelo!O rei, porém, interveio:- Calem-se, deixem-no fazer o que achar conveniente; sendo o meu fidelíssimo João, deve ter motivos razoáveis para agir assim.Encaminharam-se todos para o castelo; na sala depararam com o lindo manto nupcial, que parecia tecido de ouro e prata, sobre uma salva. O jovem rei quis logo vesti-lo, mas o fiel João, com um gesto rápido, afastou-o e, de mãos enluvadas, agarrou o manto e o lançou ao fogo, que o consumiu imediatamente.Os acompanhantes do rei tomaram a protestar contra esse atrevimento:- Vejam só! Ousa queimar até o manto nupcial do rei!Mas o rei tornou a interrompê-los:- Calem-se! Deve haver um sério motivo para isso; deixem que faça o que deseja, ele é o meu fidelíssimo João.Tiveram início as bodas, com grandes festejos. Chegando a hora do baile, também a noiva quis dançar; o fiel João, atento às menores coisas, não deixava de observar-lhe o rosto; de súbito, viu-a empalidecer e cair por terra como morta. De um salto, aproximou-se dela, tomou-a nos braços e carregou-a para o quarto, reclinando-se em seu leito; ajoelhando-se ao lado da cama, sugou-lhe do seio direito três gotas de sangue e cuspiu-as. Com isso ela imediatamente recuperou os sentidos e voltou a respirar normalmente.O rei, porém, que a tudo assistia sem compreender as atitudes do fiel João, ficou furioso e ordenou:- Prendam-no já! Levem-no para o cárcere.Na manhã seguinte, o fiel João foi julgado e condenado à morte. Levaram-no ao patíbulo, mas, no momento de ser executado, de pé sobre o estrado, resolveu falar.- Antes de morrer, todos os condenados têm direito de falar; terei eu também esse direito?- Sim, sim, - anuiu o rei.Então, o fiel João revelou a verdade.- Estou sendo injustamente condenado; sempre te fui fiel.E narrou, detalhadamente, a conversa dos corvos, que ouvira quando estavam a bordo, em alto mar. Fizera o que fizera só para salvar o rei, seu amo. Então, muito comovido, o rei exclamou:- Oh, meu fidelíssimo João, perdoa-me! Perdoa-me! Soltem-no imediatamente.Porém, assim que acabara de pronunciar as últimas palavras, o fiel João caiu inanimado, transformado em uma estátua de pedra.A rainha e o rei entristeceram-se profundamente, e este último, em prantos, lamentava-se:- Ah! Quão mal recompensei tamanha fidelidade!Deu ordens para que a estátua fosse colocada em seu próprio quarto, ao lado da cama. Cada vez que seu olhar caia sobre ela, desatava a chorar, lamuriando-se:- Ah! Se me fosse possível restituir-te a vida, meu caro, meu fiel João!Decorrido algum tempo, a rainha deu à luz dois meninos gêmeos, os quais cresceram viçosos e bonitos e constituíam a sua maior alegria. Uma ocasião, enquanto a rainha se encontrava na igreja e os dois meninos brincavam junto do pai, este volveu-se entristecido para a estátua, suspirando:- Se pudesse restituir-te a vida, meu fiel João!Então viu a pedra animar-se e falar.- Sim, - disse ela, - está em teu poder restituir- me a vida, a custa, porém do que te é mais caro.Assombrado com essa revelação, o rei exclamou:- Por ti darei tudo o que me seja mais caro neste mundo!A pedra então continuou:- Pois bem; se, com tuas próprias mãos, cortares a cabeça de teus dois filhinhos e me friccionares com seu sangue, eu recuperarei a vida.O rei ficou horrorizado à ideia de ter que matar seus filhos estremecidos; mas lembrou-se daquela fidelidade sem par que lhe dedicara o fiel João, a ponto de morrer para salvá-lo e não hesitou mais: sacou a espada e decepou a cabeça dos filhos. Depois friccionou com o sangue deles a estátua de pedra e esta logo se reanimou aparecendo-lhe vivo e são o seu fiel João.- A tua lealdade, - disse-lhe ele, - não pode ficar sem recompensa.Então, apanhando as cabeças dos meninos, recolocou-as sobre os troncos; untou-lhes o corte com sangue deles e, imediatamente, os garotos voltaram a saltar e a brincar como se nada houvesse acontecido.O rei ficou radiante de alegria; quando viu a rainha que vinha voltando da igreja, escondeu o fiel João e os meninos dentro de um armário. Assim que ela entrou, perguntou-lhe:- Foste à igreja rezar?- Sim, respondeu ela, - mas não cessei de pensar no fiel João; por nossa causa foi ele tão desventurado!Então o rei insinuou:- Minha querida mulher, nós poderíamos restituir-lhe a vida; mas a custa da vida de nossos filhinhos. Achas que devemos sacrificá-los?A rainha empalideceu, sentindo o sangue gelar-se-lhe nas veias; contudo animou-se e disse:- Pela incomparável fidelidade que nos dedicou acho que devemos.Felicíssimo por ver que a rainha concordava com ele, o rei abriu o armário e fez sair as crianças e o fiel João.- Graças a Deus, - disse, - aqui está ele desencantado e temos também os nossos filhinhos.Depois contou-lhe, detalhadamente, o ocorrido. E, a partir cie então, viveram todos juntos, alegres e felizes, até o fim da vida.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

O lobo e as sete crianças

