Wednesday Aug 14, 2024
O diabo e sua avó
Houve, uma vez, um rei que estava empenhado numa grande guerra; dispunha êle de muitos soldados, mas, como era avarento, dava-lhes um sôldo tão mesquinho que não chegava sequer para viver. Então reuniram-se três soldados e combinaram fugir. Um dêles, porém, disse:
- Como faremos? Se nos prenderem, enforcam-nos sem sombra de dúvidas.
O segundo, mais otimista, retrucou:
- Estais vendo aquêlc enorme campo de trigo? Se nos escondermos lá, ninguém nos descobrirá; o exército não pode penetrar no meio do trigo; além disso, amanhã terão que prosseguir a marcha para mais longe.
Dito e feito. Fugiram para o trigal, esconderam-se o
melhor que puderam, mas o exército não prosseguiu para diante e ficou aquartelado aí nas proximidades.
Os fugitivos permaneceram no seu esconderijo dois dias e duas noites; a fome, porém, assaltou-os de tal maneira, que quase iam perecendo. Contudo, se saíssem de lá, a morte era mais do que certa e, então, começaram a lamentar-se:
- Que adiantou a nossa fuga, se temos de morrer aqui, miseravelmente!
Entretanto, nesse momento, chegou, voando pelos ares, um dragão de fauces de fogo, que desceu justamente onde êles estavam, e perguntou-lhes por que estavam lá escondidos.
- Somos três pobres soldados que desertamos do exército porque o sôldo era parco demais; agora não sabemos o que fazer. Se ficarmos aqui, teremos de morrer de fome e, se sairmos, acabaremos pendurados na fôrca.
- Se estais disposto a servir-me durante sete anos, vos conduzirei através das tropas, sem que ninguém vos prenda - disse o dragão.
- Não temos outra alternativa, - responderam êles, - portanto, temos que aceitar.
O dragão juntou-os com as garras possantes, e alçando vôo, carregou-os por sôbre o exército e os depositou numa terra bem distante. Esse dragão não era outra coisa senão o próprio diabo. Antes de deixá-los, deu-lhes um pequeno chicote, dizendo:
- Se fizerdes estalar êste chicotinho, logo possuireis tanto dinheiro quanto quiserdes. Podereis viver como grãos-senhores, dispondo de cavalos e carruagens mas, ao cabo de sete anos, me pertencereis.
Em seguida, apresentou-lhes um livro, no qual os três puseram suas assinaturas.
- Antes de vencer o prazo, - disse o diabo, - vou propor-vos um enigma; se o decifrardes, ficareis livres e eu não terei mais poder algum sôbre vós.
Dizendo isto, o dragão vôou para os ares, desapareceu, e os soldados puseram-se a caminho com o chicote, graças ao qual, tinham dinheiro em profusão, trajavam esplêndidamente e percorriam o mundo.
Em qualquer lugar que chegassem, gastavam nababescamente em jantares e festas muito alegres; viajavam sempre em lindas carruagens puxadas pelos melhores cavalos mas nunca causavam o menor dano a ninguém.
Assim, nessa situação deliciosa, o tempo passou célere e, quando findou o prazo estabelecido de sete anos, dois dêles começaram a ficar apreensivos e cheios de mêdo, mas o terceiro encarou as coisas com displicência, dizendo:
- Não tenham mêdo, irmãos; eu sou um bocado sabido e hei de decifrar o enigma.
Sairam para respirar um pouco de ar fresco no campo e lá sentaram-se; contudo, os dois primeiros continuavam tristonhos e preocupados.
Nisto passou por êles uma velha, a qual lhes perguntou a razão da tristeza dêles.
- Ah, não te importes com isso; tanto mais que não nos poderás ser útil.
- Quem sabe! - respondeu a velha: - confiai-me as vossas mágoas.
Então os soldados contaram-lhe que, tendo servido ao diabo durante sete anos, recebendo em troca dinheiro em profusão, estavam aflitos porque lhe tinham vendido as próprias almas e, em breve, estariam em poder do diabo. Estavam a findar-se os sete anos e êles teriam que se lhe entregar se não conseguissem decifrar o enigma proposto por êle.