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Era uma vez uma velha cabra que tinha sete cabritinhos e os amava, como uma boa mãe pode amar os filhos. Um dia, querendo ir ao bosque para as provisões do jantar, chamou os sete filhinhos e lhes disse:- Queridos pequenos, preciso ir ao bosque; cuidado com o lobo; se ele entrar aqui, come-vos todos com uma única abocanhada. Aquele patife costuma disfarçar-se, logo o reconhecereis, porém, pela voz rouca e pelas patas negras.Os cabritinhos responderam:- Podeis ir sossegada, querida mamãe, ficaremos bem atentos.Com um balido, a velha cabra afastou-se confiante. Pouco depois, alguém bateu à porta, gritando:- Abri, queridos pequenos; está aqui vossa mãezinha que trouxe um presente para cada um!Mas os cabritinhos perceberam, pela voz rouca, que era o lobo.- Não abrimos nada, - disseram - não é a nossa mamãe; a mamãe tem uma vozinha suave; a tua é rouca; tu és o lobo!Então o lobo foi a um negócio, comprou um grande pedaço de argila, comeu-o e assim a voz dele tornou-se mais suave. Em seguida, voltou a bater à porta, dizendo:- Abri, queridos pequenos; está aqui a vossa mãezinha que trouxe um presente para cada um!Mas havia apoiado a pata negra na janela; os pequenos viram-na e gritaram:- Não abrimos, nossa mamãe não tem as patas negras como tu; tu és o lobo.O lobo correu, então, até o padeiro e lhe disse:- Machuquei o pé, queres esparramar-lhe em cima um pouco de massa?Quando o padeiro lhe espargiu a massa na pata, correu até o moleiro e disse:- Espalha um pouco de farinha de trigo na minha pata.O moleiro pensou: "Este lobo está tentando enganar alguém" e recusou-se a atende-lo. O lobo, porém, ameaçou-o:- Se não o fizeres, devoro-te!O moleiro, então, se assustou e polvilhou-lhe a pata. Aliás, isso é comum entre os homens. O malandro foi, pela terceira vez, bater à porta dos cabritinhos, dizendo:- Abri, pequenos, vossa querida mãezinha voltou do bosque e trouxe um presente para cada um de vós!Os cabritinhos gritaram:- Mostra-nos primeiro a tua pata para que saibamos se és realmente nossa mamãezinha.O lobo não hesitou, colocou a pata sobre a janela e, quando viram que era branca, acreditaram no que dizia e abriram-lhe a porta. Mas foi o lobo que entrou. Os cabritinhos, amedrontados, trataram de se esconder. O primeiro escondeu-se debaixo da mesa, o segundo meteu-se embaixo da cama, o terceiro correu para dentro do forno, o quarto foi para a cozinha, o quinto fechou-se no armário, o sexto dentro da pia e o sétimo na caixa do relógio de parede. Mas o lobo encontrou-os todos e não fez cerimônias; engoliu-os um após o outro. O último, porém, que estava dentro da caixa do relógio, não foi descoberto. Uma vez satisfeito, o lobo saiu e foi deitar-se sob uma árvore, no gramado fresco do prado e não tardou a ferrar no sono. Não tardou muito e a velha cabra regressou do bosque.Ah, o que se lhe deparou! A porta da casa escancarada; mesa, cadeiras, bancos, tudo de pernas para o ar. A pia em pedaços, as cobertas, os travesseiros arrancados da cama. Procurou logo os filhinhos, não conseguindo encontrá-los em parte alguma. Chamou-os pelo nome, um após o outro, mas ninguém respondeu. Ao chamar, por fim, o menor de todos, uma vozinha sumida gritou:- Querida mamãezinha, estou aqui, dentro da caixa do relógio.Ela tirou-o de lá e o pequeno contou-lhe que viera o lobo e devorara todos os outros. Imaginem o quanto a cabra chorou pelos seus pequeninos! Saiu de casa desesperada, sem saber o que fazer; o cabritinho menor saiu-lhe atrás. Chegando ao prado, viram o lobo espichado debaixo da árvore, roncando de tal maneira que fazia estremecer os galhos. Observou-o atentamente, de um e de outro lado e notou que algo se mexia dentro de seu ventre enorme.- Ah! Deus meu, - suspirou ela - estarão ainda vivos os meus pobres pequenos que o lobo devorou?Mandou o cabritinho menor que fosse correndo em casa apanhar a tesoura, linha e agulha também. De posse delas, abriu a barriga do monstro; ao primeiro corte, um cabritinho pôs a cabeça de fora e, conforme ia cortando mais, um por um foram saltando para fora; todos os seis, vivos e perfeitamente sãos, pois o monstro, na sanha devoradora, os engolira inteiros, sem mastigar.Que alegria sentiram ao ver a mãezinha! Abraçaram-na, pinoteando felizes como nunca. Mas a velha cabra lhes disse:- Ide depressa procurar algumas pedras para encher a barriga deste danado antes que ele desperte.Os cabritinhos, então, saíram correndo e daí a pouco voltaram com as pedras, que meteram, tantas quantas couberam, na barriga ainda quente do lobo. A velha cabra, muito rapidamente, coseu-lhe a pele de modo que ele nem chegou a perceber.Finalmente, tendo dormido bastante, o lobo levantou-se e, como as pedras que tinha no estômago lhe provocassem uma grande sede, foi à fonte para beber; mas, ao andar e mexer-se, as pedras chocavam-se na barriga, fazendo um certo ruído. Ele então pôs-se a gritar:
Dentro da pança,que é que salta e pula?Cabritos não são;parece pedra miúda!
Chegando à fonte, debruçou-se para beber; entretanto, o peso das pedras arrastou-o para dentro da água, onde se acabou afogando miseravelmente. Vendo isso, os sete cabritinhos saíram correndo e gritando:- O lobo morreu! O lobo morreu!Então, juntamente com a mãezinha, dançaram alegremente em volta da fonte.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Wednesday Aug 14, 2024

Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer de tudo, mas o mais jovem era tolo, e não conseguia aprender nem entender nada, e quando as pessoas o viam, elas diziam:
- "Este é um garoto que dará muito trabalho ao pai!"
Quando algo precisava ser feito, era sempre o mais velho que fazia, mas se o seu pai pedia ao mais velho que fosse buscar qualquer coisa quando já era tarde, ou já estivesse escuro, e o caminho tivesse de passar perto do cemitério, ou de qualquer outro lugar assustador, ele respondia:
- "Oh não, pai, eu não vou lá, isso me causa arrepios!" porque ele sempre tinha medo.
Ou quando histórias em volta da fogueira eram contadas a noite, ele ficava todo arrepiado, e aqueles que estavam por perto sempre diziam:
- "Oh não, estou ficando com medo!" O mais jovem ficava sentado no canto e escutava as histórias com o resto das pessoas, e não conseguia imaginar o que significava tudo aquilo.
- "Eles estão sempre dizendo, "estou ficando com medo, estou ficando com medo!" Eu não estou ficando com medo," pensava ele. "Talvez essa fosse uma arte que eu precisava entender!"
E então, aconteceu que seu pai um dia disse a ele:
- "Ouça-me, garoto que está sentado aí no canto, você está ficando alto e forte, e você deve aprender alguma coisa com a qual possa ganhar a vida. Veja como o teu irmão trabalha, mas você não ganha nem sequer para comprar um quilo de sal."
- "Bem, pai," respondeu ele, "eu tenho vontade de aprender alguma coisa, de verdade, e se isso pode ser ensinado, eu gostaria de aprender a ter medo. Eu não entendo nada disso."
O irmão mais velho, riu ao ouvir isso, e pensou consigo mesmo:
- "Bom Deus, como o meu irmão é tolo! Ele nunca vai prestar para nada enquanto viver! Para ser foice o metal desde cedo deve se dobrar aos imperativos do tempo."
O pai suspirou e respondeu:
- "Você logo aprenderá o que é ter medo, mas você não terá o teu sustento com isso."
Pouco tempo depois um sacristão foi à casa dele para uma visita, e o pai desfilou um rosário de lamentações, e lhe contou como o seu filho mais jovem era tão refratário em todos os aspectos, que ele não sabia nada e não aprendia nada.
- "Veja só," disse o pai, "quando eu perguntei a ele o que ele faria para ganhar a vida, ele me respondeu que queria aprender a ter medo."
- "Se é isso mesmo o que ele quer," respondeu o sacristão, "eu posso ensinar isso a ele. Fale pra ele me procurar, eu vou deixá-lo afinadíssimo."
O pai ficou contente, porque ele pensou:
- "Vou fazer um teste com o garoto." Então, o sacristão o levou para casa, e ele precisava tocar o sino. Depois de um ou dois dias, o sacristão o acordou a meia noite, e disse a ele para que se levantasse e subisse até a torre da igreja para tocar o sino.
- "Você logo aprenderá o que é ter medo," pensou o sacristão, e às ocultas foi na frente dele, e quando o garoto estava no alto da torre e se virou, e já ía segurar na corda do sino, ele viu uma figura de branco que estava de pé nas escadas de frente para a janela do sino.
- "Quem está aí?" gritou o jovem, mas a figura não respondia, e não fazia nenhum movimento. "Responda-me," gritou ele mais uma vez, "ou vá embora daqui, você não tem nada que fazer aqui a esta hora da noite."
No entanto, o sacristão ficou parado e não se movia para que o garoto pensasse que se tratasse de um fantasma. O garoto gritou pela segunda vez:
- "O que você quer aqui? - fale se você for uma pessoa sincera, ou eu vou te jogar escada abaixo!"
O sacristão pensou: - "ele não pode ser tão malvado como está dizendo," não fez nenhum barulho, e permaneceu parado como se fosse feito de pedra. Então, o garoto chamou pela terceira vez, e como isso também não adiantasse nada, ele correu em direção ao sacristão e empurrou o fantasma escada abaixo, que rolou dez degraus abaixo e permaneceu imóvel num canto.
Depois ele tocou o sino, foi para casa, e sem dizer uma palavra se deitou, e dormiu. A esposa do sacristão esperou durante muito tempo pelo marido, que não voltava. Então, ela ficou preocupada, e acordou o garoto, e perguntou:
- "Você não sabe onde o meu marido se encontra? Ele subiu a torre antes de você."
- "Não, eu não sei," respondeu o garoto, "Alguém estava na escada de frente para a janela do sino, e como ele não queria responder, e nem ia embora, pensei, que era um ladrão, e o derrubei da escada, vá lá e veja se era ele. Lamento muito caso seja ele." A mulher saiu correndo e encontrou o marido dela, deitado e gemendo num canto, com a perna quebrada.
Ela o carregou para casa e depois aos berros foi correndo até a casa do garoto.
- "O seu garoto," disse ela, "é a causa de uma grande desgraça! Ele atirou meu marido escada abaixo e quebrou uma perna dele. Leve embora de nossa casa esse infeliz que não serve para nada."
O pai ficou apavorado, e correu imediatamente para lá e repreendeu o garoto:
- "Mas que maldade foi essa?" disse ele, "o Coisa Ruim deve ter colocado isso na tua cabeça."
- "Pai," respondeu ele, "me escute, por favor. Eu sou totalmente inocente. Ele estava de pé lá à noite como alguém que estivesse para fazer alguma maldade. Eu não sabia quem era ele, e por três vezes eu insisti para que ele falasse ou fosse embora."
- "Ah," disse o pai, " você só me traz infelicidade. Saia da minha frente. Não quero te ver nunca mais."
- "Sim," pai, "te peço, espere pelo menos o dia clarear. Então, eu vou embora e aprenderei como ter medo, e de qualquer maneira entenderei uma arte que me servirá de suporte."
- "Aprenda o que você quiser," falou o pai, "para mim é indiferente. Tome aqui as cinquenta moedas. Pegue-as e enfrente o mundo selvagem, e não diga a ninguém de onde você veio, e quem é o teu pai, porque eu tenho motivos para ter vergonha de você."
- "Sim, pai, será como o senhor desejar. Se o senhor não deseja nada mais do que isto, vai ser fácil cumprir a tua vontade."
Quando o dia amanheceu, portanto, o jovem colocou as cinquenta moedas no bolso, e foi embora por uma grande rodovia, e dizia sempre para si mesmo:
- "Se eu pelo menos pudesse ter medo! Se eu pelo menos pudesse ter medo!" Então, um homem, que tinha ouvido o que o garoto falava, se aproximou e depois de andar mais um pouquinho, quando eles podiam ver um patíbulo, o homem disse a ele:
- "Olhe, ali fica a árvore, onde sete jovens festejaram o casamento da filha do fabricante de cordas, e agora eles estão aprendendo a voar. Fique sentado ali, e espere quando a noite chegar, e você irá aprender a ter medo."
- "Se for isso tudo que é necessário," respondeu o jovem, "isso é fácil de fazer, mas se eu aprender a ter medo tão rápido assim, você receberá cinquenta moedas. Volte aqui amanhã bem cedo." Então, o jovem foi até o patíbulo, se sentou debaixo dele, e ficou esperando até a noite chegar.