A velha ouviu tudo atentamente, depois disse:
- Para sair dêste apuro, é preciso que um de vós vá até à floresta; ao chegar diante de um penhasco, que parece uma casinha, entre lá, e vos será prestado auxílio.
Os dois soldados, desanimados, refletiram: "Não será isto que nos salvará!" e continuaram sentados. Mas o terceiro, o mais otimista e empreendedor, pôs-se logo a caminho, chegou à floresta e foi penetrando sempre mais, até encontrar a casinha incrustada na rocha.
Nessa casinha, porém, estava uma velha decrépita, que era a avó do diabo; ao ver o soldado perguntou-lhe de onde vinha e o que desejava. Êle narrou-lhe tudo o que havia acontecido e, como era simpático, a velha gostou dêle e prontificou-se a auxiliá-lo.
Ergueu uma enorme pedra colocada sôbre a ade'ga, dizendo-lhe:
- Oculta-te lá embaixo, assim ouvirás tudo o que dissermos aqui; mas não pies e fica bem quietinho. Quando o dragão chegar, perguntar-lhe-ei qual é o enigma. A mim êle conta tudo; tu, presta a máxima atenção ao que me fôr respondido.
A meia-noite, chegou voando o dragão e pediu o seu jantar. A avó aprontou-lhe a mesa, serviu-lhe o jantar, que o deixou bem satisfeito, e ambos comeram e beberam alegremente.
Entre uma conversa e outra, a avó perguntou-lhe como haviam corrido as coisas nesse dia e quantas almas conseguira angariar.
- Hoje não tive muita sorte, - respondeu o dragão - mas tenho entre as garras três soldados, os quais estão bem seguros.
- Oh, três soldados! - disse a avó - não sei o que êles têm no corpo, mas acho que ainda poderão escapar- te.
- Esses já são meus, - disse com empáfia o diabo; - vou propor-lhes um enigma que êles jamais conseguirão decifrar; assim cairão em meu poder.
- E qual é êsse enigma? - perguntou a avó.
- A ti vou contar. No grande mar do Norte, há um grande macaco morto, que será o assado dêles; a costela de uma baleia será a colher de prata, e um velho casco de cavalo será o seu copo para o vinho.
Pouco depois o diabo foi para a cama; então a velha levantou a pedra e chamou o soldado.
- Prestaste bem atenção a tudo?
- Sim, - disse êle - já sei o bastante e, com isso, me sairei de apuros.
Obrigado a sair de lá o mais depressa possível, fugiu pela janela e foi correndo para onde se encontravam os companheiros. Contou-lhes que o diabo fôra ludibriado pela velha vovó e com isso ficara sabendo como decifrar o enigma.
Ficaram todos muito contentes e felizes e puseram-se a estalar o chicotinho, fazendo cair enorme quantidade de moedas à sua volta.
Assim que findou o prazo dos sete anos estabelecidos, chegou o diabo, mostrando as assinaturas no livro e dizendo:
- Vou levar-vos comigo ao inferno, onde vos oferecerei um grande jantar; se conseguirdes adivinhar que espécie de assado vos será servido, sereis postos em liberdade e podereis guardar, também, o chieotinho.
O soldado mais esperto pôs-se a falar como se contasse uma novidade:
- No grande mar do Norte, há um grande macaco morto; êsse será o assado.
O diabo ficou irritado com a resposta certa e fêz três vêzes: Ehm! e perguntou ao segundo soldado:
- Mas, dize-me, qual será a vossa colher?
- A costela de uma baleia será a nossa colher de prata, - respondeu êle.
O diabo fêz uma careta e resmungou, novamente, três vêzes: Ehm! e perguntou ao terceiro:
- E qual será o vosso copo para o vinho?
- Um velho casco de cavalo será o nosso copo para o vinho, - respondeu, prontamente, o soldado.
Então, soltando um urro tremendo, o diabo vôou para o inferno, não tendo mais nenhum poder sôbre a alma dos soldados.