Como estava com frio, ele se aqueceu perto de uma fogueira, mas a meia noite o vento soprava tão forte que apesar do fogo, ele não conseguia se aquecer. E como o vento fazia com que os homens que tinham sido enforcados ficassem batendo um contra o outro, e eles balançavam para a frente e para trás, ele pensou consigo mesmo:
- "Eu fico tremendo aqui embaixo perto da fogueira, mas, como aqueles que estão lá em cima devem estar congelados e sofrendo!" E como ele sentiu piedade por eles, subiu a escada, e subiu até onde eles estavam, desamarrou todos eles um após o outro, e desceu todos os sete.
Então, ele agitou o fogo, soprou, e colocou todos eles ao redor para se aquecerem. Mas eles ficavam sentados ali e não se mexiam, e o fogo começou a queimar a roupa deles. Então, ele disse:
- "Tomem cuidado, ou eu vou enforcá-los novamente." Os homens que estavam mortos, todavia, não responderam, mas permaneceram em silêncio, e deixava que os seus farrapos continuassem queimando. Com isto ele ficou bravo, e disse:
- "Se vocês não tomarem cuidado, eu não vou ajudá-los, eu não vou ser queimado com vocês," e ele pendurou de novo todos eles na forca. Depois ele voltou a se sentar perto do fogo e adormeceu, e na manhã seguinte o homem veio até ele e queria receber as cinquentas moedas, e disse:
- "Bem, você já sabe o que é ter medo?"
- "Não," respondeu ele, "como é que eu deveria saber? Aqueles caras lá em cima não abriram a boca, e eram tão tapados que eles deixaram os trapos estavam vestindo em seus corpos se queimassem." Então, o homem viu que ele não receberia as cinquenta moedas naquele dia, e foi embora dizendo:
- "Nunca uma coisa como esta havia acontecido para mim antes."
O jovem novamente pegou o seu caminho, e mais uma vez começou a resmungar consigo mesmo:
- "Ah, se eu conseguisse ter medo! Ah, se eu conseguisse ter medo!"
Um carroceiro que estava atrás dele, e ouviu o que ele dizia, perguntou:
- "Quem é você?"
- "Não sei," respondeu o jovem. Então, o carroceiro lhe disse:
- "De onde você vem?"
- "Não sei."
- "Quem é teu pai?"
- "Não posso lhe dizer isso."
- "Porquê você não pára de resmungar entre os dentes?"
- "Ah," respondeu o jovem, "eu tenho tanta vontade de saber como é ter medo, mas ninguém consegue me ensinar como fazer isso."
- "Pare de falar bobagens," disse o carroceiro. "Venha comigo, e eu encontrarei um lugar para você." O jovem foi com o carroceiro, e à noitinha eles chegaram numa estalagem onde pretendiam passar a noite.
Então, bem na entrada do quarto, o jovem novamente disse bem em voz alta:
- "Ah se eu conseguisse ter medo! Ah se eu conseguisse ter medo!" O estalajadeiro, ao ouvir isto, riu muito e disse:
- "Se é isso o que você deseja, deve haver uma boa oportunidade para você aqui."
- "Escute, fique quieto," disse a esposa do estalajadeiro, "muitas pessoas curiosas já perderam suas vidas, seria uma pena e um pecado que olhos tão lindos como os teus não pudessem nunca mais ver o sol nascer."
Mas o jovem disse: - "Por mais difícil que seja, eu quero saber, e foi para isto que eu viajei até aqui." Ele não dava descanso para o estalajadeiro, até que este lhe disse: "que não muito longe dali ficava um castelo assombrado onde qualquer pessoa poderia aprender facilmente o que era o medo, se ele simplesmente passasse três noites naquele castelo. O rei havia prometido que aquele que tivesse essa coragem receberia a sua filha como esposa, que era a garota mais linda que o sol já derramou os seus raios cintilantes.
No castelo havia também grandes tesouros, os quais eram guardados pelos espíritos do mal, e estes tesouros seriam então, libertados, e tornariam rico o bastante qualquer pessoa miserável. Muitos homens já haviam ido até o castelo, mas nenhum deles conseguiu sair vivo de lá. Então, o jovem na manhã seguinte foi até o rei e disse que se lhe dessem permissão, ele ficaria três noites no castelo encantado.
O rei olhou para ele, e como o garoto lhe fosse agradável, ele disse:
- "Você pode pedir três coisas para levar com você para o castelo, mas devem ser coisas sem vida." Então, ele respondeu:
- "Então, eu quero levar lenha para fazer fogo, um torno giratório e uma tábua de cortar com faca." O rei mandou que estas coisas fossem levadas ao castelo para ele durante o dia. Quando a noite estava chegando, o jovem foi e fez para ele um fogo bem alto em uma das salas do castelo, colocou a tábua de cortar com a faca perto do fogo, e se sentou perto do torno giratório.
- "Ah se eu conseguisse ter medo!," dizia ele, "mas eu acho que não vou aprender isso aqui também." Por volta da meia noite, ele decidiu atiçar o fogo, e quando ele começou a soprar, de repente alguém gritou de algum lugar:
- "Au, miau, como está frio aqui!"
- "Seus idiotas!" gritou ele, "porque vocês estão gritando? Se vocês estão com frio, venham aqui para se aquecer perto do fogo." E quando ele disse isso, dois grandes gatos pretos se aproximaram dando um salto estupendo e se sentaram um de cada lado dele, e olhavam furiosos para ele com seus olhos ardentes.
Passado algum tempo, depois que os gatos tinham se aquecido, eles disseram:
- "Camarada, será que nós poderíamos jogar baralho?"
- "Porque não," respondeu ele, "mas primeiro me mostrem as garras de vocês." Então, eles esticaram as suas garras.
- "Oh," disse ele, "que unhas compridas que vocês têm! Espere, primeiro eu vou cortá-las um pouco para vocês."
Então, ele pegou os gatos pelas gargantas, os colocou na tábua de cortar e rapidamente aparou as unhas deles.
- "Eu olhei para os dedos de vocês," disse ele, "e minha vontade de jogar baralho foi embora," e ele matou os dois gatos e os jogou na água. Mas quando ele tinha se livrado daqueles dois, e ia se sentar novamente perto da fogueira, de todos os buracos e de todos os cantos saíam gatos negros e cachorros pretos com correntes incandescentes, e vinham cada vez mais até que ele não conseguia se mexer, e eles gritavam terrivelmente, pegaram o fogo, espalharam todo, e queriam apagá-lo.
Ele olhou para eles durante algum tempo, mas depois eles começaram a cansá-lo, então, ele pegou a tábua de cortar, e gritou:
- "Fora daqui, seus vermes," e começou a cortar todos eles impiedosamente. Parte deles fugiu, os outros ele matou, e atirou no riacho de peixes. Quando ele retornou ele soprou as brasas da fogueira novamente e voltou a se aquecer. E quando então, ele se sentou, seus olhos não conseguiam mais ficarem abertos, e ele sentiu vontade de dormir. Então, ele olhou ao redor e viu uma grande cama num canto.
- "É disso que estou precisando," disse ele, e deitou nela. Quando ele ia fechar os olhos, todavia, a cama começou a andar sozinha, e percorreu todo o castelo.
- "Muito bem," disse ele, "vamos rápido." Então, a cama continuava a deslizar como se seis cavalos estivessem atrelados a ela, pra cima e pra baixo, pelas soleiras e pelas escadas, mas de repente, hop, hop, ela virou de cabeça para baixo, e montou nele como se fosse uma montanha. Mas ele lançou colchas e travesseiros pelo ar, saiu e disse:
- "Agora quem quiser, que dirija," e se deitou perto do fogo, e dormiu até quando o dia amanheceu. De manhã o rei chegou, e quando viu que o jovem estava deitado no chão, o rei pensou que os maus espíritos o haviam matado e ele estava morto. Então, ele disse:
- "Que pena que ele morreu, afinal de contas ele era um rapaz bonito." O jovem ouviu isso, se levantou e disse:
- "Ainda não é chegada a minha hora." Então, o rei ficou surpreso, mas muito contente, e perguntou como ele tinha passado a noite.
- "Muito bem," respondeu ele, "se passei uma noite, as duas outras irão passar também." Então, ele foi até o estalajadeiro, que ficou de olhos arregalados, e disse:
- "Eu jamais esperava vê-lo vivo novamente! Será que você já aprendeu a ter medo?" - "Não," disse ele, "não adiantou nada. Ah, se alguém pudesse me ensinar!"
Na segunda noite ele voltou ao velho castelo, se sentou perto do fogo, e mais uma vez começou a sua velha ladainha:
- "Ah se seu pudesse ter medo!" Quando chegou meia-noite, gritos e barulhos de coisas sendo derrubadas foram ouvidos, a princípio o barulho era baixo, mas ficava cada vez mais alto. De repente tudo ficou calmo por um instante, e finalmente ouviu-se um grito estridente, metade de um homem apareceu na chaminé e caiu na frente dele.
- "Opa!," exclamou ele, "deve haver a outra metade. Isto é muito pouco!" Então, os gritos começaram novamente, ouviu-se rugidos e gemidos, e a outra metade caiu também.
- "Espere," disse ele, "eu vou atiçar o fogo um pouco para você." E depois de fazer isso ele olhou em volta novamente, e as duas metades haviam se juntado, e um homem assustador estava sentado no seu banco.
- "Isso não faz parte do nosso trato," disse o jovem, "o banco é meu."
O homem quis empurrá-lo, o jovem, todavia, não permitiu, mas o empurrou com todas as suas forças, e se sentou novamente no banco. De repente, mais homens começaram a cair, um depois do outro, nove pernas de homens mortos e duas caveiras foram trazidas, foram arranjadas e começaram a brincar jogo de dos nove palitos com elas. O jovem também quis brincar e disse:
- "Ouçam, será que eu também posso brincar?"
- "Sim, se você tiver dinheiro."
- "Bastante dinheiro," respondeu ele, "mas as bolas de vocês não são bem redondas." Então, ele pegou as caveiras e as colocou no torno e as girou até que estivessem redondas.
- "Agora, sim, elas vão rolar melhor!" disse ele.
- "Viva! agora vai ser legal!" Ele brincou com os visitantes e perdeu um pouco de dinheiro, mas quando bateu meia noite todos desapareceram diante dele.
E le se deitou e tranquilamente caiu no sono. Na manhã seguinte o rei veio para ter notícias dele.
- "Como é que você passou a noite desta vez?" perguntou ele.
- "Fiquei brincando a noite inteira o jogo dos nove palitos," respondeu ele, "e perdi alguns centavos."
- "Então, você sentiu medo?"
- "Sentiu o quê?" disse ele, "eu fiquei é feliz. Ah se seu soubesse o que é ter medo!"
Na terceira noite ele se sentou novamente em seu banco e disse muito triste:
- "Ah se seu soubesse o que é ter medo!." Quando ficou tarde, apareceram seis homens altos e trouxeram um caixão. Então, ele disse:
- "Ra, ra, esse aí deve ser o meu primo, que morreu alguns dias atrás," fez um gesto convidativo e exclamou:
- "Venha, priminho, venha." Eles colocaram a caixa mortuária no chão, mas o jovem foi até ela e levantou a tampa, e no caixão havia um defunto.
Ele passou a mão na cara do defunto, mas ele estava frio como gelo.
- "Espere," disse ele, "eu vou aquecer você um pouquinho," e foi até a fogueira, esquentou a sua mão, e a colocou no rosto do cadáver, mas ele permanecia frio. Então, ele o tirou para fora, se sentou perto do fogo, e o colocou de bruços e esfregou os seus braços para que o sangue pudesse circular novamente. Como isso não deu resultado, ele pensou consigo mesmo:
- "Quando duas pessoas se deitam juntas na cama, elas aquecem uma a outra," e o carregou para a cama, cobriu o cadáver, e se deitou ao lado dele. Depois de algum tempo o cadáver começou a se aquecer também, e começou a se mexer. Então, o jovem disse:
- "Veja, priminho, viu como eu te aqueci?" O defunto, todavia, se levantou e gritou:
- "Agora eu vou te estrangular."
- "O quê!" disse ele, "é assim que você me agradece? Entre imediatamente no teu caixão agora mesmo," e ele pegou o cadáver, o colocou dentro do caixão, e fechou a tampa. Então, apareceram seis homens e o levaram embora novamente.
- "Eu não consigo saber o que é ter medo," disse ele, "acho que nunca vou saber o que é isso enquanto viver."
Então, um homem que era mais alto que os outros entrou, e tinha um aspecto assustador. Ele era velho, e todavia, tinha uma barba longa e branca.