Estes, porém, conservaram o chieotinho, que lhes proporcionava dinheiro a granel, e viveram o mais alegremente possível, até o fim da vida.
- Como faremos? Se nos prenderem, enforcam-nos sem sombra de dúvidas.
O segundo, mais otimista, retrucou:
- Estais vendo aquêlc enorme campo de trigo? Se nos escondermos lá, ninguém nos descobrirá; o exército não pode penetrar no meio do trigo; além disso, amanhã terão que prosseguir a marcha para mais longe.
Dito e feito. Fugiram para o trigal, esconderam-se o
melhor que puderam, mas o exército não prosseguiu para diante e ficou aquartelado aí nas proximidades.
Os fugitivos permaneceram no seu esconderijo dois dias e duas noites; a fome, porém, assaltou-os de tal maneira, que quase iam perecendo. Contudo, se saíssem de lá, a morte era mais do que certa e, então, começaram a lamentar-se:
- Que adiantou a nossa fuga, se temos de morrer aqui, miseravelmente!
Entretanto, nesse momento, chegou, voando pelos ares, um dragão de fauces de fogo, que desceu justamente onde êles estavam, e perguntou-lhes por que estavam lá escondidos.
- Somos três pobres soldados que desertamos do exército porque o sôldo era parco demais; agora não sabemos o que fazer. Se ficarmos aqui, teremos de morrer de fome e, se sairmos, acabaremos pendurados na fôrca.
- Se estais disposto a servir-me durante sete anos, vos conduzirei através das tropas, sem que ninguém vos prenda - disse o dragão.
- Não temos outra alternativa, - responderam êles, - portanto, temos que aceitar.
O dragão juntou-os com as garras possantes, e alçando vôo, carregou-os por sôbre o exército e os depositou numa terra bem distante. Esse dragão não era outra coisa senão o próprio diabo. Antes de deixá-los, deu-lhes um pequeno chicote, dizendo:
- Se fizerdes estalar êste chicotinho, logo possuireis tanto dinheiro quanto quiserdes. Podereis viver como grãos-senhores, dispondo de cavalos e carruagens mas, ao cabo de sete anos, me pertencereis.
Em seguida, apresentou-lhes um livro, no qual os três puseram suas assinaturas.
- Antes de vencer o prazo, - disse o diabo, - vou propor-vos um enigma; se o decifrardes, ficareis livres e eu não terei mais poder algum sôbre vós.
Dizendo isto, o dragão vôou para os ares, desapareceu, e os soldados puseram-se a caminho com o chicote, graças ao qual, tinham dinheiro em profusão, trajavam esplêndidamente e percorriam o mundo.
Em qualquer lugar que chegassem, gastavam nababescamente em jantares e festas muito alegres; viajavam sempre em lindas carruagens puxadas pelos melhores cavalos mas nunca causavam o menor dano a ninguém.
Assim, nessa situação deliciosa, o tempo passou célere e, quando findou o prazo estabelecido de sete anos, dois dêles começaram a ficar apreensivos e cheios de mêdo, mas o terceiro encarou as coisas com displicência, dizendo:
- Não tenham mêdo, irmãos; eu sou um bocado sabido e hei de decifrar o enigma.
Sairam para respirar um pouco de ar fresco no campo e lá sentaram-se; contudo, os dois primeiros continuavam tristonhos e preocupados.
Nisto passou por êles uma velha, a qual lhes perguntou a razão da tristeza dêles.
- Ah, não te importes com isso; tanto mais que não nos poderás ser útil.
- Quem sabe! - respondeu a velha: - confiai-me as vossas mágoas.
Então os soldados contaram-lhe que, tendo servido ao diabo durante sete anos, recebendo em troca dinheiro em profusão, estavam aflitos porque lhe tinham vendido as próprias almas e, em breve, estariam em poder do diabo. Estavam a findar-se os sete anos e êles teriam que se lhe entregar se não conseguissem decifrar o enigma proposto por êle.