- "Seu desgraçado," gritou ele, "agora você vai saber o que é ter medo, porque você irá morrer."
- "Vai devagar," respondeu o jovem.
- "Se eu tenho de morrer, eu tenho que me preparar para isso."
- "Eu vou te pegar," disse o fantasma.
- "Calma, calma, não queira aparecer. Eu sou tão forte quanto você, e talvez até mais forte."
- "Veremos," disse o velho. "se você é mais forte, te deixo ir - venha, vamos fazer um teste." Então, o velho o levou por corredores escuros até a fornalha de um ferreiro, pegou um machado, e num só golpe enterrou a bigorna no chão.
- "Posso fazer melhor ainda," disse o jovem, e foi até a outra bigorna. O velho ficou perto e queria ver, e sua barba longa e branca ficava pendurada.
Então, o jovem pegou o machado, partiu em dois a bigorna e ao mesmo tempo cortou a barba do velho.
- "Agora eu te peguei," disse o jovem. "Agora é você que tem de morrer." Então, ele pegou uma barra de ferro e golpeou o velho até ele gemer e pedir pra parar, prometendo muitas riquezas para o jovem. Este puxou o machado e o soltou. O velho o levou de volta para o castelo, e numa sala haviam três caixas cheias de ouro.
- "Destas," disse ele, "uma parte é para os pobres, a outra é para o rei, e a terceira é para ti."
E nesse instante bateu meia noite, e o espírito desapareceu, e o jovem ficou na escuridão.
- "Eu ainda saberei encontrar a minha saída," disse ele, e tateando, ele encontrou o caminho até a sala, e lá dormiu perto do fogo. Na manhã seguinte o rei apareceu e disse:
- "Agora deve ter aprendido o que é ter medo?"
- "Não," respondeu ele, "o que será isso? Meu primo que morreu apareceu aqui, e um homem barbudo veio e me mostrou um monte de dinheiro lá embaixo, mas nenhum deles me disse o que é ter medo."
- "Então," disse o rei, "você libertou o castelo, e deverá se casar com a minha filha."
- "Tudo está certo," disse ele, "mas eu ainda não sei o que é ter medo!"
Então, o ouro foi trazido e o casamento foi celebrado, mas o jovem rei, por mais que ele amasse a sua esposa, e por mais feliz que se sentisse, ele ainda dizia sempre:
- "Ah, se eu conseguisse ter medo - Ah, se eu conseguisse ter medo." Até que a sua esposa começou a ficar irritada com isso. A dama de companhia dela disse:
- "Eu tenho uma solução para isso, ele logo vai saber o que é ter medo." Ela foi até o riacho que passava pelo jardim, e mandou que um balde cheio de peixes gobiões fosse trazido até ela.
A noite quando o jovem rei estivesse dormindo, sua esposa devia tirar as roupas dele e esvaziar o balde de água fria com os gobiões em cima dele, de modo que os peixinhos ficando pulando em torno dele. Quando ela fez isto, ele acordou e gritou:
- "Oh, o que me faz sentir tanto medo assim? - o que me faz sentir tanto medo assim, minha querida esposa? Ah, agora eu sei o que é ter medo!"Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

A protegida de Maria

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Na orla de uma extensa floresta morava um lenhador e sua esposa. Eles tinham apenas uma filha, que era uma menina de três anos. Mas eles eram tão pobres que não tinham mais o pão de cada dia e já não sabiam o que haveriam de dar-lhe para comer. Certa manhã o lenhador foi com grande preocupação até a floresta para cuidar de seu trabalho e, quando estava cortando lenha, lá apareceu de repente uma mulher alta e bela que trazia na cabeça uma coroa de estrelas cintilantes e lhe disse "Sou a Virgem Maria, mãe do Menino Jesus, e tu és pobre e necessitado: traga-me tua filha, vou levá-la comigo, ser sua mãe e cuidar dela." O lenhador obedeceu, foi buscar a filha e entregou-a à Virgem Maria, que a levou consigo para o Céu. Lá a menina passava muito bem, comia pão doce e bebia leite açucarado, e seus vestidos eram de ouro, e os anjinhos brincavam com ela. Quando completou quatorze anos, a Virgem Maria a chamou e disse "Querida menina, partirei em uma longa viagem; tome sob tua guarda as chaves das treze portas do reino celestial; tu poderás abrir doze delas e contemplar os esplendores que há lá dentro, mas a décima terceira, cuja chave é esta pequena aqui, está proibida para ti: cuidado para não abri-la, pois seria a tua infelicidade." A menina prometeu ser obediente e, quando a Virgem Maria havia partido, começou a olhar os cômodos do reino celestial: a cada dia abria um deles, até que todos os doze tinham sido vistos. Em cada um dos cômodos estava sentado um apóstolo cercado de grande esplendor, e toda aquela suntuosidade e magnificência dava grande alegria a ela, e os anjinhos, que sempre a acompanhavam, alegravam-se também. Até que, então, faltava apenas a porta proibida, e ela sentiu um grande desejo de saber o que estava escondido atrás dela. Por isso disse aos anjinhos "Não abrirei a porta por inteiro e também não entrarei, mas vou entreabri-la para olharmos um pouquinho pela fresta." - "Oh, não," disseram os anjinhos, "seria um pecado: a Virgem Maria proibiu fazer isso, além do mais, isso poderia facilmente trazer-te a desgraça." Então ela se calou, mas o desejo não silenciou em seu coração, mas, ao contrário, continuou roendo e corroendo-a com força, não lhe permitindo ficar em paz. E certa vez, quando os anjinhos haviam todos saído, pensou "Agora estou totalmente sozinha e poderia olhar lá dentro, afinal, ninguém ficará sabendo o que fiz." Procurou a chave e, tão logo a apanhou, enfiou-a na fechadura e, uma vez ela estando lá, sem pensar duas vezes, girou-a. A porta abriu de um salto e ela viu a Trindade sentada em meio ao fogo e à luz. Ficou parada um momento, observando tudo com assombro, depois tocou de leve com o dedo aquela luz, e o dedo ficou totalmente dourado. No mesmo instante foi tomada de intenso pavor, bateu a porta com força e correu dali. Mas o pavor não diminuía, ela podia fazer o que fosse mas o coração continuava batendo acelerado e não havia como acalmá-lo: assim também o ouro continuou no dedo e não saía de jeito algum, não importa o quanto lavasse e esfregasse.
Não passou muito tempo e a Virgem Maria retornou de sua viagem. Ela chamou a menina e solicitou as chaves de volta. Quando ela apresentou o molho, a Virgem olhou em seus olhos e perguntou: "E não abriste mesmo a décima terceira porta?" - "Não," respondeu. Então ela pousou a mão sobre o coração da menina e sentiu como ele estava batendo sobressaltado, de modo que percebeu que sua ordem tinha sido desobedecida e a porta fora aberta. Então perguntou mais uma vez: "Realmente não a abriste?" - "Não," respondeu a menina pela segunda vez. Aí a Virgem avistou o dedo que ficara dourado pelo toque do fogo celestial e teve certeza de que ela pecara, e perguntou pela terceira vez: "Não a abriste?" - "Não," respondeu a menina pela terceira vez. Então a Virgem Maria disse: "Tu não me obedeceste e além disso ainda mentiste, portanto não és mais digna de permanecer no Céu."
Nesse momento a menina caiu em profundo sono e quando despertou jazia lá embaixo sobre a terra em meio a um lugar agreste. Quis gritar, mas não conseguiu emitir qualquer som. Levantou-se de um salto e quis fugir, mas para onde quer que se dirigisse sempre era detida por sebes espinhosas que não conseguia atravessar. Nesse ermo em que estava encerrada havia uma velha árvore oca que agora teria de ser sua morada. Era lá para dentro que rastejava quando caía a noite, e era lá que dormia, e, quando vinham chuvas e tempestades, era lá que buscava abrigo. Levava uma vida lastimável, e quando recordava como tudo havia sido tão bom no Céu, e como os anjinhos costumavam brincar com ela, chorava amargamente. Raízes e frutas silvestres eram seus únicos alimentos, e ela os procurava ao redor até onde podia ir. No outono juntava as nozes e folhas que haviam caído no chão e levava-as para o oco da árvore; comia as nozes no inverno e, quando chegavam a neve e o gelo, arrastava-se como um animalzinho para debaixo das folhas para não sentir frio. Não demorou muito e suas vestimentas começaram a se rasgar e um pedaço após outro foi caindo do corpo. Tão logo o Sol voltava a brilhar trazendo o calor, ela saía e sentava-se diante da árvore e seus longos cabelos encobriam-na de todos os lados como um manto. Assim foi passando ano após ano e ela ia experimentando a miséria e sofrimento do mundo.
Uma vez, quando as árvores tinham acabado de cobrir-se outra vez de verde, o rei que lá reinava estava caçando na floresta e perseguia uma corça, e como esta havia se refugiado nos arbustos que rodeavam a clareira da floresta, ele desceu do cavalo e com sua espada foi arrancando o mato e abrindo caminho para poder passar. Quando finalmente chegou do outro lado, avistou sob a árvore uma donzela de maravilhosa beleza que lá estava sentada totalmente coberta até os dedos dos pés pelos seus cabelos dourados. Ficou parado admirando-a com assombro até que finalmente dirigiu-lhe a palavra e disse: "Quem és tu? Por que estás aqui no ermo?" Mas ela não respondeu, pois sua boca estava selada. O rei falou novamente: "Queres vir comigo até meu castelo?" Ela apenas assentiu levemente com a cabeça. Então o rei a tomou nos braços, carregou-a até seu corcel e cavalgou com ela para casa, e, quando chegou ao castelo real, ordenou que a vestissem com belos trajes e tudo lhe foi dado em abundância. Embora não pudesse falar, ela era afável e bela, e assim ele começou a amá-la do fundo de seu coração e, não demorou muito, casou-se com ela.
Quando se havia passado cerca de um ano, a rainha deu à luz um filho. Nessa mesma noite, quando estava deitada sozinha em seu leito, apareceu-lhe a Virgem Maria, que disse "Se quiseres dizer a verdade e confessar que abriste a porta proibida, destravarei tua boca e devolverei tua fala, mas se insistires no pecado e teimares em negar, levarei comigo teu filho recém-nascido." Nesse momento foi dado à rainha responder, porém ela manteve-se obstinada e disse: "Não, não abri a porta proibida," e a Virgem Maria tomou-lhe o filho recém-nascido dos braços e desapareceu com ele. Na manhã seguinte, quando não foi possível encontrar a criança, começou a correr um murmúrio no meio do povo de que a rainha comia carne humana e teria matado seu próprio filho. Ela ouvia tudo isso e não podia dizer nada em contrário, mas o rei recusou-se a acreditar naquilo porque a amava muito.
Depois de um ano nasceu mais um filho da rainha. Naquela noite voltou a parecer a Virgem Maria junto dela dizendo: "Se quiseres confessar que abriste a porta proibida, devolverei teu filho e soltarei tua língua; mas se insistires no pecado e negares, levarei também este recém-nascido comigo." Então a rainha disse novamente: "Não, não abri a porta proibida," e a Virgem tomou-lhe a criança dos braços e levou-a consigo para o Céu. De manhã, quando mais uma vez uma criança havia desaparecido, o povo afirmou em voz bem alta que a rainha a tinha devorado, e os conselheiros do rei exigiram que ela fosse levada a julgamento. Mas o rei a amava tanto que não quis acreditar em nada, e ordenou aos conselheiros que, se não estivessem dispostos a sofrer castigos corporais ou mesmo a pena de morte, que deixassem de insistir no assunto.
No ano seguinte a rainha deu à luz uma linda filhinha e, pela terceira vez, apareceu à noite a Virgem Maria e disse: "Acompanha-me." Tomou-a pela mão e conduziu-a até o Céu, mostrando-lhe então os dois meninos mais velhos, que riam e brincavam com o globo terrestre. A rainha alegrou-se com aquilo e a Virgem Maria disse: "Teu coração ainda não se abrandou? Se confessares que abriste a porta proibida, devolverei teus dois filhinhos." Mas a rainha respondeu pela terceira vez "Não, não abri a porta proibida." Então a Virgem Maria a fez descer novamente à terra, tomando-lhe também a terceira criança.