A velha ouviu tudo atentamente, depois disse:
- Para sair dêste apuro, é preciso que um de vós vá até à floresta; ao chegar diante de um penhasco, que parece uma casinha, entre lá, e vos será prestado auxílio.
Os dois soldados, desanimados, refletiram: "Não será isto que nos salvará!" e continuaram sentados. Mas o terceiro, o mais otimista e empreendedor, pôs-se logo a caminho, chegou à floresta e foi penetrando sempre mais, até encontrar a casinha incrustada na rocha.
Nessa casinha, porém, estava uma velha decrépita, que era a avó do diabo; ao ver o soldado perguntou-lhe de onde vinha e o que desejava. Êle narrou-lhe tudo o que havia acontecido e, como era simpático, a velha gostou dêle e prontificou-se a auxiliá-lo.
Ergueu uma enorme pedra colocada sôbre a ade'ga, dizendo-lhe:
- Oculta-te lá embaixo, assim ouvirás tudo o que dissermos aqui; mas não pies e fica bem quietinho. Quando o dragão chegar, perguntar-lhe-ei qual é o enigma. A mim êle conta tudo; tu, presta a máxima atenção ao que me fôr respondido.
A meia-noite, chegou voando o dragão e pediu o seu jantar. A avó aprontou-lhe a mesa, serviu-lhe o jantar, que o deixou bem satisfeito, e ambos comeram e beberam alegremente.
Entre uma conversa e outra, a avó perguntou-lhe como haviam corrido as coisas nesse dia e quantas almas conseguira angariar.
- Hoje não tive muita sorte, - respondeu o dragão - mas tenho entre as garras três soldados, os quais estão bem seguros.
- Oh, três soldados! - disse a avó - não sei o que êles têm no corpo, mas acho que ainda poderão escapar- te.
- Esses já são meus, - disse com empáfia o diabo; - vou propor-lhes um enigma que êles jamais conseguirão decifrar; assim cairão em meu poder.
- E qual é êsse enigma? - perguntou a avó.
- A ti vou contar. No grande mar do Norte, há um grande macaco morto, que será o assado dêles; a costela de uma baleia será a colher de prata, e um velho casco de cavalo será o seu copo para o vinho.
Pouco depois o diabo foi para a cama; então a velha levantou a pedra e chamou o soldado.
- Prestaste bem atenção a tudo?
- Sim, - disse êle - já sei o bastante e, com isso, me sairei de apuros.
Obrigado a sair de lá o mais depressa possível, fugiu pela janela e foi correndo para onde se encontravam os companheiros. Contou-lhes que o diabo fôra ludibriado pela velha vovó e com isso ficara sabendo como decifrar o enigma.
Ficaram todos muito contentes e felizes e puseram-se a estalar o chicotinho, fazendo cair enorme quantidade de moedas à sua volta.
Assim que findou o prazo dos sete anos estabelecidos, chegou o diabo, mostrando as assinaturas no livro e dizendo:
- Vou levar-vos comigo ao inferno, onde vos oferecerei um grande jantar; se conseguirdes adivinhar que espécie de assado vos será servido, sereis postos em liberdade e podereis guardar, também, o chieotinho.
O soldado mais esperto pôs-se a falar como se contasse uma novidade:
- No grande mar do Norte, há um grande macaco morto; êsse será o assado.
O diabo ficou irritado com a resposta certa e fêz três vêzes: Ehm! e perguntou ao segundo soldado:
- Mas, dize-me, qual será a vossa colher?
- A costela de uma baleia será a nossa colher de prata, - respondeu êle.
O diabo fêz uma careta e resmungou, novamente, três vêzes: Ehm! e perguntou ao terceiro:
- E qual será o vosso copo para o vinho?
- Um velho casco de cavalo será o nosso copo para o vinho, - respondeu, prontamente, o soldado.
Então, soltando um urro tremendo, o diabo vôou para o inferno, não tendo mais nenhum poder sôbre a alma dos soldados.
Estes, porém, conservaram o chieotinho, que lhes proporcionava dinheiro a granel, e viveram o mais alegremente possível, até o fim da vida.
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