Na manhã seguinte, quando a notícia correu, todo o povo gritava "a rainha come gente, ela tem que ser condenada," e o rei não conseguiu mais conter seus conselheiros. Ela foi submetida a julgamento e, como não podia responder e se defender, foi condenada a morrer na fogueira. Quando haviam juntado a lenha e ela estava amarrada a um pilar e o fogo começava a arder a sua volta, então derreteu-se o duro gelo do orgulho e seu coração encheu-se de arrependimento e ela pensou: "Ah, se antes de morrer eu ao menos pudesse confessar que abri a porta." Nesse momento voltou-lhe a voz e ela gritou com força "Sim, Maria, eu a abri!" No mesmo instante uma chuva começou a cair do céu apagando as chamas do fogo, e sobre sua cabeça irradiou uma luz, e a Virgem Maria desceu tendo os dois meninos, um de cada lado, e carregando a menina recém-nascida no colo. Ela falou-lhe com bondade: "Quem confessa e se arrepende de seu pecado, sempre é perdoado," e entregou-lhe as três crianças, soltou-lhe a língua e deu-lhe de presente a felicidade para a vida inteira.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

Gato e rato em companhia

Wednesday Aug 14, 2024

Wednesday Aug 14, 2024

Um gato tinha feito o conhecimento de um rato, e tinha dito que ele fez amor e amizade, enfim o mouse concordou em casar com ele e viver juntos. "Mas temos que pensar sobre o inverno, porque senão passam fome," disse o gato. "Tu, ratinho, não pode se aventurar em todos os lugares, finalmente pego em uma armadilha." Seguindo, então, esse conselho pró-ativa, comprei um pote de manteiga. Mas então ele introduziu o problema de onde ele iria manter até que, após longa reflexão, o gato, "Olha, o melhor lugar é a igreja. Aqui ninguém se atreve a roubar nada. É sob o altar e não tocá-lo até que seja necessário. "Então, o pote foi armazenado de forma segura. Mas o tempo não muito tinha passado quando, um dia, o gato parecia tentar o doce e disse que o mouse, "Hey mouse, pouco, um primo meu me fez o padrinho de seu filho nasceu-lhe apenas um garotinho com manchas de pele branca marrom, e quer-me para levá-lo à pia batismal. Então, hoje eu tenho que sair, você cuidar da casa. "-" Muito bem ," respondeu o rato," Vai-te em nome de Deus, e se você receber algo bom para comer, lembre-se de mim. Eu também gostaria de beber um pouco de vinho do partido. "Mas foi tudo mentira, e que o gato não tinha primo, e pediu para ser o padrinho. Ele foi direto para a igreja, rastejou até o pote de gordura, começou a lamber e ser lambido fora da camada externa. Em seguida, aproveitou a oportunidade para dar um passeio sobre os telhados da cidade, em seguida, colocar no sol, lambendo os bigodes sempre que ele se lembrou da panela de gordura. Não voltar para casa até escurecer. "Bem, você está de volta," disse o rato ," certamente deve ter tido um bom dia." - "Nada mal," respondeu o gato. "O nome que eles dão à criança?," Perguntou o mouse. "Off," disse o gato muito friamente. "Originalmente," exclamou seu amigo "Vá nome estranho e raro! É comum em sua família? "-" O que isso importa "disse o Gato. "Não é pior do que Robamigas, como são seus pais." Pouco depois que o gato era uma outra vontade, eo rato disse: "Você vai voltar para me o favor de cuidar da casa, mais uma vez pedir-me para ser o padrinho e como a criança tem um anel branco em torno do seu pescoço, eu não posso recusar. "O bom mouse, concordou, eo gato penetrou por trás do muro da cidade para ir à igreja, comeu metade do pote de gordura. "Nada tem um gosto tão bom," disse ele, a si mesmo como o que se come. E ele estava bastante satisfeito com a tarefa do dia. Ao chegar a casa o rato perguntou: "Como é que eles dão essa criança batizada" - "Metade," respondeu o gato. "" Metade? Que idéia! Eu nunca tinha ouvido esse nome eu aposto que não está no calendário. "Não demorou muito para que o gato vai fazer-lhe a boca outra vez para a água deliciosa. "As coisas boas sempre vão em grupos de três," disse o rato. "Mais uma vez eu pedi para ser o padrinho, desta vez, pouco é preto, só que tem patas brancas Caso contrário, não tem um fio de cabelo branco sobre o corpo. Isso acontece muito raramente. Não me deixe ir, né? "-" Originalmente, Half ," respondeu o mouse. "Esses nomes me dá muito que pensar." - "Como você o dia todo em casa com seu fraque cinza e sua longa trança," disse o gato, "Claro, você tem hobbies. . Estes pensamentos vêm para você não sair "Durante a ausência de seu companheiro, o mouse virou-se para ordenar a casa e deixá-lo como a prata, mas o gato ganancioso devorou??o resto da gordura do pote:" É bem verdade que um não à vontade até você ter limpado tudo ," disse para si mesmo, e saciado como um barril, não voltar para casa até tarde da noite. O rato não tinha tempo para perguntar o nome tinha sido dado para o terceiro filho. "Você não vai gostar também," disse o gato. "É chamado de Concluído." - "Concluído," disse o Rato. "Este é realmente o nome mais bizarro de todos. Nunca vi isso na imprensa. Pronto! O que isso significa? "Então ela balançou a cabeça, enrolada e fui dormir. Uma vez que ninguém convidou o gato para ser padrinho, até que, chegado o inverno ea ninharia escasso, porque nada estava nas ruas, o rato pensou em seus suprimentos de emergência. "Vá, gato, encontramos o pote de loja que gordura e agora vamos saborear boa." - "Sim," respondeu o gato, "você sabe quando você puxar a língua para fora da janela." Eles saíram e , para chegar à cache, lá estava o pote, de fato, mas vazio. "Ai de mim," disse o rato. "Agora eu entendo, agora eu vejo claramente o que um bom amigo que você é. Você comeu tudo, quando você estava servindo como padrinho, o primeiro fora, então a metade, então ... "-" Você vai calar a boca ," gritou o gato. "Se você adicionar outra palavra, eu devorar você" - "foi," já estava na boca do rato pobre. Ele não podia suportar a palavra, e não foi mal lançado, o gato saltou sobre ela, agarrou-a, engoliu um bocado. Assim são as coisas deste mundo.Este episódio é-lhe oferecido por Podbean.com.

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